Acórdão nº 26/15 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Janeiro de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Catarina Sarmento e Castro
Data da Resolução14 de Janeiro de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 26/2015

Processo n.º 769/13

  1. Secção

Relator: Conselheiro Catarina Sarmento e Castro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, veio o Ministério Público interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), da decisão proferida em 30 de julho de 2013, com fundamento na recusa de aplicação, por inconstitucionalidade material, do trecho final do primeiro segmento do artigo 255.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), que determina a irrecorribilidade da decisão judicial de encerramento do incidente iniciado com a apresentação do plano de pagamentos, com base na elevada improbabilidade da sua ulterior aprovação.

  2. A. e seu marido, B., aqui recorridos, inconformados com o despacho que não admitiu o recurso interposto da decisão que declarou liminarmente encerrado o incidente do plano de pagamentos, nos termos do artigo 255.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, apresentaram reclamação, nos termos do artigo 688.º, do Código de Processo Civil, anterior à vigência da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

    Por decisão de 30 de julho de 2013, o Tribunal da Relação de Coimbra considerou “que a irrecorribilidade prevista no final do trecho inicial do n.º 1 do artigo 255º do CIRE, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13º, nº 1 da Constituição”, recusando, em conformidade, a aplicação desse segmento normativo, ao abrigo do artigo 204.º do mesmo diploma.

    Em consequência, deferiu a reclamação e admitiu o recurso interposto.

    É desta decisão que o Ministério Público interpõe o presente recurso de constitucionalidade.

  3. Notificado para o efeito, o recorrente apresentou alegações, concluindo do seguinte modo:

    “1. A finalidade única do processo de insolvência é a satisfação dos credores, que pode ser alcançada pela forma prevista nos artigos 251.º e 257.º do CIRE, ou seja, com apresentação e aprovação de um plano de pagamentos.

  4. A decisão, proferida nos termos do nº 1 do artigo 255º do CIRE, que aceite liminarmente o plano de pagamentos apresentado pelo devedor, coloca os credores numa posição processual diferente daquela em que é colocado o devedor, apresentador do plano, perante uma decisão, que, por reconhecer ser altamente improvável que o plano de pagamentos venha a merecer aprovação, dá por encerrado o incidente.

  5. Essa diferença é suficiente para justificar que, no primeiro caso, seja admissível recurso da decisão por parte daqueles credores e que, no segundo, não o seja, por parte dos devedores.

  6. Assim, a norma do artigo 255.º, n.º 1, do CIRE, no segmento em que estabelece a irrecorribilidade da decisão que dá por encerrado o incidente, por se afigurar altamente improvável que o plano de pagamentos venha a merecer aprovação não viola o princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição) nem o direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º da Constituição), não sendo, por isso, inconstitucional.

  7. Termos em que deverá conceder-se provimento ao recurso.”

  8. Os recorridos igualmente apresentaram alegações, concluindo nos termos seguintes:

    A) Ora, no caso do artigo 255º n.º1 do CIRE não é dada oportunidade aos credores de se pronunciarem sobre o plano de pagamentos que a eles diz respeito diretamente ficando à mercê de um poder discricionário do juiz que se consubstancia num poder absolutamente livre, subtraído a quaisquer limitações objetivas ou subjetivas. O que no caso conduz ao encerramento de um incidente processual por via de uma decisão discricionária do juiz que pode ter como consequência uma decisão diametralmente oposta das exigíveis e conduzir a situações flagrantes de desigualdade entre as partes. Estamos assim perante um despacho que determina o encerramento de um incidente, o que na prática se equipara a uma verdadeira sentença por ser um pronunciamento decisório, sem que desse despacho possa haver recurso.

    B) A redação do artigo 1º nº1 do CIRE sublinha desde logo a satisfação dos credores como finalidade do processo de insolvência mas, em contrapartida, invertendo a formulação anterior deste artigo, privilegia, como meio para essa satisfação a aprovação de um plano de insolvência. Ou seja, o plano de pagamentos ganha prevalência em relação à liquidação, por ser este o meio mais adequado a satisfação dos credores em primeira análise e depois por libertar os próprios devedores do estigma que a liquidação acarreta.

    Admite-se ainda a possibilidade de o juiz substituir, em certos casos, a rejeição do plano por parte de um credor por uma aprovação, superando-se uma fonte de frequentes frustrações de procedimentos extrajudiciais de conciliação, que é a necessidade do acordo de todos os credores. Não se compreende que depois de forma tão contraditória se admita que o juiz além de não submeter tal plano aos credores, seja essa uma decisão inatacável, gorando o próprio espírito do código.

    C) O direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais ou à tutela jurisdicional efetiva, plasmado no art. 20 da CRP, enquanto direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, traduz-se, desde logo, no direito de recurso a um tribunal e de obter uma decisão jurídica sobre questão juridicamente relevante, vendo-se afetada desproporcionalmente a garantia de acesso ao direito. Frise-se novamente que tal despacho liminar acaba por ter valor de sentença encerrando um incidente processual, incidente esse que tem o valor de 30 000.01€. Na prática está a impedir-se a parte de recorrer de uma sentença no seu sentido material e em cujo valor da ação ultrapassa o valor da alçada do tribunal da Relação.

    D) Os Incidentes processuais são aqueles que decorrem de questões secundárias ou acessórias em relação ao processo principal e devem ser decididos antes da decisão sobre a causa principal.

    O mesmo vale por dizer, que o incidente de aprovação do plano, ainda que corra por apenso ao processo principal por dele ser consequência, no caso aqui vertente sem insolvência não poderia existir o incidente do plano de pagamentos, obedece a uma tramitação independente, funcionando processualmente como um novo processo. Ainda que a decisão de insolvência venha em consequência da decisão de encerrar o plano de pagamentos, duvidas não podem existir que esta última é recorrível de forma independente. Ainda que se recorra da sentença de declaração de insolvência, esse recurso não faz renascer o direito de reabrir o incidente do plano de pagamentos, nem este pode ser nessa sede apreciado.

    E) Relativamente ao princípio da Igualdade, lembramos a este respeito que o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 328/2012, entende que as irrecorribilidades designadas na insolvência não podem conduzir à criação de situações de desigualdade sem fundamento relevante. Não podem possibilitar que a um par de comparação relevante no processo concursal sejam aplicadas soluções, quanto à faculdade de recorrer, diferentes, num análogo quadro genérico.

    Ora no caso da irrecorribilidade aqui em causa, a prevista na primeira parte do nº1 do artigo 255º do CIRE, quanto à apreciação liminar pelo juiz do processo da (im) probabilidade de uma ulterior aprovação do plano de pagamentos proposto pelo devedor, contrasta essa exclusão do recurso com a abertura da via impugnatória normal à situação alternativa prevista na facti species da norma. Com efeito a aceitação liminar desse plano com o desencadear da previsão da segunda parte da norma, determinando-se a suspensão do processo de insolvência até à decisão sobre o incidente do plano de pagamentos, abre a via do recurso a quem com essa aceitação liminar ficar vencido (a quem queira, como sucederá com algum credor, que a insolvência prossiga). Verificamos assim a existência de uma discrepância, diferenciação de regimes de recorribilidade dentro de um contexto processual idêntico. É nesta diferenciação - irrecorribilidade do despacho liminar de “improbabilidade” de aprovação do plano; recorribilidade em termos gerais do despacho que, determinando a suspensão de insolvência, leva implícita a não consideração da improbabilidade de aprovação do plano de pagamentos proposto -, nesta diferenciação, dizíamos consideramos existir uma escolha do que é recorrível e do que não o é que comporta diferenciações (desigualdades) sem fundamento bastante.

    Valem estas considerações, por identidade de razão, relativamente ao estabelecimento de uma irrecorribilidade absoluta do despacho previsto na primeira parte do nº1 do artigo 255º do CIRE, quando comparada com a recorribilidade em termos gerais do despacho alternativo previsto para a mesma situação de base: esta foi, sempre, em qualquer dos casos, a apresentação do devedor à insolvência com a propositura...

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