Acórdão nº 08B3333 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução22 de Janeiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA, na qualidade de tutor de BB, intentou, em 03.04.2000, no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Viseu, contra CC e mulher DD , acção com processo ordinário, pedindo que a) se anule ou julgue nulo e de nenhum efeito o contrato de compra e venda e respectiva escritura referida no artigo 1° da petição inicial, referente à venda da casa de habitação da aí 1ª outorgante, BB, com todas as consequências legais; e, consequentemente, b) se mande cancelar e anular na respectiva Conservatória de Registo Predial o registo da escritura de compra e venda e, em consequência, todos e quaisquer registos que porventura hajam sido feitos, posteriormente, sobre a dita casa; c) se condenem os réus a reconhecer que a casa de habitação em causa é propriedade única e exclusiva de BB; d) se anule ou declare nulo qualquer arrendamento da mesma casa feito pelos réus; e) se condenem os réus à entrega imediata da casa de habitação de BB a esta própria, e de todos os rendimentos da mesma, provenientes do referido arrendamento, tudo com efeitos retroactivos, nos termos do artigo 289° do Código Civil, com referência ao artigo 1271º do mesmo diploma, sem prejuízo de eventual acção de indemnização pela actuação ilícita dos réus.

Alegou, para tanto, em síntese, que, através de escritura pública de 17.04.97, a sua tutelada BB vendeu a casa de habitação à ré, DD, casada com o agora também réu CC; que, todavia, por sentença de 25.06.99, foi a BB declarada interdita, com efeito retroactivo a 11.01.97, pois que, desde esta data (dia em que faleceu o seu marido EE), se encontrava totalmente incapacitada de gerir o seu património familiar, em virtude de profundas deficiências das faculdades intelectuais e volitivas traduzidas numa atitude de abulia e desinteresse pela administração dos seus bens; e que foi abusando da sua confiança e estado mental que os réus a levaram a assinar a referida escritura de venda da própria casa de habitação, quando se encontrava sem o mínimo de condições psíquicas para a prática de quaisquer actos de disposição dos bens, vendendo, pelo montante de 1.500.000$00, um prédio que valia cerca de 15.000.000$00 e, ainda assim, sem nada ter recebido daquele valor.

Os réus contestaram, impugnando os factos alegados na p.i. e excepcionando a ilegitimidade do demandante, concluindo por pedir a sua absolvição da instância ou, quando assim se não entenda, a sua absolvição do pedido. Proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto com interesse para a decisão do pleito, e habilitados os sucessores da autora BB e da ré DD, entretanto falecidas, seguiu o processo a sua normal tramitação, vindo a ter lugar a audiência de discussão e julgamento e a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, decretando a anulabilidade do contrato de compra e venda referido em A) da matéria assente, e condenando os réus a reconhecer que a casa de habitação objecto desse contrato é propriedade única e exclusiva da herança aberta por óbito de BB e a restituir imediatamente à dita herança a referida casa.

Inconformado, o réu CC interpôs recurso de apelação.

E a Relação de Coimbra, em acórdão oportunamente proferido, julgou procedente a apelação e revogou a sentença apelada, julgando a acção improcedente e absolvendo os réus apelantes dos pedidos contra eles formulados.

Para tanto, depois de alterar profundamente a decisão de facto, na sequência da impugnação que dela havia feito o apelante - dando como não provado a matéria que, no julgamento da 1ª instância, constituíra a resposta aos arts. 6º, 7º, 8º, 9º, 10º e 15º da base instrutória, e erradicando essa matéria do acervo fáctico que vinha dado como assente - concluiu que, com o subsistente quadro factual, a acção não poderia deixar de improceder, já que o negócio de compra e venda em apreço foi celebrado antes de anunciada e mesmo antes de instaurada (em 08.06.98) a acção de interdição por anomalia psíquica, sendo-lhe, por isso, aplicável o disposto nos arts. 150º e 257º do CC, daí resultando que tal negócio só seria anulável se se demonstrasse que, no momento do acto, a autora BB estava incapacitada de entender o sentido da declaração negocial ou não tinha o livre exercício da sua vontade, e que isso era notório ou conhecido da contraparte. E, cabendo à autora a prova desses dois requisitos (art. 342º/1 do CC), o certo é que não o logrou fazer, impondo-se, por isso, a revogação da sentença recorrida e a total improcedência da acção.

O já referido AA - um dos habilitados sucessores da autora - recorre agora, de revista, para este Supremo Tribunal, reagindo contra o acórdão da Relação.

E, no remate das suas alegações, formula as seguintes conclusões: 1ª - Existe uma sentença, de 25.06.99, que transitou em julgado, e decretou a interdição por anomalia psíquica de BB, reportando o início da incapacidade a 11.01.97; 2ª - Sendo tal sentença um documento autêntico, dela não tendo sido pedida a sua revisão, nem arguida a falsidade do documento, é inadmissível, contra ele, prova testemunhal (arts. 394º, 393º/2, 371º e 372º/1 e 2 do CC); 3ª - Que a interdita actuou com incapacidade de intelecto e de vontade emana, no caso, da própria factualidade, designadamente da discrepância entre o valor da casa (€ 50.000,00) e o preço da venda (€ 7.500,00), da alegação, pelos réus, do pagamento do preço em dinheiro vivo e do levantamento da conta da interdita, em cerca de três meses, da quantia de € 30.732,54; 4ª - Todos estes factos são factos notórios e bem conhecidos dos recorridos que, tendo levantado da conta da interdita, até 24.03.97, aquela quantia, lhe levantaram mais € 16.141,54; 5ª - Factos esses que qualquer pessoa de normal diligência podia notar, que os recorridos notaram e que revelam, pela sua notoriedade e evidência, que a BB não tinha o livre exercício da vontade nem estava capaz de entender qualquer declaração negocial, sofrendo de perturbação mental - de anomalia psíquica - à data da escritura de venda da casa; 6ª - A fixação da data do começo da incapacidade (11.01.97), nos termos do art. 954º/1 do CPC, tem o efeito de presunção legal, i.e.

, de que há uma forte presunção de que o negócio foi celebrado por pessoa incapacitada de entender o sentido da declaração negocial ou privada do livre exercício das suas faculdades mentais; 7ª - Não é, pois, admitida prova testemunhal em contrário, ou, pelo menos, há inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344º, ex vi dos arts. 350º e 488º/2, todos do CC; 8ª - Segundo as regras da experiência comum e da experiência da vida, no caso concreto, o julgador, partindo do valor da casa, do preço da compra, do levantamento, em cerca de três meses, da quantia supra aludida, e da expressão da interdita «A minha irmã levou-me tudo!», e tendo em conta ainda a existência de uma sentença de interdição por anomalia psíquica, com início da incapacidade em 11.01.97, e o disposto no art. 488º/2 do CC, pode firmemente, com toda a certeza, concluir que não existiu nenhum negócio válido entre a BB, interdita, e os recorridos, no sentido da alienação e da compra da casa em questão; 9ª - É evidente, no caso, a ausência de boa fé nos negócios, como o impõe o art. 227º/1 do CC; 10ª - A actuação dos recorridos é de tal modo censurável que levou o recorrente a participar criminalmente contra eles; e, apesar do arquivamento dos autos, é tão clamorosa a ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, é tão clamoroso e negativo o impacto na sociedade da actuação dos recorridos, o direito destes foi exercitado em termos tão clamorosamente ofensivos da justiça, que se impõe sancionar este acto com a consequência de todo o acto ilegítimo, por abuso de direito, designadamente a declaração de nulidade do negócio de compra e venda da casa da interdita, nos termos do art. 294º do CC, por força do art. 334º do mesmo diploma; 11ª - Devendo, ainda, os recorridos ser condenados em indemnização, nunca inferior a € 5.000,00, a favor do recorrente, por litigância de má fé; 12ª - Foram violados os arts. 394º/1, 393º/2, 372º/1 e 2, 150º, 257º, 349º, 350º e 488º/2, 227º/1, 294º e 334º...

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