Acórdão nº 5816/11.0TDLSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelMARGARIDA BACELAR
Data da Resolução18 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: No Processo n.º5816/11.0TDLSB.L1 do 1º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, o arguido M… P…, por não se conformar com o despacho de 12-6-2012 que o pronunciou pela prática, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelo art. 70º da Lei nº 27/2007 de 30 de Julho e pelos arts. 180º, nº1, 183º, nº2, 184º e 132º, nº2, al. l), todos do Código Penal, dele interpôs o presente recurso.

A competente motivação é rematada com a formulação das seguintes conclusões: “ I.A decisão recorrida viola os artigos 10.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e 37.º, nºs 1, e 2, da Constituição da República Portuguesa, com o alcance da violação previsível do artigo 46.º, n.º 1, da mesma Convenção, porquanto não constitui providência necessária, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da reputação ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial; II. Não há reputação relevante a proteger nos autos, pois que deles não resultaram, até ao final da fase de instrução, indícios de que a reputação do Assistente tenha sofrido quaisquer danos (mormente a provocação de uma alteração na mente de outrem, onde não havia), em si mesmo considerada, de acordo com a visão exterior sobre a dignidade do Assistente, o apreço social em que é tido, e o bom nome de que goza no círculo das suas relações pessoais e profissionais; III. A instrução não pode ser requerida pelo Assistente para discutir apenas a qualificação jurídica dos factos, em processo de natureza semipública, arquivado pelo Ministério Público com base na impossibilidade de recolha de indícios suficientes da verificação do crime, sem reação por parte do Assistente junto dessa Magistratura, por meios de reação processual próprios, que não a abertura de instrução, e sem invocação de quaisquer factos novos, e na medida em que se deve deixar que a ampla discussão jurídica dos factos seja efetuada exclusivamente em sede de julgamento, no pleno exercício dos princípios do contraditório e da imediação, e não em sede de instrução; IV. A decisão de instrução dos autos constitui “simulacro de julgamento, antecipado”, inadmissível à luz do princípio acusatório vigente no direito processual penal português, pois que o juízo de insuficiência de indícios de verificação do crime investigado permanece intocado nos autos, inexistindo fundamento legal para a admissão de abertura da fase de instrução, nos termos em que a mesma se encontra proposta pelo Assistente, resultando a sua admissão, num caso como o dos autos, no controlo oficioso da decisão de arquivamento por parte do JIC, sem qualquer justificação legal para tanto, e daí resultando a violação do artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa; V. O JIC não pode substituir-se ao particular no exercício dos seus direitos potestativos, quando o Assistente, confrontando com decisão de arquivamento, por impossibilidade de obtenção de indiciação suficiente do crime, não reage face ao próprio titular da ação e investigação penal, verdadeiro titular do direito de acusar por crime de natureza semipública, e quando é já reconhecida internacionalmente a força dos despachos de arquivamento, proferidos pelo Ministério Público; VI. O Assistente dos autos é, nas condições específicas do tempo de hoje, uma figura pública; VII. O Bastonário da Ordem dos Advogados, ao proferir as declarações em análise nos autos, não o fez na sua qualidade de mero Advogado, mas de presidente da Ordem dos Advogados e, por inerência, presidente do Congresso, da Assembleia Geral e do Conselho Geral, ou seja, na qualidade de titular de órgão eletivo a quem cabe “representar a Ordem dos Advogados em juízo e fora dele, designadamente perante os órgãos de soberania” (Art. 39.º, n.º 1, al. A), do Estatuto da Ordem dos Advogados), e enquanto Presidente de uma Associação Pública, o Bastonário tem o direito e o dever de se pronunciar sobre assuntos que dizem respeito à Justiça e no domínio da denominada “crítica política” do Sistema de Justiça; VIII. Do correto exame do comentário do BOA analisado nos presentes autos, declaração que se enquadra na mencionada área da crítica objectiva, pois que incidiu sobre concreta decisão judicial, e se, também, contém no âmbito mencionado, bem como dos demais elementos probatórios constantes dos autos, não resulta que o Recorrente tenha incorrido na crítica caluniosa ou se tenha comportado com a única intenção de rebaixar e humilhar o Assistente, falhando nos autos a verificação do dolo, em qualquer uma das suas modalidades; IX. A opinião crítica de que a aplicação de medida de prisão preventiva a jovens – nas circunstâncias de facto já por demais trazidas a público –, poderá constituir, no que às teorias da legitimação das penas e medidas de coação concerne, prevenção geral negativa, e, logo, passível de críticas fundadas na falta de um critério limitador da medida e na transformação desta prevenção em terrorismo estatal, dada a exemplaridade incutida nesta prevenção, desrespeitadora da dignidade humana, uma vez que os acusados reais são punidos de forma exemplar para influenciar a conduta social dos potenciais prevaricadores, sem ponderação dos fins de reinserção social, e em casos de justiça mediatizada, o que tudo não passando do plano da opinião/crítica objetiva, não desrespeita a honra e consideração funcionais e pessoais do Assistente; X. A decisão recorrida, ao interpretar e aplicar direta ou indiretamente o que dispõem os artigos 48.º, 52.º, n.º 1, 53.º, n.º 2, alínea c), 277º, n.º 2, 283.º, nºs 1, e 2, 286.º, n.º 1, 287.º, n.º 1, alínea b), e 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal; artigos 132.º, n.º 2, alínea l), 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 2, e 184.º, do Código Penal; artigo 70.º, da Lei n.º 27/2007, de 30 de Julho; artigo 1.º, do Estatuto do Ministério Público (Lei n.º 42/2005, de 29 de Agosto); artigo 2.º, n.º 2, alíneas 7) e 11), da Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro; artigos 32.º, n.º 5, 37.º, nºs 1, e 2, e 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa; e artigos 10.º, nºs 1, e 2, e 46.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

TERMOS EM QUE, Devem, assim, V. Exas. julgar procedente o presente recurso e, em consequência, revogar a decisão de pronúncia proferida nos autos, por se verificar quer a inadmissibilidade da instrução, quer a insuficiência de indícios da verificação do crime, substituindo-a por decisão que não pronuncie o Arguido, procedendo ao arquivamento dos autos, O que se requer, com todas as consequências legais.” O Ministério Público respondeu às motivações de recurso apresentadas pelo Arguido Recorrente, pugnando pela improcedência do mesmo.

Nesta instância, aquando da vista a que se refere o art.416º do Código de Processo Penal, o Exmo.Procurador-Geral Adjunto limitou-se a apor o seu visto.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência prevista no rt.419ºdo CPP, cumpre agora apreciar e decidir.

A DECISÃO RECORRIDA A decisão instrutória do Mmo.Juiz de Instrução do 1º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, objecto do presente recurso é do seguinte teor: «Nos presentes autos o Ministério Público procedeu a inquérito, tendo no fim deste proferido o despacho de arquivamento que faz fls. 136 a 151 dos autos. O Assistente C…A…, Juiz de Direito, por discordar do despacho de arquivamento veio M…P…, Advogado, pela prática do crime de difamação na forma agravada, p. e p. pelo art. 70° da Lei n° 27/2007, de 30 de Julho e pelas disposições conjugadas dos arts 180° n°1, 183°, n°2, 184° e 132°, n°2, alínea 1) todos do Cód. Penal.

* Procedeu-se à visualização dos CD's, juntos aos autos, à realização do debate instrutório no decurso do qual teve lugar o interrogatório judicial do arguido, com observância das formalidades legais, tendo o Ministério Público, alterado a sua posição e pedido a pronuncia do arguido.

* CUMPRE DECIDIR: O Tribunal é competente.

O Ministério Público tem legitimidade para exercer a acção penal.

Não existem nulidades, excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa, à excepção da seguinte.

* Conforme resulta do art. 286° do CPP a instrução tem como fim a comprovação judicial de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito com vista a submeter ou não os factos a julgamento.

No caso dos autos a instrução visa a comprovação judicial de não acusar o arguido, ou seja pretende-se que se afira da existência ou não de indícios dos quais resulte a possibilidade razoável de em julgamento vir a ser aplicada...

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