Acórdão nº 63/20.2BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 01 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução01 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) interpôs recurso do Acórdão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), de 06/07/2020, que julgou procedente a acção proposta pelo F............, Futebol SAD (F....) e F...., mantendo a decisão proferida em 18/06/2019, pela Secção Profissional do Conselho Disciplinar (CD) da FPF, que aplicou aos Recorridos a sanção disciplinar de multa.

Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:”1. O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitrai do Desporto, notificado em 8 de Julho de 2020, que julgou procedente o recurso apresentado pelo ora Recorrido, que correu termos sob o n.º 38/2019.

  1. Em concreto o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral (por maioria) em anular a multa aplicada pelo Conselho de Disciplina no processo disciplinar n........, que correu termos naquele órgão, por aplicação dos artigos 136.º, ex vi 112.º, n.º 1 e 4, do RD da LPFP.

  2. Em causa nos presentes autos estão declarações produzidas pelo Recorrido F......., 14 de Maio de 2019, no programa televisivo "Universo Porto-Da Bancada" transmitido na estação televisiva Porto Canal, imprensa privada da Recorrida F............ - Futebol, SAD, passíveis de ofender o bom nome e reputação dos visados, e bem assim, a integridade, verdade e credibilidade da competição, designadamente e de forma não exaustiva, com o seguinte teor: "Alguns senhores árbitros decidiram entregar o título de campeão ao B........ (...) Mais tarde, árbitro e VAR viram o que mais ninguém viu, uma falta sobre o J........ (...) Mais uma vez, na dúvida, e este nem sequer é de dúvida, foi decidido a favor do B........ (...) Quem são os autores, os responsáveis, por estas decisões que adulteram a verdade do campeonato? São os árbitros. E quem os nomeou. (...) Todos estes árbitros têm um passado e esse é pró-B........ Quando decidem nomear estes árbitros estão a ajoelhar perante o L....... por causa do que foi dito na meia-final da Allianz Cup. (...) Em Vila do Conde, ou estes senhores não sabem as regras ou validaram o golo de propósito. (...) Há uma equipa que tem um regime de exceção. Este jogo em Vila do Conde foi uma vergonha. (...) Isto é uma vigarice inaceitável. (...) Era uma boa altura para mostrarem o áudio. Para mostrar de há vigarice ouse é só incompetência. (...) Isto é um fartar de vilanagem. Foi entregar o campeonato. Ninguém põe mão nisto. (...) Vão todos deixar-se endrominar pela máquina de propaganda do B....... " 4. O Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito, com os quais a Recorrente não se pode conformar.

  3. Ora, desde logo, cabe chamar à colação que o bem jurídico a proteger no âmbito disciplinar é distinto daquele que se visa proteger no âmbito penal, ainda que existam normas punitivas semelhantes, por vezes coincidentes, que possam induzir o aplicador em erro. Deste modo, a análise subjacente num e noutro caso tem, também, de ser muito distinto.

  4. A afirmação de que a responsabilidade disciplinar é independente e autónoma da responsabilidade penal está, desde logo, presente na Lei e nos Regulamentos Federativos.

  5. Assim, quando analisados os artigos 112.º e 136.º do RD da IPFP é possível vislumbrar, em abstrato, indícios do ilícito penal correspondente à injúria ou difamação.

  6. Por outro lado, não se pode olvidar que os Recorridos têm deveres concretos que têm de respeitar e que resultam de normas que não pode ignorar.

  7. Os Recorridos têm, designadamente, o dever de "manter uma conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva" (artigo 19.n.ºs 1 e 2, do RDIPFP18); "usar de correção, moderação e respeito relativamente a outros promotores de espetáculos desportivos e organizadores de competições desportivas, associações, clubes), sociedades desportivas, agentes desportivos, adeptos, autoridades públicas, elementos da comunicação social e outros intervenientes no espetáculo desportivo" (artigo 35.º, n.º 1 alínea h) do RD da LPFP); de "zelar por que dirigentes, técnicos, jogadores, pessoal de apoio, ou representantes dos clubes ajam de acordo com os preceitos das alíneas h) e i)" (artigo 35.º, n.º 1 alínea h) do RC da LPFP); de "incentivar o respeito pelos princípios éticos inerentes e implementar procedimentos e medidas destinados a prevenir e reprimir fenómenos de (...) intolerância nas competições" (Regulamento de Prevenção da Violência da Liga Portugal); e de manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes." (artigo 51.9, n.9 1 do Regulamento de Competições da LPFP).

  8. Naturalmente que as sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir pública e abertamente o que pensam e sentem. Contudo, os mesmos estão adstritos a deveres de respeito e correção que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP.

  9. Quando uma pessoa (singular ou coletiva), qualquer que seja, aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, deontológicas, disciplinares, sancionatórias, etc..

  10. Com efeito, para que os Recorridos sejam condenados pela prática dos ilícitos disciplinares previsto no artigo 112.º e 136.º, ambos do RD da LPFP, é essencial indagar se as declarações respetivas violam, pelo menos, um dos bens jurídicos visados pelas normas disciplinares: a honra e bom nome dos visados ou a verdade e a integridade da competição, particularmente evidenciados pela imparcialidade e isenção dos desempenhos dos elementos das equipas de arbitragem.

  11. Ao contrário daquilo que entende o TAD, não estamos, obviamente, perante a prática de um ilícito disciplinar que pretende, exclusivamente, proteger a honra e o bom nome dos árbitros visados, nem muito menos perante uma questão que deva ser analisada da perspetiva do direito penal.

  12. Em suma, o Acórdão recorrido erra ao analisar a questão sub juáice sob a perspetiva do direito penal e não da perspetiva do direito disciplinar, pelo que se impõe que o TCA proceda a uma correta aplicação do direito ao caso.

  13. Ademais, a questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto este tipo de casos são cada vez mais frequentes, o que é facto público e notório.

  14. O TAD entendeu, no seu aresto, que o conteúdo das declarações produzidas pelo Recorrido F....... e difundidas em órgão da imprensa privada da Recorrida F............ - Futebol, SAD - Porto Canal -, não têm qualquer relevância disciplinar pois não configuram uma lesão da honra e reputação dos órgãos ou equipas de arbitragem, mas sempre tendo por referência às normas penais que sancionam condutas típicas dos crimes de injúria ou difamação.

  15. E é aí que reside o grande equívoco dos Exmos. Árbitros. Com efeito, a questão deve ser colocada, como acima se referiu, no âmbito da apreciação no campo disciplinar e não no campo do direito penal, autónomo e distinto deste.

  16. Conforme já deixámos bem patente na parte inicial deste recurso, o valor protegido pelos ilícitos disciplinares em causa, à semelhança do que é previsto nos artigos. 180.º e 181.º, do Código Penal, é o direito "ao bom nome e reputação", cuja tutela é assegurada, desde logo, pelo artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, mas que visa em primeira linha, e ao mesmo tempo, a proteção das competições desportivas, da ética e do fair play.

  17. A nível disciplinar, como é o caso, os valores protegidos com estas normas (artigos 112.º e 136.º do RD da LPFP) são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.  20. Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto fator de realização do valor da ética desportiva.

  18. Os Recorridos sabiam ser o conteúdo das declarações proferidas e produzidas adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma atuação dos árbitros e de quem os nomeia - Conselho de Arbitragem da FPF - a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.

  19. Com efeito ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo e como supra se demonstra, as declarações em crise não se limitam a remeter para erros das equipas de arbitragem, referindo e deixando a entender claramente que tais erros são premeditados, conscientes e com o intuito de beneficiar outro competidor, a S...... e B......., Futebol SAD; 23. Para além de imputar a tais equipas de arbitragem a prática de atos ilegais, as expressões sub judice encerram em si um juízo de valor sobre os próprios árbitros que, face às exigências e visibilidade das funções que estes desempenham no jogo, colocam em causa a sua honra, pelo menos, aos olhos da comunidade desportiva.

  20. Neste sentido, o STA já se pronunciou em processo cuja matéria era muito idêntica à dos presentes autos, tendo entendido, de forma clara que imputações destas "atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e...

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