Acórdão nº 276/15 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução19 de Maio de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 276/2015

Processo n.º 288/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. A., recorrente nos presentes autos em que é recorrido o Ministério Público, foi condenado, por sentença do Juízo de Média Instância Criminal – 2.ª Secção – Juiz 3, da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste de 10 de março de 2014, pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por referência ao artigo 152.º, n.º 3, do Código da Estrada, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €6 (seis euros), num total de € 600 (seiscentos euros), e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de seis meses, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea c), do Código Penal (cfr. fls. 25 e ss.).

      O arguido interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa. Por acórdão de 9 de setembro de 2014, aquele Tribunal negou provimento a tal impugnação, confirmando a sentença recorrida (cfr. fls. 50 e ss.).

      Irresignado, o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, mas este recurso não foi admitido com fundamento no disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal (“CPP”) (cfr. o despacho de fls. 102).

      Tendo deduzido reclamação deste despacho, foi a mesma indeferida por despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de fevereiro de 2015, com fundamento em irrecorribilidade da decisão face ao disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP (cfr. o despacho de fls. 106 e ss.).

    2. Recorreu o arguido deste despacho para o Tribunal Constitucional ao abrigo da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, seguidamente abreviada como “LTC), tendo em vista a apreciação das seguintes questões:

      A. I- Eixo - a constitucionalidade da da al. e), do n.º 1, do art. 400.º, do CPP [quando interpretada de modo a vedar o recurso, para o STJ, de acórdão conednatório da Relação proferido em recurso de decisão – cfr. fl. 155];

      B. II Eixo - VIII Questões (em súmula) que se recorre da fiscalização concreta de constitucionalidade:

      I. [Nulidade do Acórdão a Quem nos termos 379 do C.P.P.];

      II. [Admissibilidade do recurso];

      III. Sem ‘fundamentação’ d0 TRIBUNAL A QUO, como do TRIBUNAL Ad QUEM];

      IV. [Não verificação dos pressupostos do tipo subjetivo e sequer objetivo do Crime de desobediência];

      V. [Não audição do arguido em nenhuma fase do processo nos termos 141 do C.P.P. e s.s.];

      VI. [Excesso de Inquérito nos termos art.º 276.º CPP];

      VII. [Falta de comunicação ao M. P. nos termos do n.º 3, do artº 243.º do CPP];

      VIII. [Falta de fundamentação dos requisitos da sentença e da sentença condenatória nos termos da al) d do art.º n.º1, do art.º 2, do art.º 374.º e 375 do CPP].

      Subidos os autos, foi proferida a Decisão Sumária n.º 254/2015, determinando-se:

      Não tomar conhecimento do recurso no que se reporta às questões integradas no “eixo II” do requerimento de interposição;

      Não julgar inconstitucional o artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redação conferida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, quando interpretado no sentido de vedar o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem uma pena de multa e uma pena acessória não privativa da liberdade.

      Foi a seguinte a fundamentação quanto ao não conhecimento parcial do recurso:

      [A] decisão recorrida, nos presentes autos, é o despacho do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 106 e ss., que indeferiu a reclamação deduzida do despacho de não admissão de recurso proferido pelo relator no Tribunal da Relação de Lisboa. Tal indeferimento fundou-se no disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal – esta foi a única norma aplicada na decisão que constitui o objeto imediato do presente recurso de constitucionalidade. O que significa, com meridiana evidência, que o objeto deste recurso apenas pode ser composto por questões relativas àquela mesma norma e não a quaisquer outras, designadamente às que tenham sido mobilizadas pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e, muito menos, por questões imediatamente atinentes à legalidade ou constitucionalidade desse acórdão.

      Assim, todas as questões relativas ao “eixo II” do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade não podem integrar o objeto do recurso, porquanto não se reportam a normas que tenham sido aplicadas pela decisão recorrida.

      No que se refere ao juízo negativo de inconstitucionalidade, a decisão ora reclamada baseou-se em jurisprudência anterior e consolidada do Tribunal Constitucional:

      [Quanto à] questão de constitucionalidade integrada no “eixo I” do mencionado requerimento de recurso, e que o recorrente enuncia a fls. 155 desta mesma peça como reportando-se à norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, «quando interpretada de modo a vedar o recurso, para o STJ, de acórdão condenatório da Relação proferido em recurso de decisão». Esta formulação ampla tem de ser entendida, sob pena de impossibilidade de conhecimento da questão de constitucionalidade por falta de coincidência com o critério normativo aplicado na decisão recorrida – com a respetiva ratio decidendi, portanto – no quadro problemático em que esta última se moveu. Como expressamente se refere no despacho recorrido, «o acórdão questionado [– o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de setembro de 2014 –] aplicou uma pena de multa e uma pena acessória, logo não privativas da liberdade, cabendo assim na previsão do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP. E a condenação na proibição de conduzir veículos com motor corresponde a uma pena acessória, logo irrelevante para excluir a aplicação da citada alínea e) do n.º 1 do CPP» (v. fls. 108). Ou seja, em rigor, o objeto mediato do recurso de constitucionalidade, nesta parte, é o artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de vedar o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem uma pena de multa e uma pena acessória não privativa da liberdade.

      Ora, o próprio recorrente admite expressamente que «o TC tem vindo, de forma implacável e sistemática, a declarar a não inconstitucionalidade da referida alínea» (cfr. fls. 155). E de facto assim é, e é essa a jurisprudência – que o recorrente admite conhecer, com profundida[de] – que agora cumpre reiterar.

      Recorde-se que a dimensão questionada pelo recorrente é a que se reporta à irrecorribilidade de decisões da relação que preencham os pressupostos da alínea e), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP, mais precisamente, atentas as circunstâncias dos autos, a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios proferidos pela relação que apliquem penas não privativas da liberdade.

      O Tribunal Constitucional tem salientado, de forma reiterada, que o direito ao recurso em processo penal não contempla o direito a um duplo grau de recurso ou a um triplo grau de jurisdição. Refira-se, a título de exemplo, o Acórdão n.º 49/2003 – cuja fundamentação é seguida em arestos posteriores, nomeadamente no Acórdão n.º 682/2006 – em que o Tribunal Constitucional concluiu que não desrespeita o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 59/98, de 25 de agosto, quando interpretada no sentido de não admitir recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a decisão condenatória proferida pela Relação em recurso de decisão absolutória da 1.ª instância, relativamente a crimes de pequena gravidade (puníveis com pena de multa ou com prisão até cinco anos), por o acórdão da relação consubstanciar a garantia do duplo grau de jurisdição, tendo em conta que perante ela o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa.

      Na fundamentação de tal aresto, refere-se:

      “4. A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para salientar, por diversas vezes, que o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal.

      Este direito assenta em diferentes ordens de fundamentos.

      Desde logo, a ideia de redução do risco de erro judiciário. Com efeito, mesmo que se observem...

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