Acórdão nº 07P2582 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2007

Magistrado ResponsávelPIRES DA GRAÇA
Data da Resolução12 de Setembro de 2007
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça---Nos autos de processo comum (tribunal colectivo) com o nº 2163/97.1JACaP, da comarca de Santa Comba Dão, o arguido AA, com os demais sinais dos autos interpôs recurso da decisão proferida nos autos, a fls. 1159, que o condenou na pena de 9 (nove anos de prisão pela prática em autoria matéria de um crime de homicídio simples p. p. nas disposições combinadas dos artºs 5º nº 1 c), I, II, 6º e 131º do Código Penal, --- A Relação de Coimbra negou provimento ao recurso--- Inconformado, recorreu do acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o Supremo, por seu Acórdão de 10 de Janeiro de 2007, anulado o acórdão recorrido.

--- A Relação de Coimbra veio então a proferir novo acórdão - fls 1755-1778-, ora recorrido.

--- De novo inconformado, recorre o arguido, apresentando as seguintes conclusões na motivação de recurso: 1- O douto Acórdão recorrido enferma da nulidade por omissão de pronúncia prevista na alínea c) do art. 379º do C.P.P.

ex vi art. 425º nº 4 do mesmo diploma, porque, tendo sido interposto recurso da matéria de facto e de direito, dando-se integral cumprimento ao disposto no art. 412º nº 2, 3 e 4 do C.P.P. no texto da sua motivação, sumariando-se tal conteúdo nas conclusões: 1.1. Não apreciou, dando resposta positiva ou negativa, em juízo autónomo, sobre a adequação, a força e compatibilidade probatórias entre os factos impugnados nas questões sumariadas nas conclusões nº 17 a 20, 23, 35 a 31 (inclusive) do recurso para ele apresentado, 1.2. Não enunciou as provas que serviram de base à sua convicção, nem especificou, em juízo autónomo, da força e compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de base à convicção, cuja análise, nas específicas partes em que se deixou exposto nessa motivação, servia de suporte ao alegado pelo recorrente.

1.3. Limitando-se a conferir da validade formal ou da lógica interna da decisão sob recurso, assim violando o art. 428º do C.P.P.

Sem prescindir, 2- Mesmo que se admita que o recorrente, não deu cabal cumprimento ao disposto no art. 410º nº 3 e 4 do C.P.P, na interpretação de que lhe seria exigível verter nas suas conclusões extraídas as especificações expostas nas alíneas a), b) e c) no nº 3 e do nº 4 do art. 412º do C.P.P., sempre se imporia ao Tribunal a quo a notificação do recorrente para corrigir as suas conclusões, pois, 3- Considerando que o recurso apresentado, na sua motivação, contém, de forma exaustiva, com recurso a efectiva transcrição no seu texto, dos específicos segmentos dos meios probatórios que impunham a prolação de diferente decisão, com a efectiva indicação dos mesmos por referência aos respectivos suportes depois transcritos, 4- Sempre será inconstitucional, por violação do direito ao processo equitativo e do direito ao recurso, constitucionalmente consagrados no art. 32º nº 1 da CRP, a interpretação das normas constantes dos art. 412º nº 3 e 4 no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções expressadas em tais normas, tem como efeito a sua rejeição liminar (ou o seu não conhecimento) sem que lhe seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência; 5- O douto Acórdão enferma ainda de nulidade por omissão de pronúncia - art. 379º alínea c) ex vi art. 425º nº 4 do C.P.P.- porquanto, relativamente à conclusão enunciada pelo recorrente com o nº 9 renova o non liquet da 1ª Instância, não cuidando sequer de se pronunciar sobre a verificação do elemento de "conformação com o resultado morte" cuja prova é essencial para a punição do recorrente a titulo de homicídio simples com dolo eventual; pois, 5.1. O douto Acórdão recorrido não verificou, com o cuidado exigível, os dois elementos - intelectual e volitivo do dolo eventual com que puniu o recorrente; 5.2. Efectivamente, relativamente a tal matéria no douto Acórdão recorrido o Tribunal limita-se a enunciar que, seria incongruente e inverosímil, segundo as regras da experiência comum considerar que, quem acelera rapidamente um veículo dirigindo a trajectória do mesmo de molde em embater em outrem não admite a morte dessa pessoa, sem, no entanto, responder, como devia, à questão da conformação com esse resultado.

6- O douto Acórdão é ainda absolutamente omisso relativamente à invocada violação do princípio da livre apreciação da prova (art. 127º do CPP) ao não dar resposta às questões suscitadas pelo recorrente sumariadas nas conclusões 10 a 12 do recurso, nomeadamente, 6.1. Qual o critério objectivo utilizado para valorar, como valorou, de forma especial, o depoimento da testemunha BB como "claro e imparcial", quando os factos julgados provados contrariam, em parte substancial tal depoimento? e, 6.2. Qual o critério objectivo utilizado para, relativamente ao depoimento prestado por essa testemunha não valorar o que nele favorecia o recorrente? 7 - O douto Acórdão recorrido não conheceu também, em concreto, as questões colocadas atinentes à aplicação da atenuação especial que, por verificadas, se lhe impunham decidir sumariadas nas conclusões 21 e 22, padecendo, igualmente nesta matéria de nulidade por verificação do disposto no art. 379º alínea c) aplicável pelo art. 425º nº 4 ambas do C.P.P.

SEM PRESCINDIR, DA REVISTA: 8 -Foi valorada prova proibida na decisão de manutenção da valoração do relato de declarações da mulher do recorrente, que em Audiência de Julgamento, validamente, se recusou a depor; 8.1. Tal decisão ocorreu em evidente detrimento da protecção devida à reserva da vida familiar - consagrada legalmente, nas disposições dos art. 134º nº 1 e 2 do C.P.P. e constitucionalmente no art. 32º/8 da CRP - que não é afastada pela previsão genérica do art. 129º do C.P.P., que definindo as situações em que é valorável o testemunho "por ouvir dizer" não inclui, literalmente, na sua previsão, os casos em que exista recusa válida de depor pela pessoa a quem são imputadas as declarações ouvidas dizer.

8.2. Sendo inconstitucional, por violação daquela norma constitucional e ainda por violação do art. 134º nº 1 do C.P.P., pois esvaziaria tais normas de conteúdo, a interpretação do art. 129º/ 1 do C.P.P., no sentido de que este permite que sejam valorados os testemunhos de ouvir dizer quando a pessoa de quem a testemunha refere ter ouvido seja um familiar a quem a lei confere a faculdade de recusar depor, e que, validamente, exerce tal recusa.

9. O acesso de uma testemunha à leitura das declarações por si prestadas em sede de Inquérito, por si não solicitado, "para dar uma revisão", na data da Audiência de Julgamento, em momento imediatamente anterior à prestação do seu depoimento nessa Audiência - em violação das normas dos art. 138º nº 4 do C.P.P. e 356º nº 2 alínea b) e nº 5 do C.P.P. - constitui um método de prova proibido (art. 126ºnº 2. alínea b) do C.P.P.) por perturbar a capacidade de memória e de avaliação dessa testemunha; 9.1. O acesso a essas declarações só pode ocorrer em Audiência de Julgamento, sujeito a contraditório, por decisão fundamentada do Juiz do Processo - art. 356º nº 7 do C.P.P. - a requerimento da testemunha ou de qualquer sujeito processual; 9.2. O depoimento prestado em Audiência de Julgamento por testemunha que contacta com as declarações por si prestadas em sede de inquérito, nas condições descritas em 10., é nulo, nos termos do disposto no art. 126º nº 1 do C.P.P., porque obtido após condicionamento, insustentável, da espontaneidade e necessária liberdade que devem presidir à produção de tal meio de prova.

9.3. É inconstitucional, por violação do disposto no art. 32º nº 1 da CRP, que institui um direito, com dignidade constitucional, ao processo penal equitativo, a interpretação do art. 126º nº 2 alínea b) do C.P.P. no sentido de não cominar com a nulidade prevista no nº 1 do art. 126º desse mesmo diploma, o depoimento prestado em Audiência de Julgamento por testemunha que, nesse mesmo dia, em momento prévio, acede ao teor das declarações por si prestadas em inquérito, por se entender que tal procedimento não é perturbador da sua capacidade de memória e de avaliação.

10- A decisão do Tribunal a quo de não julgar provado o facto de o recorrente, em 25 de Agosto de 1998, se ter apresentado, voluntariamente, às autoridades portuguesas, que se trata de uma decisão judicial transitada - tal facto resulta cristalino da mera leitura do Auto de Interrogatório Judicial de arguido a fls. 20 a 25 dos autos - viola as normas dos art. 169º do C.P.P. conjugada com a norma do nº 2 do art. 363º do C. Civil, incorrendo em vício de erro notório na apreciação da prova previsto no art. 410º nº 2 do C.P.P.; 10.1. Impõe-se, desta forma, a sanação de tal vício, julgando-se tal matéria como provada, com as consequências legais.

11- O douto Acórdão recorrido incorre em violação do Princípio in dubio pro reo (art. 32º nº 2 da CRP) ao decidir contra o recorrente (arguido), imputando-lhe a prática de um homicídio simples com dolo eventual quando decide que, não obstante a vítima se possa ter deslocado, a colheu na trajectória que traçou para o seu veículo; 11.1. - Na dúvida insanável e confessada em que o Tribunal permaneceu relativamente ao local do atropelamento, tendo-se a vítima deslocado, é manifesto que pode ter sido colhida já não dentro da trajectória traçada pelo recorrente, mas noutro ponto no qual confluíram, 11.2. - Tal dúvida tem de ser resolvida a favor do arguido, aqui recorrente, o que afasta a sua punição como autor de um crime de homicídio simples com dolo eventual.

SEM PRESCINDIR: 12- O douto Acórdão recorrido, ao aplicar a pena de 9 anos de prisão, viola o princípio da culpa como limite máximo da pena - art. 40º nº 2 do Código Penal; 13- Pois, tal decisão punitiva, não valora, como devia, que os factos foram praticados com dolo eventual - a mais benigna forma de imputação dolosa em termos de censurabilidade - e que o recorrente agiu em estado de emoção - pois o que o levou a agir foi o envolvimento emocional da vítima com a sua...

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