Acórdão nº 362/15 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Julho de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução09 de Julho de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 362/2015

Processo n.º 760/14

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. A., recorrente nos presentes autos em que é recorrida a Fazenda Pública, executado em autos de execução fiscal que contra si correm termos no Serviço de Finanças do Sátão sob o número ….., notificado da penhora ordenada sobre o seu vencimento, apresentou reclamação da mesma nos termos dos artigos 276.º e seguintes do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”) (cfr. fls. 1 e ss.). Por sentença de 17 de dezembro de 2013 (fls. 172 e ss.), o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu julgou a reclamação improcedente. Considerou, para tanto, que a declaração de insolvência da devedora originária determinaria a suspensão do prazo de prescrição das dívidas tributárias, por força do disposto no artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março – suspensão essa também aplicável ao devedor subsidiário.

      Inconformado, o executado interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), tendo invocado, designadamente, a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 100.º do CIRE, quando interpretada no sentido de a mesma determinar a suspensão dos prazos prescricionais no âmbito do processo tributário, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea j), da Constituição da República Portuguesa (cfr. fls. 220).

    2. Por acórdão de 14 de Maio de 2014, o STA julgou o recurso improcedente (cfr. fls. 267 e ss.). Considerou o Supremo, seguindo a sua jurisprudência anterior, que, nos termos do artigo 100.º do CIRE, a sentença de declaração de insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo, incluindo os prazos que corram no âmbito do processo tributário. Assim, e por aplicação de tal regime, entendeu que, relativamente às dividas exequendas de 1997 e 1998 provenientes quer de IVA, quer de IRC, o respetivo prazo de prescrição previsto no artigo 48.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”) – 8 anos, e que se completaria, no que se refere às dívidas de 1997, em 1 de janeiro de 2007, e no que se refere às de 1998, em 1 de janeiro de 2008 (cfr. fls. 285) – se suspendeu entre 5 de abril de 2005 (data em que foi proferida a sentença de declaração de insolvência da devedora originária) e 24 de fevereiro de 2011 (data em que foi declarado encerrado o processo de insolvência da devedora originária) (fls. 286). Com efeito, o Supremo Tribunal Administrativo considerou o seguinte:

      Não é verdade que não existiu qualquer suspensão do processo executivo após a citação (do responsável originário) por o disposto na redação do n.º 3 do artigo 49.º da LGT à data apenas prever a suspensão da prescrição caso houvesse reclamação ou pagamento em prestações devidamente autorizado pelo que, ainda que [….] se admitisse que o processo de insolvência tivesse efeitos suspensivos, sempre as dívidas relativas a 1997 e 1998, estariam prescritas.

      Vejamos:

      O recorrente faz uma leitura isolada do preceito (artº 49.º da LGT) sempre substanciada na sua tese de que a suspensão determinada pelo artigo 100.º do CIRE não se aplica ao caso dos autos e a si próprio enquanto responsável subsidiário. Porém, já vimos que esta norma especial do CIRE é aplicável, complementando pois as causas de suspensão prevista[s] da LGT. E, embora não contenha uma regra especialmente dirigida às dívidas tributárias, deriva de um princípio geral, acolhido no art.º 321.º, n.º 1, do Código Civil.

      A resposta já dada supra, afirmando a aplicabilidade do art.º 100.º do CIRE, influencia e determina que seja improcedente a sua argumentação […].

      (fls. 285-286)

      Especificamente, quanto à invocada inconstitucionalidade, o STA reiterou a posição assumida no seu acórdão de 5 de dezembro de 2012, processo n.º 1225/12 (fls. 279-281):

      2.2.2. Quanto à alegada inconstitucionalidade orgânica do art. 100º do CIRE

      Alega, por fim, o recorrente que o citado art. 100º do CIRE, porque consta de decreto-lei simples, não cumpre as exigências constitucionais em termos de competência legislativa, considerando-se violado o princípio da legalidade formal, tal como decorre da aplicação conjunta dos arts. 103º, nº 2, e 165º, nº 1, al. j), da CRP.

      Em primeiro lugar, cumpre salientar que, ao contrário do alegado, o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei nº 39/2003, de 22 de Agosto. O que significa que não se trata de um decreto-lei simples mas sim de um decreto-lei credenciado por uma lei de autorização da Assembleia da República, o que significa que está legitimado a intervir em matéria reservada àquela.

      A eventual procedência da inconstitucionalidade suscitada poderia derivar do facto de a referida lei de autorização, no que respeita ao objeto, sentido e extensão, ser omissa quanto a autorizar o governo a interferir com o regime de prescrição das dívidas tributárias.

      Constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal fixada, entre outros, no Acórdão de 14 de Outubro de 2009, proc nº 528/09, que “As normas que regulam o regime da prescrição da obrigação tributária, inclusivamente as relativas ao regime da sua suspensão, inserem-se nas «garantias dos contribuintes», pelo que se inclui na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre essa matéria”. No mesmo sentido vai a jurisprudência do Tribunal Constitucional consignada, entre outros, no Acórdão de 5 de Julho de 2010, proc nº 133/10.

      Também a doutrina maioritária vai no sentido de que “(…) quer a prescrição como a caducidade, contendem com as garantias dos contribuintes, quando referidas às relações jurídico-tributárias, estão como tal, subordinadas ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal, consagrado no nº 2 do art. 103º da Constituição da República, e aos seus postulados “, que há-de englobar, “(…) todo o critério de decisão ou de qualificação de quaisquer efeitos concernentes à prescrição tem de constar da norma de tributação emitida nos sobreditos termos”, incluindo, por conseguinte, “a enunciação das suas causas de interrupção ou suspensão (…)” (Cfr. BENJAMIM RODRIGUES, “A Prescrição no Direito Tributário”, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis Editores, 1999, pp. 261 e 266.).

      A questão dos autos está em saber se, tal como vem recortada a situação, o art. 100º do CIRE interfere com as garantias dos contribuintes, e, por conseguinte, matéria reservada da Assembleia da República.

      A função garantística da reserva de lei fiscal, quando incidente em aspetos essenciais da relação jurídica tributária, tais como a prescrição, reporta-se ao regime de prescrição das dívidas tributárias, tal como se encontra regulado, em termos gerais, nos arts. 48º e 49º da Lei Geral Tributária.

      Nesta sequência, o que importa averiguar é se o legislador ao consagrar o art. 100º do CIRE visa interferir com aquele regime, em especial, com as causas de suspensão do prazo de prescrição das dívidas tributárias.

      A Lei de Autorização nº 39/2003, ao definir o seu objeto, dispõe no seu art.1º, nº 2, que “[o] Código da Insolvência e Recuperação de Empresas regulará um processo de execução universal que terá como finalidade a liquidação do património de devedores insolventes e a repartição do produto obtido pelos credores ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência que, nomeadamente, se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente”.

      Ao fazer confluir todos os processos executivos e credores numa execução universal, onde a própria Administração Fiscal, despojada dos privilégios conferidos pelo processo de execução fiscal, concorre como qualquer credor, o objetivo do legislador é o da satisfação dos interesses dos credores, na garantia do seus créditos. Interesses estes que se centram em acautelar “o pagamento dos respetivos créditos, em condições de igualdade quanto ao prejuízo decorrente de o património do devedor não ser, à partida e na generalidade dos casos, suficiente para satisfazer os seus direitos de forma integral”.

      Para alcançar este objetivo e evitar perturbações no processo, o legislador estabelece que, entre a data da sentença da insolvência e o decurso do processo, ocorre a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor (art. 100º do CIRE).

      Trata-se, por conseguinte, de uma regra que não é especialmente dirigida às dívidas tributárias, tendo, pelo contrário, um conteúdo genérico, porque aplicável a todos os credores, com vista a possibilitar que todos possam ser pagos pelo produto da massa insolvente, em condições de igualdade e proporcionalidade, através da avocação dos respetivos processos ao da insolvência.

      Ora, reconhecendo o próprio legislador a incerteza quanto à possibilidade de satisfação dos direitos de todos os credores e, por conseguinte, a eventual inutilidade da avocação dos processos, por eventual insuficiência da massa insolvente, não seria legítimo que corresse contra os mesmos o prazo de prescrição, como aconteceu, aliás, no caso dos autos.

      Deriva de um princípio geral, acolhido no art. 321º, nº 1, do Código Civil, que “A prescrição suspende-se durante o período de tempo em que o titular estiver impedido de fazer valer o seu direito”. E este princípio, que é um corolário do princípio geral da boa-fé, princípio basilar da ordem jurídica, igualmente válido no direito tributário, encontra a sua razão de ser na natureza do instituto da prescrição.

      Na verdade, a prescrição assenta na necessidade de pôr termo à incerteza dos direitos e na presunção de abandono do titular. O seu objetivo é dar por extinto um direito que, ao não ser exercido no prazo fixado, se presume ter sido abandonado pelo titular, relevando a negligência real...

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