Acórdão nº 07S2713 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução16 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

"AA" instaurou, em 30 de Novembro de 2005, no Tribunal do Trabalho de Braga, contra "Empresa-A - Equipamentos de Escritório Lda.", acção como processo comum, pedindo que: i) seja declarada a existência de uma relação de trabalho entre ele e a Ré, desde Janeiro de 1986 até 11 de Janeiro de 2005 (1), e, portanto, do direito que lhe assiste de ser beneficiário da Segurança Social; ii) a Ré seja condenada a readmiti-lo no seu posto de trabalho, e a pagar-lhe "a quantia de € 16.500,00 - artigo 437.º do Código do Trabalho -, além das prestações vincendas até à data da sentença", sem prejuízo de optar pela indemnização por antiguidade, no montante de € 28.500,00; a quantia de € 83.797,70 de férias, subsídio de férias e de Natal e proporcionais; a quantia de € 25.000,00 a título de danos não patrimoniais; iii) seja "ordenada a reposição, por parte da Ré, das quantias em dívida à Segurança Social".

Alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço da Ré, no último trimestre de 1985, para trabalhar na reparação e manutenção de fotocopiadores, impressoras e outro tipo de equipamento da marca Empresa-A, com a categoria de mecânico, trabalhando das 9:00 às 12:30 e das 14:00 às 18:00 horas, e mediante remuneração, que ultimamente era de € 1.500,00 por mês, tendo sido, verbalmente, despedido em 27 de Dezembro de 2004.

Na contestação, a Ré, impugnando a qualificação do contrato que o Autor conferiu à relação jurídica que vigorou entre as partes, defendeu tratar-se de um contrato de prestação de serviços, concluindo pela improcedência da acção.

Houve resposta do Autor para concluir como na petição inicial.

  1. Na 1.ª instância, após a realização da audiência de discussão e julgamento, com registo das provas, e fixada, sem reclamações, a matéria de facto, foi proferida sentença, em que se decidiu, na parcial procedência da acção, condenar a Ré a pagar ao Autor a importância de € 22.788,45 - devida a título de retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal, correspondentes aos anos de 2000 a 2004 -, acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data do vencimento de cada uma das verbas parcelares, e absolver a Ré do restante pedido.

    Da sentença apelaram Autor e Ré, tendo ambos, além do mais, impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto.

    No acórdão que apreciou os recursos, o Tribunal da Relação do Porto, alterando alguns pontos da decisão sobre a matéria de facto, veio a conceder parcial provimento aos dois recursos, em consequência do que condenou a Ré "a pagar ao Autor, a título de remuneração de férias, subsídios de férias e de Natal, a quantia que se liquidar oportunamente", declarando que os "juros são devidos nos termos do disposto no art. 805.º, n.º 3, do CC.".

  2. Ambos os litigantes vêm pedir revista do acórdão da Relação: - O Autor, para ver declarado ilícito o alegado despedimento e decretada a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 16.500,00, nos termos do artigo 437.º do Código do Trabalho, além das prestações vincendas "até à data da sentença", a indemnização de antiguidade, no montante de € 28.500,00, a quantia de € 83.797,70, a título de retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, e, ainda, os proporcionais relativos ao tempo de serviço prestado no ano da cessação do contrato de trabalho, bem como a indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 25.000,00; - A Ré, a pugnar pela absolvição de todos os pedidos, persistindo em sustentar o ponto de vista defendido na contestação, e reiterado no recurso de apelação, segundo o qual a relação estabelecida entre as partes configura um contrato de prestação de serviços, e não um contrato de trabalho.

    Formularam, a terminar as respectivas alegações, conclusões, nos termos que se transcrevem: Da Revista do Autor: A - Há contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do objecto da lide. O que deverá ser feito nos termos e ao abrigo do disposto nos art.os 729.º-3 e 730.º do CPC, revogando-se, nessa parte, a decisão recorrida, que desatendeu as correspondentes pretensões da R., desaplicando, como devia, o art.º 712.º do mesmo Código; B - Pelo teor do próprio documento junto pela Ré na sua douta contestação, tem que se entender que o Autor foi despedido pela Ré, sem qualquer processo disciplinar, pois a cessação de um contrato de trabalho está sujeita às regras e às condições impostas pelo Código de Trabalho, nomeadamente, dos referidos artigos 382.º e seguintes.

    C - Se estamos perante um contrato de trabalho, não poderia o contrato ser revogado, ou denunciado pela Ré, sem o pagamento da competente indemnização de antiguidade, seja por aplicação directa do 429.º do Código de Trabalho, seja porque se entenda que a rescisão foi por extinção do posto de trabalho, como parece timidamente entender a própria Ré.

    D - O Autor tem direito à indemnização por antiguidade que deverá ser fixada nos termos do art.º 439.º do Código de Trabalho, pela qual optou o Autor em audiência de julgamento e, ainda à compensação a que se refere o art.º 437.º do Código de Trabalho, até à data do trânsito em julgado da decisão.

    Da Revista da Ré:

    1. Andou mal o Tribunal "a quo" ao declarar a existência de um contrato de trabalho entre as partes.

    2. Com efeito, as partes subscreveram, em 26.02.1986, um contrato de prestação de serviços, tendo assim manifestado ser sua vontade real o estabelecimento, entre si, de uma relação de prestação de serviços, e não de uma relação laboral.

    3. Acresce que, durante toda a execução do mencionado contrato, sempre as partes pautaram a sua actuação pelo estrito cumprimento de quanto [foi] acordado nesse contrato de prestação de serviços, não pretendendo o estabelecimento de quaisquer vínculos ou obrigações além dos que expressamente estão previstos nesse documento.

    4. Deverá entender-se que o facto de o recorrido prestar a sua actividade em conformidade com os manuais da recorrente sucede por a actividade de assistência técnica em causa necessitar de bastante especialização e precisão, pelo que o recorrente sempre teria de conformar-se a prestá-la de acordo com os manuais da recorrente, por forma a respeitar as características técnicas dos equipamentos em causa e efectuar uma reparação adequada e que oferecesse as necessárias garantias.

    5. O mesmo se diga quanto às peças e ferramentas utilizadas pelo recorrido nas reparações efectuadas e que eram fornecidas pela recorrente, uma vez que, dadas as garantias prestadas pela recorrente às peças e equipamentos da marca "Empresa-A", não poderá deixar de se compreender que qualquer técnico que preste assistência técnica em nome e por conta da recorrente se conforme com a utilização de peças e de ferramentas da respectiva marca, pois só assim a recorrente poderá, com segurança, prestar as garantias associadas.

    6. Já no que ao horário estabelecido diz respeito, cumpre apenas salientar que o mesmo sempre foi entendido entre as partes como o período temporal durante o qual o recorrido deveria prestar assistência técnica aos equipamentos junto dos clientes da recorrente, e não com o significado de "horário de trabalho" decorrente da legislação laboral.

    7. Também os factos de a recorrente determinar diariamente quais os locais onde o recorrido deveria prestar o seu trabalho e de o recorrido ter estado dependente do departamento de assistência técnica da R., pois era este departamento que atribuía ao recorrido os serviços que pretendia que fossem por ele prestados, não servem para, no caso concreto, indiciar a existência de subordinação jurídica e, portanto, de um contrato de trabalho entre as partes.

    8. Com efeito, na prestação de serviços também pode haver orientações do beneficiário da actividade, tal como num contrato de trabalho, sendo certo que a diferença entre as duas situações reside no facto de as orientações dadas ao abrigo de um contrato de prestação de serviços apenas visarem o resultado que se pretende obter, não se dirigindo à forma como a actividade deveria ser prestada.

    9. As instruções dadas pela recorrente ao recorrido apenas visavam atingir um resultado - ser assegurada aos Clientes da recorrente a prestação de assistência técnica adequada aos equipamentos em causa pelo técnico da correspondente área geográfica.

    10. O facto de o recorrido ter de elaborar e enviar relatórios diários da sua actividade e resumos mensais desses mesmos relatórios e contas para o departamento técnico da recorrente, também não servirá de indício para considerar a existência de um contrato de trabalho, pois os mesmo serviam apenas para habilitar a recorrente com os dados necessários para apresentar os custos do serviço prestado ao cliente final, e não para exercer um poder de fiscalização sobre o recorrido.

    11. O facto de não ter sido dado como provado que ao recorrido era vedado delegar noutras pessoas os serviços por si prestados, deverá ser tido em conta como um indício de que o que as partes pretenderam e sempre executaram foi um contrato de prestação de serviços.

    12. Com efeito, sendo o contrato de trabalho, por natureza, "intuito personae", não seria permitida a possibilidade de ser outra pessoa para além do recorrido a prestar a actividade que este estaria obrigado a prestar, conforme o poderia permitir um contrato de prestação de serviços.

    13. Já o facto de o vencimento do recorrido depender do número de clientes da recorrente a que dava assistência, também é absolutamente revelador de que o contrato querido e praticado pelas partes sempre foi o contrato de prestação de serviços, pois tal facto permite concluir que o pagamento do recorrido não era a contraprestação da sua actividade, mas sim o pagamento do resultado desta actividade.

    14. Tal também se depreende facilmente do facto de, durante toda a execução do contrato, o recorrido nunca ter reclamado da recorrente o pagamento de qualquer prestação devida caso o contrato fosse qualificado como sendo de trabalho, designadamente...

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