Acórdão nº 847/17 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução13 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 847/2017

Processo n.º 1010/2017

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. O Ministério Público instaurou, em 13/04/2015, processo destinado a confirmar um procedimento de urgência, nos termos do artigo 91.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP – Lei n.º 147/99, de 1 de setembro), a favor de A., filho de B. (a ora Recorrente), tendo em vista a confirmação da medida de acolhimento institucional e a prolação de decisão provisória em conformidade. Confirmado o procedimento de urgência e aplicada a medida provisória de acolhimento institucional, foi declarada aberta a fase de instrução, prosseguindo o processo os seus termos – no (hoje designado) Juízo de Família e Menores de Braga, com o n.º 1980/15.7T8BRG – até à prolação de sentença, na qual foi decidido: (i) decretar, em favor de A., a medida de confiança a instituição, com vista a futura adoção; e (ii) declarar a inibição do exercício do poder paternal por parte de B., relativamente ao referido A..

1.1. Inconformada com tal decisão, a progenitora dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães. Das conclusões desse recurso (na sequência de convite à sua síntese) consta, designadamente, o seguinte (cf. fls. 67 e ss.):

“[…]

30.ª – À Recorrente não foi dada a oportunidade de ser pessoalmente ouvida, por razões completamente infundadas e com violação grave do princípio e do direito ao contraditório, com o consequente prejuízo para o mérito e decisão da causa.

31.ª – Efetivamente, em 23.03.2016, a Casa de Saúde oficiou ao Tribunal a dizer que ‘...informo V.ª Ex.ª que esta Casa de Saúde não dispõe de meios para fazer comparecer em condições de segurança a Sr.ª B. nas instalações desse Tribunal’.

32.ª – Porém, a Casa de Saúde bem sabia que a podia transportar com todas as condições de segurança, como fez no âmbito do processo de internamento compulsivo, de cujas fls. 96 e 138 consta que ‘informamos que a utente B. foi enviada ao Hospital de Braga no dia 23.07.2015 às 11:50 e regressou em 23.07.2015 às 17:30, após observação externa’ e ‘informamos que a utente B. foi enviada para fazer um exame ao Centro de Tomografia de Braga no dia 18-03-2016 às 10:40 e regressou no mesmo dia às 11:40’.

33.ª – A simples informação da falta de ‘condições de segurança’, além de se saber agora não ser verdadeira, não devia levar o Tribunal a esquecer o estatuído no artigo 116.º, n.º 2, da [LPCJP], que prescreve que serão ordenadas ‘as diligências necessárias para que compareçam os não presentes’.

34.ª – Nestas duas circunstâncias, procedendo a Casa de Saúde daquele modo, só agora conhecido, e omitindo o Tribunal um ato que a lei prescreve, houve necessária influência no exame e decisão da causa, ocorre a nulidade prevista no art. 195.º, n.º 1, do CPC, com as consequências previstas no n.º 2, anulando-se o ato e também todos os termos subsequentes que dele dependem absolutamente.

35.ª – A lei não permite decisões, sejam quais forem, com base em opiniões de meros intervenientes acidentais, mesmo médicos, pelo que, nos presentes autos, não pode aceitar-se e valorizar-se a opinião do médico que acompanha a recorrente, no sentido de que a recorrente ‘não tem capacidade emocional e intelectual para se reger a si própria e muito menos para cuidar do filho’.

36.ª – Tal opinião nunca foi dada a conhecer à recorrente, nem foi trazida à audiência (citado artigo 117.º da [LPCJP]), sendo a sua inclusão e valoração um ato de denegação de defesa e de contraditório, a integrar uma situação de inconstitucionalidade .

37.ª – De facto, por violação dos direitos de defesa, do contraditório e a um processo justo e equitativo (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), é inconstitucional a interpretação conjugada das normas dos artigos 117.º da [LPCJP] e 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, no sentido de se relevar para a fundamentação e para a decisão final a opinião escrita de um interveniente acidental .

38.ª – Reconhecendo que aquilo de que a recorrente padece é de uma debilidade mental ligeira, o Tribunal vem invocar, por várias vezes, por apelo a um processo diferente, que «a progenitora é portadora de anomalia psíquica grave que cria, por força dela, uma situação de perigo para bens jurídicos de relevante valor, próprios e alheios, de natureza pessoal ou patrimonial e recusa submeter-se ao necessário tratamento médico – cfr. artigo 12.º da Lei de Saúde Mental».

39.ª – Com tal procedimento, com notório relevo decisório, o Tribunal invade outra instância e matérias específicas de especialistas, apenas para reafirmar perigo para a vida e integridade física do filho, por não haver nestes autos, como não há, qualquer dos factos invocados com aquelas características de perigo.

40.ª – Deste procedimento, sobretudo pelas repercussões concretas para a decisão final, extrai-se que, por violação do direito a um processo justo e equitativo e do princípio da confiança (arts. 2.º e 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), é inconstitucional a interpretação conjugada dos artigos 1978.º, n.º 1, al. d), do Código Civil e 3.º, n.ºs 1, 2 e 4, al. e), da [LPCJP], no sentido de que, para avaliação dos pressupostos de facto e de direito da confiança com vista a futura adoção e para avaliação de determinação de perigo para a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou jovem, se pode, numa situação diagnosticada e provada de patologia de debilidade mental ligeira, fazer uso do conceito de anomalia psíquica grave constante do artigo 12.º da Lei n.º 36/98, de 24 de julho .

41.ª – Ofendeu, pois, o Tribunal, o principio da primazia das medidas de proteção e promoção, ao aplicar a confiança judicial com vista a futura adoção em detrimento da medida de confiança a pessoa idônea, nos termos da al. c) do artigo 35.º da LPCJP.

42.ª – Ao aplicar a medida em causa, mesmo, o que não se concede, com os factos provados, o Tribunal violou ainda os princípios da adequação e proporcionalidade da medida da decisão, porquanto o fim visado pela concreta medida decretada pode ser obtido por outro meio menos oneroso e mais consentâneo com os factos e com os direitos do menor e da mãe.

43.ª – E em conformidade, por violação dos citados princípios da adequação e da proporcionalidade, é inconstitucional a interpretação conjugada dos artigos 1978.º, n.º 1, al. d), do Código Civil e artigos 4.º, als. a), e) e h), e 35.º, n.º 1, als. c) e g), da [LPCJP], no sentido de que, sendo o próprio tribunal a afirmar que a progenitora evidencia e expressa um forte amor pelo filho, não se atender, para a aplicação da medida, a existência de pessoa idónea, que tem laços afetivos com a criança, como mais adequada e proporcional aos parâmetros da Constituição, da lei e aos respetivos princípios orientadores .

44.ª – É inconstitucional, por violação do princípio da proteção da família (artigos 67.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, da CRP) e do direito a processo justo e equitativo (artigos 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), a interpretação conjugada dos artigos 1978.º, n.º 1, al. d), do Código Civil e 3.º, n.ºs 1, 2 e 4, al. c), da [LPCJP], no sentido de, apesar de afirmar que a progenitora evidencia e expressa um forte amor pelo filho, sendo-lhe este retirado aos sete meses, o visitou na instituição de acolhimento 10 vezes, e quando há prova de que a última visita do menor à mãe, internada, foi mutuamente afetiva, se negarem mais visitas do menor à mãe, com o pretexto de que a última visita não decorreu como desejado e se vem a invocar, como elemento decisivo da medida de confiança para adoção, que há ausência de vinculação afetiva relevante que concluímos [se] verifica com a mãe, não vista nem sentida como pessoa de relevo no mundo dos afetos do filho .

45.ª – O Tribunal violou, portanto, o disposto nos n.ºs 1, al. d), 2 e 3 do artigo 1978.º do Código Civil, os artigos 1.º, 4.º, als. a), e), f), g) e h), e 35.º da LPCJP e os artigos 36.º, 67.º, 68.º e 69.º da Constituição da República Portuguesa.

[…]” (os sublinhados foram acrescentados).

1.1.1. No Tribunal da Relação de Guimarães, foi proferido acórdão, datado de 29/09/2016, pelo qual se decidiu julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida (cfr. fls. 66 e ss.).

1.1.2. A Recorrente apresentou, então, requerimento no qual arguiu “nulidades e inconstitucionalidades” do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29/09/2016, alegando, designadamente, o seguinte (cfr. fls. 90 e ss., particularmente fls. 166/171):

“[…]

155) Como é elementar, estamos perante uma grave e múltipla omissão de pronúncia, a integrar a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, e violação de normas e princípios sobre direitos fundamentais consagrados na Constituição, o que expressamente se invoca e invocará.

156) Igualmente, a recorrente arguiu no recurso as seguintes inconstitucionalidades:

(…)

[retoma o já transcrito em 1.1. supra]

(…)

157) Como já se viu, também sobre estas arguições o Tribunal limitou-se a dizer que «com exceção das supra aludidas alterações da matéria de facto dada como provada em 4 – I), improcedem, assim, todas as demais conclusões da apelante, havendo de se confirmar a decisão recorrida, que fez correta interpretação das normas aplicáveis e supra referidas, inexistindo qualquer nulidade ou inconstitucionalidade na sua interpretação».

158) Também neste aspeto, estamos perante uma grave e múltipla omissão de pronúncia, a integrar a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, e violação de normas e princípios sobre direitos fundamentais consagrados na Constituição, o que expressamente se invoca.

159) E do próprio acórdão,...

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