Acórdão nº 26/21.0BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 02 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelDORA LUCAS NETO - Relatora por vencimento
Data da Resolução02 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório O F..., SAD interpôs recurso para o Tribunal Arbitral do Desporto, da decisão de 27.10.2020, do Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que, no âmbito do processo de recurso hierárquico impróprio n.º 97- 19/20, o condenou, pela prática de uma infração disciplinar, p. e p. pelo art. 112.°, n.°s 1,3 e 4 do Regulamento Disciplinar, aplicando uma sanção de multa no valor de € 20.910,00.

A entidade recorrida no referido recurso era a Federação Portuguesa de Futebol.

O Tribunal Arbitral do Desporto, por acórdão de 01.03.2021, decidiu, por maioria, julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

O F..., SAD (F...), veio interpor recurso desta decisão, tendo concluído como se segue: «(…) A. O presente recurso tem por objecto o acórdão de 01-03- 2021 do TAD, que confirmou a condenação da Recorrente F... - Futebol, SAD pela prática de uma infracção disciplinar, p. e p. pelo art. 112.°-1,3 e 4 do RD, aplicando-lhe uma pena de multa no valor de € 20.910,00.

  1. A conduta pela qual a Recorrente vem condenada reporta- se a afirmações criticas vertidas na sua imprensa privada no que concerne à forma de actuação profissional do VAR B... no jogo que opôs o P... ao S..., a 10- 06-2020.

    -II- C. Apesar de as afirmações propaladas pela Recorrente consubstanciarem duras críticas à arbitragem, elas mostram-se justificadas, quedando-se, em termos de apreciação crítica, pelo limite do razoável à luz de um padrão deontológica e juridicamente aceitável. Pelo que, a sua actuação não extrapola, em momento algum, o âmbito do legitimo exercício do direito à liberdade de expressão, consagrado como direito fundamental (art. 37.°-1 da CRP).

  2. E, pese embora tal direito não seja absoluto e ilimitado, sempre se concederá que não se pode pretender que a liberdade de expressão apenas tutele manifestações de juízos de valor inócuos, sob pena de se preterir uma verdadeira efectivação desse direito. Principalmente no âmbito desportivo em que o discurso assume um carácter passional e emotivo, pleno de crítica e descontentamento, com recurso a expressões fortes e contundentes, não se coadunando com “punhos de renda".

  3. Para além do mais, não pode descurar-se nem o contexto em que tais afirmações foram proferidas, nem os factos que sustentam a fundada convicção da Recorrente. De facto, considerou a Recorrente que os erros graves cometidos pela arbitragem durante o jogo em apreço - em benefício do S... e, consequentemente, em detrimento dos demais clubes em competição por se revelarem atentatórios da verdade e justiça desportiva deveriam ser denunciados.

  4. Para a formação da sua convicção concorreram diversas realidades, como a visualização das imagens do jogo, as opiniões de diversos intervenientes no jogo e as inúmeras notícias divulgadas na comunicação social.

  5. Trata-se, pois, de realidades objectivas e externas que contribuíram para o reforço da opinião formada pela Recorrente quer sobre a existência de falhas grosseiras de arbitragem, quer sobre a prestação profissional, em geral, insatisfatória do VAR B... - que, como foi publicamente apontado e reconhecido quanto ao penalti contra a S... que ficou por assinalar, ficou muito aquém do esperado para um profissional daquela categoria.

  6. Todo este circunstancialismo conduziu a Recorrente a concluir pela parcialidade da arbitragem a favor de um clube rival, denunciando aquilo que considerava ser um conjunto de erros inexplicáveis que, na sua opinião, causava graves danos na competição, verdade e justiça desportiva, em especial na fase decisiva em que o campeonato se encontrava.

    I. Principalmente numa modalidade desportiva que vem sendo marcada pelas revelações de suspeitas de corrupção na arbitragem, tendo sido incontáveis as denúncias públicas, bem como as inúmeras investigações jornalísticas e, sobretudo, judiciárias levadas a cabo acerca de suspeitas de favorecimento e falseamento de resultados a favor e por parte, precisamente, do S.... Sendo por isso evidente o ambiente de forte contestação e animosidade que envolveu as ditas afirmações.

  7. Perante este cenário de suspeita séria da prática reiterada de actos ilícitos que dominou (e domina ainda) o campeonato de futebol português, é perfeitamente justificável (e legítimo) que, em jogos em que é participante a S..., e face à constatação de erros injustificáveis, se possa por em causa a competência, imparcialidade e, até mesmo, idoneidade que quem toma tais decisões! K. Sobretudo quando se trata de alguém que se vê envolvido - como é o caso do árbitro B... - em investigações criminais por suspeitas de actos de corrupção desportiva e tráfico de influências envolvendo a S... - Futebnol, SAD e agentes desportivos, como delegados da Liga e árbitros.

    L. Cumprindo portanto não olvidar que as “ligações clubisticas” que a Recorrente imputa ao árbitro B... não são obra nem invenção da Demandante, antes resultando do próprio conteúdo do correio electrónico proveniente do domínio @S....pt pública e amplamente divulgado! Pelo que, é evidente a existência de base factual minima que permite, também quanto às afirmações consideradas pelo Tribunal a quo como pedra de toque deste processo, sustentar as considerações tecidas pela Recorrente.

  8. Acontece que, criticar implica censurar negativamente, e esta censura só deixará de ser legítima quando exprima uma antijuricidade objectiva, violando direitos que são personalíssimos. O que não sucede m casu.

  9. Por ser assim, e seguindo de perto o entendimento jurisprudencial e doutrinal dominante, tais juízos cairão fora da tipicidade das normas sancionatórias que tutelam a protecção do direito à honra e ao bom nome sempre que a liberdade de expressão não ultrapasse o âmbito da crítica objectiva.

  10. Pese embora a dureza das críticas - considerando que estas reflectem tão-só a avaliação da Recorrente face à actuação profissional do VAR B... - são as mesmas totalmente fundadas e legítimas. Nunca tendo sido propósito daquela ofender a honra, bom-nome e reputação do árbitro visado, mas apenas e só apreciar de forma crítica (ainda que severa e contundente) a sua arbitragem.

  11. Como vem admitindo o TEDH, o único limite, fundado na protecção da honra, que há-de reconhecer-se à manifestação de juízos de valor desprimorosos da personalidade do visado pela crítica é o da crítica caluniosa sob a forma de um “ataque pessoal gratuito”.

  12. Ademais, e como vem entendendo o STJ: “tratando-se de juízos de valor exclui-se a prova da sua exaciidão (acórdão do Tribunal constitucional de 24 dc Março de 2004, n° 201/04), impossível de realizar e atentatória da liberdade de expressão, importando somente cpte não se encontrem totalmente desprovidos de base factual, caso em que podem revelar-se excessivos (acórdão proferido no caso R…, acima mencionado)" (Ac. do STJ de 13-01-2005, Proc. 04B3924, www.dgsi.pt). Tudo está, pois, em saber se a emissão de juízos de valor tipicamente desmerecedores da honra de um terceiro se encontra ou não totalmente desprovida de base factual.

  13. Mobilizando este parâmetro de aferição da ilicitude típica da infracção p. e p. pelo art. 112.° do RD para as afirmações em apreço nos autos, terá de convir-se que as falhas de arbitragem grosseiras em que o VAR B... incorreu no jogo em apreço - alvo de inúmeros comentários negativos dos mais variados quadrantes, muitos deles sem qualquer ligação à Recorrente F... - são por si só suficientes para que sobre ele pudesse ser lançado o juízo de suspeição nos termos em que o foi.

  14. Em suma, tinha, pois, a Recorrente base factual mais do que suficiente para criticar a prestação da arbitragem, em especial desse árbitro, nos termos duros em que o fez, não lhe podendo nessa medida ser atribuída qualquer responsabilidade disciplinar (cf. Ac. TCAS de 04-04-2019, proc. n.° 18/19.0BCLSB).

  15. As declarações ora em escrutínio limitam-se a censurar procedimentos factuais, relativos a circunstâncias restritas e concretas, que, na opinião da Recorrente, mereceram a denúncia que os seus textos e palavras exprimiram. Sendo, como tal, absolutamente incompreensível a imputação de que existiu uma actuação culposa por parte da Recorrente no sentido de lesar propositadamente a honra e consideração dos visados utilizando, para o efeito, escritos difamatórios ou grosseiros.

  16. Em bom rigor, a conduta da Recorrente não consubstanciou a prática de qualquer crime, seja porque nem sequer assumiu relevo típico, seja porque (embora típica) não chegou a ser ilícita, uma vez que realizada no exercício legítimo do direito fundamental à liberdade de expressão (na vertente de direito de crítica sobre a actuação profissional do árbitro visado - art. 37.°-l da C-RP).

    V. Decidir pela condenação da Recorrente equivalerá, aliás, a contrariar abertamente a mais recente e vasta jurisprudência que se vem consolidando nos nossos Tribunais Superiores, designadamente neste Tribunal ad quem, fazendo tábua rasa de todos os critérios de ponderação (repetidamente) assentes pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos nesta matéria.

  17. Nesta senda, por não se poder admitir que se faça uso do direito disciplinar punitivo sempre que a linguagem utilizada incomode ou fira susceptibilidades dos demais intervenientes desportivos, impõe-se, pois, a revogação do acórdão recorrido e a absolvição da Recorrente.

    X. Compulsada a decisão recorrida, parece ser entendimento do Tribunal a quo, na esteira da mais recente jurisprudência exarada pelo STA (nomeadamente, Ac. de 26.02.2019, proc. 066/18.7BCLSB), que toda a crítica que afecte directamente as qualidades pessoais do visado, mesmo que sustentada em base factual mínima, não pode ser expressada porque atenta contra o bom nome e reputação do visado, além de afectar ainda a credibilidade e prestígio da própria competição desportiva.

  18. Sucede que, uma tal proibição, representa uma compressão do conteúdo...

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