Acórdão nº 2212/06.4TAAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Novembro de 2008

Data19 Novembro 2008
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Relatório Pelo 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Aveiro, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, os arguidos AM...

, conhecido pela alcunha de “Tomané”, divorciado, empregado de mesa, (actualmente preso preventivamente à ordem dos presentes autos no Estabelecimento Prisional de Aveiro. desde o dia 17-01-2008), e ML...

, solteira, cozinheira, (actualmente presa preventivamente à ordem dos presentes autos no Estabelecimento Prisional de Aveiro, desde o dia 17-01-2008), imputando-se-lhes a prática de factos pelos quais teriam cometido: - os arguidos António e Maria, em co-autoria material, um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo art. 21.º n.º 1, do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e 1-B, anexas a esse diploma legal, e - o arguido António, em autoria material, um crime de detenção de arma proibida , previsto e punido pelo art. 86.º, n.º 1 d), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo, por acórdão proferido a 23 de Julho de 2008, decidiu: - condenar o arguido AM... pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.21.º n.º 1 do DL 15/93 de 22-01 na pena de 5 (cinco) anos de prisão; - condenar o arguido AM... como autor material de um crime detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 10 ( dez meses) de prisão; - condenar o arguido AM..., em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 5 (cinco) meses de prisão; - condenar a arguida ML... pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.21.º n.º 1do DL 15/93, de 22-01, na pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão; - nos termos do art. 35.º n.º 2 do mencionado DL 15/93, declarar perdidas a favor do Estado todas as substâncias estupefacientes apreendidas e examinadas nos autos (quer a arguidos, quer a terceiros); - determinar a destruição das amostras cofre nos termos do art. 62.º, n.ºs 5 e 6 desse Diploma; - dado que os mesmos serviram ou estavam destinados a servir para a prática do crime de tráfico de estupefacientes ou constituem vantagem daí obtida, declarar perdidos a favor do Estado os telemóveis velocipede, medicamentos, recortes de plástico e dinheiro apreendidos aos arguidos António e Maria (mencionados em 2) a 5) supra), nos termos dos arts. 35.º n.º 1 e 36.º, n.ºs 1 e 2 do mesmo DL 15/93; e - dado que a mesma constitui em si o objecto do crime, declarar perdida a favor do Estado a navalha apreendida ao arguido António(mencionada em 2) supra), atento o disposto no art. l09.º n.º 1 do C. Penal.

Inconformado com o douto acórdão dele interpuseram recurso os arguidos AM... e ML..., concluindo a sua motivação do modo seguinte: I - O acórdão recorrido é passível de censura, porquanto existem factos que foram julgados de forma incorrecta e provas que impunham decisão diversa, e, a final, não deveriam os arguidos ter sido condenados pelo crime (matricial) de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, por se encontrar igualmente preenchido o tipo de ilícito (privilegiado) previsto no artigo 25.º, alínea a), do mesmo diploma, bem como, deveria ter decretado a suspensão da execução das penas de prisão; II - Os factos erradamente dados como provados reportam-se às declarações das testemunhas, LC, por falta de credibilidade, e de FA, NM e CA, por terem deposto em julgamento em sentido contrário do que foi dado como provado; III - Por outro lado, há diversa matéria relacionada com as condições de vida dos arguidos, sobre a qual depuseram, designadamente, as testemunhas J…, L… e J…, com relevância para a boa decisão da qualificação do tipo legal de crime base ou privilegiado (por reflectirem a pequena dimensão da actividade criminosa), que o douto acórdão recorrido erradamente não considerou; IV - A factualidade (já considerada ou que devê-lo-á ser) provada, é perfeitamente enquadrável, pelo menos, na previsão do artigo 25.º - tráfico de menor gravidade - do referido diploma legal, sendo que, o douto acórdão recorrido se limita a uma breve e sucinta referência aos tipos incriminadores privilegiados, optando quase automaticamente pelo crime matricial de tráfico de estupefacientes p. p. pelo artigo 21.º do citado diploma, descurando assim um princípio fundamental de proporcionalidade na definição dos crimes e aplicação das penas.

V - A ideia de proporcionalidade reflecte-se no “escalonamento dos crimes de tráfico (…) em grande tráfico (artigos 21.º e 22.º do DL 15/93), pequenos e médios traficantes (artigo 25.º ), e para os traficantes-consumidores (artigo 26.º)” - v. o douto Acórdão do STJ, de 17/04/2008, processo 08P571, disponível em www.dgsi.pt - parecendo evidente, nos presentes autos, que os arguidos não se podem configurar como grandes traficantes, sendo a sua conduta mais consentânea (desde logo em nome do princípio in dubio pro reu) com o conceito de tráfico de pequena ou média gravidade; VI - O douto acórdão recorrido opta por afastar a aplicação deste tipo legal privilegiado por entender verificar-se uma “disseminação” de estupefaciente por várias pessoas por um longo período de tempo; VII - Não obstante, apesar de o dito aresto situar a actividade ilícita dos arguidos desde Janeiro de 2006, baseia-se apenas em relatórios de vigilância dos agentes da PSP, que relatam genericamente contactos com outros indivíduos, surgindo os primeiros episódios concretos que podem consubstanciar a factualidade típica apenas a partir do ano de 2007, com a apreensão, ao arguido António, em 26 de Janeiro, de um pacote contendo 1,211 gramas de heroína; VIII - De todo o modo, como consta do douto acórdão recorrido, no dia seguinte, em 27 de Janeiro de 2007, em busca efectuada à residência dos arguidos, não foi encontrado estupefaciente, e, apesar vigilâncias diárias que lhe foram feitas, apenas em 29 de Janeiro seguinte foi interceptado a adquirir 2,6 gramas da mesma substância, pelo preço de € 75,00, o que permite afirmar que a actividade do(s) arguido(s) não possuía uma matriz organizada, ininterrupta e de grande dimensão; IX - Em relação à arguida Lurdes, apenas é referido um concreto episódio, datado de 17 de Janeiro de 2008, em que foi encontrado na sua posse estupefaciente, que consistia num pacote de heroína, com o peso de 0,14 gramas, e que teria nessa ocasião cedido outro pacote com 0, 11 gramas desse produto a um indivíduo; X - No mesmo dia 17/01/2008, foi logo de seguida feita nova busca à residência dos arguidos, na qual estava o arguido António e onde foram encontrados 3 doses individuais de heroína e uma base contendo 0,06 gramas de cocaína; XI - Os factos dados como provados no douto acórdão a quo, reportam-se sempre a pequenas quantidades, normalmente correspondentes a uma dose individual, o que inculca a ideia que os arguidos eram claramente um elo menor nessa actividade ilícita, transaccionando pequenas quantidades, as quais, se considerarmos que também eram consumidores, pouco representavam em termos líquidos em relação à quantidade que, de acordo com a experiência comum ou até com os critérios legais, eles próprios necessitariam para o seu consumo diário; XII - Os arguidos viviam de favor numa dependência na casa dos pais do arguido, e, condições degradadas, sem qualquer luxo, e recorriam frequentemente a empréstimos, de pequenas quantias de dinheiro, para adquirir mercearias, pelo que, a actividade ilícita, ainda que fosse praticada como forma de vida, proporcionava apenas uma subsistência no limiar da satisfação de necessidades primárias dos arguidos e do seu agregado familiar, do qual fazem ainda parte dois filhos menores; XIII - Citando o douto acórdão do STJ, de 30/04/2008, processo 08P1416, disponível em www.dgsi.pt, “a inexistência de uma estrutura organizativa e/ou a redução do acto ilícito a um único negócio de rua, sem recurso a qualquer técnica ou meio especial, dão uma matriz de simplicidade que, por alguma forma, confluí com a gravidade do ilícito. ( ... ) Numa situação em que: - inexiste referência a uma estrutura organízativa com uma dimensão formal, - para além da detenção de 7,644 gramas de cocaína (peso líquido), o arguido, entre o ano de 2005 e os primeiros meses de 2006, forneceu essa substância a cerca de 10 consumidores, - embora esteja em causa um período temporal relativamente longo, encontram-se parcialmente indefinidas as concretas circunstâncias em que os fornecimentos se verificaram é de concluir que [o arguido] praticou o crime de tráfico de estupefacientes a que alude o artigo 25.º do DL 15/93”.

XIV - Nas palavras vertidas no douto acórdão do STJ, de 12/10/2006, processo 06P2683, também disponível em www.dgsi.pt, “ mesmo lidando com a posse de «droga dura», até já em quantidade apreciável, não fica afastada a hípótese de aplicação do artigo 25.º do DL n.º 15/92, reportando-se a «tráfico de menor gravidade», já que não se limita a prever bagatelas condutas «sem gravidade», tendo em conta que a moldura penal, em parte coincidente com a do artigo 21º, pode ir até aos 5 anos de prisão.

” XV - Deste modo, deve considerar-se: a) a simplicidade dos meios utilizados pelos dois arguidos, sempre numa área circunscrita às imediações da sua residência; b) que os eventuais resultados económicos, que não foram concretamente apurados, eram certamente diminutos, confinados a um modo de vida de mera subsistência, “no limiar da satisfação de necessidades primárias dos arguidos” (v. o Ac. do STJ supra citado); c) que os próprios arguidos eram toxicodependentes, pelo que, sempre destinariam parte dos eventuais lucros ao consumo de ambos; d) que eram apenas vendidos pacotes de dose individual, para um único consumo, a € 10 a unidade; e) que o estupefaciente era adquirido a indivíduos da zona, a pouca...

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