Acórdão nº 5907/20.6T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-01-11

Ano2024
Número Acordão5907/20.6T8STB.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora






Proc. nº5907/20.6T8STB.E1

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

RELATÓRIO:

AA, NIF ...72, com domicílio à Praceta ..., ..., ..., propôs a presente acção declarativa de condenação contra A..., Lda., NIPC ...74, com sede em Travessa ..., ..., Évora, por apenso ao processo de acompanhamento de maior n.º 3…/20.... do Juízo Local Cível ... - Juiz ..., pedindo que uma vez decretada a medida de acompanhamento – com pedido de suspensão da instância até esse momento –, fosse anulada a compra e venda ocorrida quanto ao prédio descrito sob o nº ...1, fracção ..., ..., ..., com o consequente cancelamento de tal apresentação, outorgada em 25/09/2019 entre BB e a Ré, em virtude de incapacidade acidental do alienante.

Alegou para tanto e em suma, que BB, seu filho, sofre de adição a produto estupefaciente desde a sua juventude e para obter a liquidez que lhe permita adquirir heroína e cocaína, procede à venda de bens, como sucedeu com o imóvel alienado à Ré. Entende que por tal razão, o negócio em causa está ferido do vício de vontade – incapacidade acidental –, pois que no momento da formação da decisão de contratar bem como na data da celebração do contrato promessa de compra e venda e na data da outorga da escritura de compra e venda, BB encontrava-se impossibilitado de exercer livremente a sua vontade, de compreender e de decidir sobre a venda do seu imóvel, porquanto se encontrava sob o efeito de estupefacientes (heroína e cocaína) como ainda porquanto se encontrava motivado para a venda pela necessidade de obter liquidez financeira para adquirir as drogas para consumir, tanto mais que o negócio ocorreu por valor bastante inferior ao valor real do imóvel, do qual apenas lhe foi paga a quantia de €1.000,00.

Juntou documentos.

Regularmente citada, a Ré contestou a acção, invocando a ilegitimidade substantiva e processual da Autora, assim como defendeu a inexistência de razões para a suspensão da instância.

Defendeu que o preço ajustado e integralmente pago, foi de €40.000,00, liquidados em dinheiro, €1.000,00 com o contrato-promessa e €39.000,00 ao momento da escritura, conforme foi julgado em sede cautelar.

De todo o modo, o vendedor interveio no negócio de forma livre e consciente, não sendo perceptível para com quem quer que com o mesmo conversasse, que o mesmo tivesse qualquer adição ao produto estupefaciente ou que houvesse realizado o negócio por razões de necessidade em satisfazer o seu vício, tanto mais que trabalhava e a ninguém se suscitou qualquer dúvida sobre a sua capacidade de decidir.

Suscitou ainda o incidente de litigância de má fé da Autora por adulterar factos que bem sabe não corresponderem à verdade, em multa e indemnização a favor da Ré.

Juntou documentos.

A acção foi redistribuída como acção de processo comum declarativo.

Entretanto, a Autora juntou a certidão da decisão proferida no proc. n.º 3 /20...., relativo ao pedido de acompanhamento de maior em que é beneficiário BB.

Houve resposta à matéria de excepção, defendendo a sua legitimidade e nada disse quanto ao incidente de litigância de má fé.

Foi proferido despacho que saneou os autos e julgou improcedente a matéria de excepção invocada. Houve lugar à identificação do objecto do litígio, fixou-se a matéria já assente ao final dos articulados e enunciaram-se os temas de prova.

Existiram reclamações que foram decididas.

Efectuou-se audiência de julgamento, observando-se o legal formalismo.

*

Foi proferida sentença que decidiu julgar a acção improcedente e, em consequência:

A) Absolver a Ré do pedido formulado na acção;

B) Absolver a Autora do pedido de condenação como litigante de má fé.

Custas da acção a cargo da Autora (art.º 527.º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).

Custas do incidente de litigância de má fé a cargo da Ré, fixadas em 1 UC.

*

A Autora, inconformada com o teor da sentença, veio interpor recurso, concluindo da forma seguinte:

1- Com o presente recurso visa a Recorrente questionar a apreciação da prova feita do que resultará ser posta em crise a douta decisão na parte respeitante à absolvição da Ré do pedido formulado na ação -, visando ainda ver reapreciado o facto de não ter sido provado que a Ré não entregou a BB (vendedor) nenhuma quantia além do montante de €1000,00 (mil euros) a título de sinal; e

2- Vem o presente recurso, interposto da douta decisão que absolveu a Ré do pedido formulado na ação, pedido esse que a Autora Acompanhante, por apenso ao processo de acompanhamento de maior n.º 3…/20.... do Juízo Local Cível ..., Juiz ..., pedindo que, uma vez foi decretada a medida de acompanhamento ( com pedido de suspensão da instância até esse momento), fosse anulada a compra e venda ocorrida quanto ao prédio descrito sob o nº ...1, fracção ..., ..., ..., com o consequente cancelamento de tal apresentação, outorgada em 25/09/2019 entre BB e a Ré, em virtude de incapacidade acidental do alienante. Alegou para tanto e em suma, que BB, seu filho e Acompanhado, sofre de adição a produto estupefaciente desde a sua juventude e para obter a liquidez que lhe permita adquirir heroína e cocaína, procede à venda de bens, como sucedeu com o imóvel alienado à Ré. Entende que por tal razão, o negócio em causa está ferido do vício de vontade incapacidade acidental, pois que no momento da formação da decisão de contratar bem como na data da celebração do contrato promessa de compra e venda e na data da outorga da escritura de compra e venda, BB encontrava-se impossibilitado de exercer livremente a sua vontade, de compreender e de decidir sobre a venda do seu imóvel, porquanto se encontrava sob o efeito de estupefacientes (heroína e cocaína) como ainda porquanto se encontrava motivado para a venda pela necessidade de obter liquidez financeira para adquirir as drogas para consumir, e ainda, tanto mais que, o negócio ocorreu por valor declarado de pagamento bastante inferior ao valor real do imóvel, do qual apenas lhe foi realmente paga a quantia de €1.000,00 (mil euros) a título de sinal.

3- Constitui inequívoco elemento a desconsideração, pelo M.º Juiz a quo, do facto do vendedor ser toxicodependente há mais de trinta anos ( e ao qual foi decretado o acompanhamento de maior, no qual é, a aqui Recorrente, a Acompanhante - conforme prova documental junta nos autos do Tribunal a quo e por isso se encontrar em incapacidade acidental no momento da venda do imóvel, já que não poderia entender o sentido da sua declaração negocial de venda, facto que foi notório aos intervenientes declaratários), a circunstância de, segundo a douta sentença, não se ter provado concretamente: que, no momento da formação da vontade de contratar e na data da outorga da escritura de compra e venda, o vendedor não estava em condições de compreender o sentido da venda do imóvel; Desde pelo menos o mês de Junho de 2018, os comportamentos e atitudes de BB reconduzem-se a formas para obter meios económicos para adquirir o produto estupefaciente; A partir do mês de Dezembro de 2017, BB passou a consumir heroína e cocaína de forma constante e diária, altura em que perdeu qualquer noção do seu comportamento, BB está permanentemente sob o efeito de heroína e de cocaína; que é visível para qualquer pessoa que com ele contacte, que não tem o livre exercício da sua vontade; No momento da formação da vontade de vender, assim como na data da outorga da escritura de compra e venda, era visível para o homem de normal diligência, que o vendedor se encontrava impossibilitado de exercer, livremente, a sua vontade, em virtude de estar afetado pelo consumo de drogas.

4- Fundamentou, o M.º Juiz a quo, a sua convicção com base na sua livre apreciação da prova, aliado às regras de lógica e experiência comum. Ora, salvo o devido respeito, não se verifica que as testemunhas não tivessem feito a prova de que o vendedor fez a declaração negocial encontrando-se acidentalmente incapacitado de entender o conteúdo dela , tudo devido ao facto de estar, permanentemente, sob o efeito do consumo de drogas, sendo tal facto conhecido dos intervenientes declaratários. Veja-se, a este propósito, o que disseram as partes e testemunhas em causa:

Declarações de parte na única Audiência de Julgamento e que ocorreu no dia 01-02- 2023 gravado no ficheiro 20230201100311_3634557_2871795: pela Parte: - do minuto 8:06 ao minuto 8:38; do minuto 8:56 ao minuto 9:03; do minuto 24:42 ao minuto 24:59;

Depoimento de testemunha na Audiência de Julgamento, com depoimento gravado no ficheiro 20230201110451_3634557_2871795: - do minuto 02:48 ao minuto 03:23; - do minuto 04:19 ao minuto 04:36;- do minuto 05:01 ao minuto 05:09; - do minuto 05:28 ao minuto 06:11; - do minuto 07:05 ao minuto 08:12; - do minuto 38:27 ao minuto 38:45;

Depoimento de testemunha na Audiência de Julgamento, com depoimento gravado no ficheiro 20230201115346_3634557_2871795:- do minuto 02:46 ao minuto 03:33;

Depoimento de testemunha na Audiência de Julgamento, com depoimento gravado no ficheiro 20230201121508_3634557_2871795, - do minuto 01:25 ao minuto 01:53; - do minuto 03:03 ao minuto 03:16;

Depoimento de testemunha na Audiência de Julgamento, com depoimento gravado no ficheiro 20230201150531_3634557_2871795, - do minuto 02:25 ao minuto 02:33; - do minuto 08:59 ao minuto 02:33;

Declarações de parte na Audiência de Julgamento, gravado no ficheiro20230201155219_3634557_2871795,- do minuto 15:15 ao minuto 15:45; - do minuto 16:00 ao minuto 16:13;

5- Desses depoimentos não pode resultar qualquer hesitação no julgador quanto ao facto de que o vendedor está, devido à sua doença toxicodependência, permanentemente, incapaz de entender o que declara e o que foi, sempre, notório para todas as pessoas aqui em causa intervenientes. Na verdade, é do conhecimento geral, que a adição é uma doença crónica mental que gera uma disfunção, pelo que leva o doente toxicodependente,...

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