Acórdão nº 04B3924 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Janeiro de 2005

Magistrado ResponsávelMOITINHO DE ALMEIDA
Data da Resolução13 de Janeiro de 2005
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça : 1.AA, intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra BB, CC, DD e P..., Comunicação Social, SA, pedindo a condenação dos Réus a, solidariamente, lhe pagarem a indemnização de Esc.6.000.000$00, quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal de 7% ao ano, desde a citação e até efectivo pagamento.

Alegou para o efeito e em substância que os primeiros três Réus são autores de vários artigos publicados no jornal do quarto Réu atentatórios do seu crédito, bom nome, dignidade e reputação profissional. Em consequência, sofreu graves danos não patrimoniais cujo ressarcimento agora pretende.

A acção foi julgada parcialmente procedente e os Réus condenados a pagar, solidariamente, ao Autor a quantia de Esc.4.000.000$00, acrescida de juros legais desde a citação.

Por acórdão de 29 de Abril de 2004, a Relação de Évora julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelos Réus.

Inconformados, recorreram para este Tribunal, concluindo as alegações da sua revista nos seguintes termos: 1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que confirmou a sentença da 1ª instância que condenara os recorrentes a pagarem ao A., ora recorrido, uma indemnização a título de danos morais no valor de 4.000.000$00 (€ 19 951,92).

  1. Tal condenação é profundamente injusta, representa um evidente "prémio" ao infractor, dando os recorrentes, em primeiro lugar, por reproduzidas as suas alegações para o Tribunal "a quo" já que as mesmas foram totalmente ignoradas na decisão sob recurso.

  2. Deverá ser revogada a parte do Acórdão que considerou desnecessário alterar a alínea r) dos Factos Provados, no sentido de nela constar a integralidade do documento "Despacho de Arquivamento" com a mesma fundamentação de direito e de facto anteriormente alegadas e por violação do n°3 do art.°659.° do C.P.C.

  3. O acórdão em apreço revela uma compreensão muito pobre, rígida e desactualizada das relações entre o "direito à honra" e o "direito de informar" num Estado de direito democrático como é o nosso, estando subjacente à mesma uma prevalência do direito à honra, como limite do direito à informação, manifestamente inconstitucional.

  4. A publicação das notícias em causa, nelas se incluindo as expressões transcritas no acórdão sob recurso, foi feita ao abrigo do exercício do direito de informar e da liberdade de imprensa, encontrando-se justificadas as "lesões" sofridas pelo A. recorrido.

  5. É incontestável o interesse p... das notícias em causa que transmitem informações sobre a vida pública, social e política, do A., enquanto eleito e figura política, sendo certo que sobre tais figuras públicas, impende um particular dever de probidade e rectidão na sua actuação.

  6. As notícias em causa foram o resultado de um trabalho diligente de investigação como resulta das alíneas o) e p) da sentença, das notícias em causa, da decisão de 1ª instância e da Secção Criminal da Relação de Évora, do "Despacho de Arquivamento" e de toda a documentação junta aos autos, tendo sido ouvidas diversas pessoas, identificadas nos artigos e, nomeadamente, o A. ora recorrido.

  7. A informação transmitida nas notícias em causa era, no seu essencial e na medida do possível tendo em conta as circunstâncias em que foi elaborada, verdadeira, rigorosa e exacta, como resulta de toda a prova existente nos autos, encontrando-se abrangida pelo exercício do direito de informar no âmbito da liberdade de imprensa - art.°s 37° e 38° da C.R.P.

  8. Não se encontra preenchido o pressuposto "ilicitude" da responsabilidade civil pelo que sempre os recorrentes deveriam ter sido absolvidos; 10. A interpretação do art.°484° do C.C. sob recurso, ao exigir, para se poder falar no exercício do direito de informar por parte dos jornalistas e afastar a responsabilização nele prevista, "ser a informação objectiva, rigorosa e verdadeira" e , ainda, "contida na forma" para não lesar o bom nome de uma figura pública, "para além do necessário ao relato dos factos", na medida em que não tem em conta as condições concretas da elaboração da notícia, nomeadamente o cumprimento do dever de diligência dos jornalistas, como forma de aferir o cumprimento do requisito de veracidade, rigor e objectividade e despreza a sua liberdade editorial e de criação, é inconstitucional por violação dos art.° 37°. n°1 e 38°. n°1 da C.R.P.

  9. O artigo elaborado pelo recorrente DD nunca pode ser visto à luz de critérios de "verdade, objectividade e rigor" já que é um artigo de opinião, absolutamente lícito enquanto tal, já que se limita a interrogar, a lamentar e a criticar, sem pôr em causa a presunção de inocência do A., ora recorrido, que é expressamente salvaguardada.

  10. As expressões constantes nos artigos em causa e transcritas na decisão sob recurso encontram-se fundamentadas na prova existente nos autos, cabendo a sua divulgação no exercício das constitucionais liberdade de expressão e de informação.

  11. A condenação dos recorrentes não é necessária numa sociedade democrática para a protecção da honra do A. recorrido, antes constituindo uma injustificada restrição da liberdade de expressão e de informação.

  12. O Acórdão sob recurso ao condenar os recorrentes, fez uma errada aplicação da lei aos factos, violando o disposto no art.°483°, 484°. E 487°. do C.C. e nos art.°s 37°.n°1 e 38.° n°1 da C.R.P. bem como no art.°10° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

  13. Deverá ser revogada a decisão sob recurso e substituída por outra que absolva os recorrentes do pedido, só assim se fazendo Justiça.

  14. Deu o acórdão recorrido como provada a seguinte matéria de facto: 1. O Autor ocupou o cargo de Presidente da Câmara Municipal de Almodôvar.

  15. Na primeira página da edição publicada pelo P... Comunicação Social S.A., em 8 de Outubro de 1997, sob o título "As gasolinas e a riqueza do governador AA", o Réu BB escreveu: "O governador civil de Beja, AA, possui hoje vasto património sem que se lhe conheçam negócios além dos combustíveis e sem que tenha recebido herança de peso. A sua ascensão no negócio da gasolina tem episódios pouco edificantes (...)".

  16. Em artigo publicado na página 46 da secção "Local" da edição acabada de referir (cuja cópia do artigo consta de fls.22 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido), os Réus BB e CC dias escreveram que o Autor nos negócios dos combustíveis "subiu por meios invulgares", "angariou uma razoável fortuna", "alicerçada numa situação de monopólio concelhio, criada e mantida à custa de influência e métodos pouco ortodoxos" e que "embora fique por explicar o enorme fosso existente entre os rendimentos e os bens declarados, a progressão de AA está recheada de episódios da forma como se tem proporcionado o seu enriquecimento".

  17. Em artigo publicado nas páginas 2 e 3 (cuja cópia do artigo consta de fls.23 a 25 dos autos e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido) da edição publicada pelo Réu P... Comunicação Social, S.A., em 10 de Outubro de 1997, o Réu BB escreveu o seguinte: " A Polícia Judiciária está a investigar as ligações do ex-presidente da Câmara de Almodôvar e actual governador civil de Beja, AA, a um empreendimento fantasma projectado para Almodôvar, que nunca chegou a ser concretizado (...). um cheque de 22 mil contos indevidamente recebido pela autarquia e um outro cujo montante e destino estão envolvidos em contradições constituem algumas das pistas da polícia. Em causa está o facto de a Câmara ter prescindido de terrenos que constituem cedências obrigatórias dos promotores, bem como o papel que AA tem desempenhado em todo este processo (...).

    "A Câmara de Almodôvar, e em particular o seu ex-presidente, o todo poderoso governador civil de Beja, AA, está envolvida desde há meia dúzia de anos num grande negócio onde não faltam ilegalidades e muitos enigmas (...).

    "Mas acresce que o cheque de 22 mil contos não veio sozinho. A acompanhá-lo, nos termos de um fax arquivado da Câmara, veio um outro cheque e uma carta, ambos com finalidades desconhecidas e que estão desaparecidos do dossier".

  18. Em artigo constante da página 4 da edição publicada pelo Réu P... comunicação Social, S.A., em 10 de Outubro de 1997 (cuja cópia do artigo consta a fls.26 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido), sob o título "Ambiente de Intimação", os Réus BB e DD afirmaram que "AA continua a puxar os cordelinhos da administração pública".

  19. Em artigo intitulado "Podre Alentejo", constante da edição publicada pelo Réu P... Comunicação Social, S.A., em 11 de Outubro de 1997 (cuja cópia consta de fls.27 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) o Réu DD escreveu: "As notícias sobre os investimentos que o actual governador civil de Beja, AA, prometeu levar para o seu concelho, no interior do Baixo Alentejo, e os negócios em que aparece ora como autarca ora como empresário são exemplares de uma trágica forma de fazer política em Portugal (...).

    "(...) não podemos passar por cima daquilo que consideramos uma aviltante forma de fazer política em Portugal (...).

    " (...) Em Almodôvar, pelos vistos, foram o próprio AA e o PS a pedir o voto com uma mão e a mostrar com a outra um investimento estrangeiro que quase resolveria os problemas de emprego no concelho (...). Faz lembrar a história do bandido." " (...) Aqui como em qualquer outro caso deste tipo, os factos têm que ser apurados até ao fim. Tanto os que podem ser susceptíveis de ter validade penal como os que, sendo políticos, podem ter criado um clima de privilégio, de apossamento da máquina do Estado em função de critérios que se diluíram na satisfaçãozinha serôdia do amiguismo partidário, ou de qualquer outro tipo. Ou, pior ainda, se criaram um clima de medo e de dependência só comparável com o que se vive na Madeira de Alberto João Jardim. Se assim é então pobre Alentejo que nem os teus filhos te salvam".

  20. Na edição de 30 de Outubro de 1997 (cujos artigos aqui se dão por integralmente reproduzidos) do Réu P...

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