Acórdão nº 01053/19.3BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Dezembro de 2019
Magistrado Responsável | JOSÉ GOMES CORREIA |
Data da Resolução | 17 de Dezembro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por A……………, sinalizado nos autos, visando a revogação da sentença de 30-10-2017, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente improcedente a reclamação que deduzira do acto do órgão de execução fiscal, que declarou a não prescrição das dívidas exequendas de IMI, IRS, IVA e coimas, no valor total de € 64.297,76, no entendimento segundo o qual ainda não se teriam completado os prazos de prescrição dos créditos tributários.
Irresignado, nas suas alegações, formulou o recorrente A………………, as seguintes conclusões: “1.ª A douta sentença sob recurso julgou improcedente a reclamação deduzida pelo Recorrente por, no entendimento do Meritíssimo Juiz “a quo” ainda não se terem completado os prazos de prescrição dos créditos tributários, no entanto, o Recorrente entende que foi feita uma errada interpretação e aplicação da lei, além da violação de princípios que conformam o instituto da prescrição, encontrando-se aqueles créditos prescritos.
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O decurso do tempo é factor produtor de efeitos jurídicos, podendo ser determinante na criação, modificação e extinção de direitos e encontra o seu fundamento, no caso dos créditos tributários, nos princípios da certeza e da segurança jurídica, uma vez que se trata de créditos irrenunciáveis e indisponíveis, é com base nestes princípios que se justifica a aplicação a estes créditos do instituto da prescrição.
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Enquanto que no direito privado o instituto da prescrição funda-se na negligência do credor, sendo esta entendida como desinteresse do credor e, por isso renuncia tácita ao seu direito de crédito, no direito fiscal o instituto da prescrição encontra o seu fundamento nos princípios da certeza e da segurança jurídica uma vez que a certeza e estabilidade das relações sociais não se compadece com a cobrança de impostos cujos pressupostos ou cujo vencimento tenham ocorrido em momento anterior àquele que o legislador entendeu como razoável para que se mantivesse o direito da Administração Tributária cobrar os impostos, que é o que fixou como prazo de prescrição dessas dívidas.
4:ª O regime da prescrição em matéria tributária tem também algumas especificidades em relação ao regime civil que são as seguintes: - ao contrário do que que acontece no regime civil, a prescrição da obrigação tributária é de conhecimento oficioso, devendo ser declarada “pelo juiz se o órgão de execução fiscal que anteriormente tenha intervido o não tiver feito” (art.º 175.º dop CPPT).
- o decurso do prazo de prescrição dos créditos tributários tem ainda uma outra especificidade em relação ao regime da prescrição em matéria civil, pois produz também efeitos no direito à prestação, que se extingue juntamente com o direito de acção.
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Com base nos factos julgados provados, o Tribunal, com referência à dívida mais antiga, IRS de 2000, julgou não prescritos os créditos tributários, em dois factos que, no entender do Tribunal recorrido, obstaram ao decurso do prazo de prescrição e que são: - a suspensão do prazo de prescrição, provocada pela citação do Recorrente, até ao processo até ao trânsito da decisão que puser fim ao processo de execução fiscal.
- a suspensão do prazo de prescrição, causada pela declaração de insolvência do Recorrente, até ao encerramento do processo de insolvência.
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Nos processos de execução fiscal que correm termos no Serviço de Finanças de Vila do Conde em que o Recorrente é executado, estão em causa dívidas tributárias de IRS dos anos de 2000, 2002, 2003 e 2004, IVA dos anos 2004 e 2005, IMI do ano de 2005 e coimas do ano de 2008.
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A obrigação de pagamento das dívidas tributárias prescreve no prazo de 8 anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e os impostos de obrigação única a partir da data em que ocorreu o facto tributário - artigo 48.º, n.º 1 da LGT e as coimas prescrevem no prazo de cinco anos contados da data da sua aplicação – artigo 34.º do RGIT.
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A contagem do prazo de prescrição pode sofrer interrupções ou suspensões por força de processos, procedimento e factos que são os que estão identificados no artigo 49.º da lei Geral Tributária.
As causas de interrupção do prazo de prescrição estão enunciadas no n.º 1 do artigo 49.º da LGT e são os processos/procedimentos seguintes: - reclamação - recurso hierárquico - impugnação - pedido de revisão oficiosa e ainda um facto que é: - a citação As causas suspensivas do prazo de prescrição são as que se encontram referidas no n.º 4 do citado artigo 49.º da LGT e são as seguintes: - pagamento em prestações - reclamação - impugnação, recurso e oposição apenas quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.
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A interrupção do prazo de prescrição ocorre pela verificação de uma das causas enunciadas no n.º 1 do artigo 49.º que são, por natureza, eventos instantâneos que têm como efeito a paragem, naquele momento, do prazo de prescrição e a inutilização de todo o tempo decorrido até essa data (a inutilização do prazo já decorrido tem a natureza de penalização para o contribuinte e de salvaguarda do interesse da Administração Tributária na cobrança da dívida tributária) e o início da contagem de novo prazo de prescrição.
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Já as causas suspensão da prescrição são as que são “provocadas” pelo sujeito passivo e têm um efeito prolongado no tempo e, por esse motivo, admitem o aproveitamento do prazo de prescrição decorrido antes da verificação dessa causa, retomando a sua contagem após a cessação do efeito suspensivo.
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A citação não figura no elenco das causas suspensivas do prazo de prescrição pelo que não lhe pode ser atribuído tal efeito, ao contrário do que decidiu o Tribunal recorrido, seguindo a tese agora defendida por Jorge Lopes de Sousa, considerou que a citação tem um efeito interruptivo “duradouro”, perdurando no tempo até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo executivo.
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A tese defendida por Jorge Lopes de Sousa merece, salvo melhor opinião, alguns reparos que põem em causa a sua aplicação.
Desde logo, o próprio autor da tese parece ter alterado a sua posição sobre este assunto sem qualquer justificação.
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Na obra “Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado”, Vol. II, Áreas Editora, Lisboa, 2007, p. 197.º e seguintes, anotação ao artigo 175.º. e na pág. 198, nota de rodapé (2) a posição defendida por Jorge Lopes de Sousa no regime anterior à Lei n.º 53-A/2006, era a de que as causas interruptivas produziam o seu efeito próprio, provocando apenas o reinício do prazo de prescrição, prazo esse que seria apenas afectado se a interrupção se convolasse em suspensão por efeito da paragem do processo por motivo não imputável ao contribuinte e por período superior a um ano.
14:ª Já na obra “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária – Notas Práticas”, Áreas Editora, Lisboa, 2.ª edição, 2010, altera a posição anteriormente assumida, apesar de não ter havido nenhuma alteração legislativa, onde vem considerar que as mesmas causas interruptivas produzem efeito diferente – efeito interruptivo duradouro – sem qualquer justificação para a alteração de entendimento, defendendo para o efeito a aplicação do artigo 327.º do Código Civil para preenchimento de alegada lacuna da lei tributária.
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O que parece ter levado a esta alteração de posição terá sido uma interpretação errada da norma revogada do n.º 2 do artigo 49.º da LGT, a qual previa a degradação do facto interruptivo em facto suspensivo.
Importa perceber em que consistia esta degradação.
O citado n.º 2 do artigo 49.º dizia: “A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.
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O único efeito que a paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao sujeito passivo produzia era o de o tempo anteriormente decorrido, inutilizado por força da interrupção, passar a ser novamente considerado para efeitos de cômputo do prazo de prescrição (desta forma ia buscar o efeito da suspensão de aproveitamento do prazo decorrido antes do facto que originou a paragem do prazo de prescrição).
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O efeito da revogação daquela norma, alteração da lei em prejuízo do contribuinte foi o de, nos casos do processo de execução estar parado por mais de um ano por facto que não lhe seja imputável, já não poder aproveitar o tempo decorrido antes da interrupção da prescrição, como acontecia antes da revogação.
Por isso não se pode agora querer penalizar ainda mais o contribuinte, somando à perda do benefício de poder aproveitar o tempo anterior à interrupção, a desvantagem de ainda ver suspenso o prazo de prescrição até à extinção da execução.
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A tese em causa também não encontra acolhimento na lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que aprova uma norma transitória, o artigo 91.º, com o seguinte teor: “A revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo”.
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A revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT aplica-se apenas aos prazos em curso em que tenha ocorrido uma causa interruptiva ainda não degenerada em suspensiva, pelo que, estando o prazo suspenso até à decisão que puser termo ao processo executivo por força da interrupção, não podia, ao mesmo tempo, estar em curso.
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A tese defendida pelo Tribunal recorrido, além dos problemas já alegados, também não encontra acolhimento no artigo 49.º da LGT.
O n.º 1 do artigo 49.º enuncia os processos e procedimentos cuja instauração conduz à interrupção do prazo de prescrição – reclamação, recurso hierárquico, impugnação e pedido de revisão oficiosa – que são todos da iniciativa do...
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