Acórdão nº 043151 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Fevereiro de 1994

Magistrado ResponsávelGUERRA PIRES
Data da Resolução17 de Fevereiro de 1994
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Submetido a julgamento pelo Tribunal do Circulo de Oeiras, relativamente ao processo comum n. 747/91 do 3 Juízo, 1 secção, do Tribunal da Comarca sedeada nessa vila, A foi condenado, como autor imediato, em concurso real, de um crime de homicídio qualificado, de um crime de uso e porte de arma proibida e de um crime de ofensas corporais com dolo de perigo, previstos e puníveis, respectivamente, pelos artigos 131/132, ns. 1 e 2 alínea f), 260 e 144 n. 2 do Código Penal, nas penas parcelares de catorze anos e seis meses, um ano, e um ano e dez meses de prisão, - penas essas que foram juridicamente cumuladas, tendo resultado do cúmulo uma unitária de dezasseis anos. O tribunal condenou-o, também, a pagar indemnizações de um milhão de escudos a B, cinco milhões e cento e cinquenta mil escudos a C e quatro milhões e cem mil escudos a D. A seu cargo ficou, ainda, o pagamento de "taxa de justiça" (quatro unidades de conta) e custas, com procuradoria fixada em um quarto desse valor. Inconformado o réu veio recorrer do acórdão condenatório, apresentando motivação assim concluída: "1 - Ao referir a fundamentação dos factos provados, o acórdão recorrido permite concluir a não existência de testemunhas directas que visionaram a morte da vítima. 2 - Os factos provados fundamentaram-se igualmente no relatório da autópsia. 3 - Este refere que um dos projécteis penetrou na cabeça da vítima, pela região do ouvido direito, e seguiu um trajecto orientado da direita para a esquerda, de cima para baixo e detrás para diante, e o outro no tronco, seguindo um trajecto da direita para a esquerda, de cima para baixo. 4 - Provado ficou que, aquando do desfecho dos tiros, a vítima e o arguido se encontravam de pé, um em frente do outro, a cerca de um metro de distância. 5 - Resultou igualmente provado na audiência de julgamento, embora não conste do acórdão, que o arguido é dextro, e tem uma altura sensivelmente idêntica à da vítima. 6 - É pois inexplicável, ou muito dificilmente o é, como seria possível ao arguido disparar para o ouvido direito da vítima (o lado oposto àquele em que agarrava a arma, visto ser dextro), de cima para baixo e detrás para diante (tendo os dois uma altura sensivelmente idêntica). 7 - Ora o acórdão Recorrido deveria ter explicitado e focado a forma como ocorreram os disparos, o modo-posição como o arguido terá disparado tais tiros. 8 - E não se esqueça que é o próprio acordão que refere ter o arguido referido que ele e a vítima "disputavam a arma". 9 - Tais factos sempre seriam essenciais para a descoberta da verdade, e das circunstâncias juridicamente relevantes que rodearam os factos. 10 - Tal omissão traduz-se numa nulidade da sentença (artigo 379, do Código de Processo Penal). 11 - A não se encarar tal omissão como a apontada nulidade, sempre haveria insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, resultando tal vício do próprio acórdão e dos documentos que o sustentam (relatório da autópsia), por si só e conjugada com as regras de experiência comum. 12 - Assim, deverá anular-se o julgamento, com o consequente reenvio do processo para a primeira Instância, afim de aí repetir-se o julgamento, em tribunal competente. Por outro lado, 13 - O crime de homicídio por que o arguido foi condenado teria a natureza de qualificado (artigo 132, n. 2, alínea f) do Código Penal) pela circunstância de ter sido cometido por um meio (pistola) cujo uso integraria a prática de um crime de perigo comum (o do artigo 260 do Código Penal), e daí a especial censurabilidade ou perversidade do agente. 14 - Como resulta da análise dos números 1 e 2 do artigo 132 do Código Penal, para se verificar aquela qualificação necessário se torna demonstrar que a atitude do agente conduz à conclusão de que a prática de um crime de perigo comum, concomitantemente com o de homicídio, revela uma especial censurabilidade ou perversidade, perante os valores da conduta em sociedade. 15 - Sendo certo que as circunstâncias apontadas no n. 2 de tal disposição legal são meramente exemplificativas e são elementos da culpa, não sendo portanto de funcionamento automático, 16 - Não se alcança da matéria fáctica demonstrada uma especial censurabilidade ou perversidade do arguido. 17 - Violou assim, neste aspecto, o acórdão recorrido o disposto no artigo 132, n. 2, alínea f) do Código Penal, visto o arguido ter cometido, eventualmente, o crime de homicídio simples, previsto e punido pelo artigo 131 do Código Penal. Por outro lado ainda, 18 - A não se entender assim, então o crime previsto e punido pelo artigo 260 do Código Penal por que o arguido foi igualmente condenado estaria consumido pela qualificativa contida na alínea f), n. 2, artigo 132 do Código Penal. 19 - Daí decorre que o arguido deveria então ser absolvido da prática do crime previsto e punido pelo artigo 260 do Código Penal, norma que foi violada, e condenado pelo crime de homicídio qualificado previsto e punido pelo artigo 132, n. 2, alínea f) do Código Penal. Por outro lado ainda, 20 - O artigo 144, n. 2 do Código Penal configura um crime de perigo abstracto. 21 - Meios particularmente perigosos são aqueles que objectivamente podem causar lesões graves, não devendo porém atender-se unicamente à espécie ou características da arma ou instrumento, mas a um conjunto de elementos, factos e circunstâncias de que resulte um modo como ele foi usado, e se esse uso é susceptível de fazer perigar a vida de outrem. 22 - Face à matéria provada, afigura-se-nos ter o arguido cometido o crime de ofensas corporais simples, previsto e punido pelo art. 142 do Código Penal,e não o crime de ofensas corporais com dolo de perigo, previsto e punido pelo artigo 144, n. 2, do Código Penal, disposição que foi violada. 23 - E face às circunstâncias que rodearam a prática de tal crime, e ainda às que depõem a favor do arguido, a julgar-se pela prática de crime previsto e punido pelo artigo 144, n. 2 do Código Penal a pena de prisão imposta ao arguido não deverá ser superior a um ano e quatro meses de prisão, não se tendo tido em conta, o acórdão recorrido, o disposto no artigo 72 do Código Penal, que violou. Quanto ao pedido de indemnização 24 - Deu o acórdão recorrido como provados factos não alegados nos pedidos de indemnização das assistentes, nomeadamente que a vítima vivia maritalmente com a D havia cerca de oito anos, e também com dois filhos de um anterior matrimónio desta. 25 - Ora a prova do estado das pessoas, isto no que toca aos dois filhos da A. D, tem de ser provado documentalmente, o que não aconteceu. 26 - Além de que o Juiz só pode servir-se de factos articulados pelas partes (artigo 664, 655 n. 3, n. 2, do Código de Processo Civil), normas que foram violadas. 27 - Cometeu-se assim uma nulidade, que influencia decisivamente a decisão da causa, nomeadamente o montante da indemnização, e esta própria, que importa a anulação do julgamento no que toca aos pedidos de indemnização cível (artigo 201 do Código de Processo Civil). 28 - Dada a situação de concubinato entre a vítima e a assistente D, não gerarem relações jurídicas familiares, deverá ter-se por não escrita a expressão "vida familiar" que resulta do facto provado, e "agregado familiar" referido no relatório do acórdão, que violou o disposto no artigo 1576 do Código Civil. Por outro lado, ainda, 29 - face ao disposto no artigo 495, n. 3 do Código Civil, a assistente D não tem direito a indemnização, face à cessação da capacidade de ganho da vítima. 30 - Na verdade, dado o disposto no artigo 2009 do Código Civil, a A. D, que vivia maritalmente com a vítima, não podia exigir-lhe alimentos. 31 - Igualmente não se verificam os condicionalismos exigidos pelo artigo 2020, n. 1, do Código Civil visto a vítima ser casada, nem a A. D ter alegado, e obviamente provado, que não pudesse obter alimentos de outras pessoas vinculadas por lei a tal. 32 - Além de que o arguido sempre seria parte ilegítima relativamente a tal pedido, dado ter a herança legitimidade passiva para tal. 33 - Igualmente o n. 3 do artigo 495 do Código Civil pressupõe uma obrigação natural de alimentos, a qual não se compadece com uma mera liberalidade, traduzida no dever de caridade, dedicação ou de amor. 34 - E não foram alegados factos suficientes para permitir ao tribunal aquilatar de tal obrigação natural de alimentos. 35 - O acórdão recorrido, ao condenar o arguido no pagamento à A. D da quantia de 4000000 escudos fundado na cessação da capacidade de ganho da vítima, violou por erro de interpretação o disposto nos artigos 495, n. 3 e 402 do Código Civil. 36 - Seja como for, tal montante indemnizatório sempre seria excessivo, face à situação precária da A. D (concubinato), a que a lei não oferece protecção digna de nota, não tendo o acórdão tido em boa conta a criteriosa ponderação da realidade da vida, que não permite atribuir-lhe indemnização superior a setecentos e cinquenta mil escudos. 37 - Finalmente, a A. B não intervém, ao formular o pedido de indemnização cível, na qualidade de representante legal do...

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