Acórdão nº 251/20.1T8ORM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelFRANCISCO XAVIER
Data da Resolução13 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório1.

A… instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra B…, pedindo a anulação do testamento outorgado pela falecida mãe das partes, C..., no dia 22/10/2010, no Cartório Notarial de (…), sito em Fátima, mediante o qual a R. foi instituída herdeira da quota disponível da testadora, sua mãe.

  1. Para tanto, alegou, em síntese, que, no processo n.º 257/15.2T8ORM foi decreta a interdição de sua mãe, C..., devido a anomalia psíquica, tendo sido fixado o começo da incapacidade da interdita no mês de Maio de 2010, e nomeada tutora a requerente; que C…, no dia 22/19/2010, fez um testamento em que instituiu a R., sua filha, como herdeira da quota disponível da sua herança; e que, quando outorgou este testamento, a referida C... se encontrava incapacitada para entender e querer, na medida em que tinha uma doença mental incapacitante.

    Deste modo, concluiu a A., que a referida C... não tomou conhecimento dos termos do testamento, nem ele foi elaborado de acordo com a sua vontade, e que terá sido a R. a determinar à referida C... para ela fazer o testamento a seu favor, aproveitando-se da doença mental incapacitante de que ela padecia.

  2. A R. apresentou contestação, alegando, em síntese, que apesar da doença mental de que padecia, a referida C... tinha plena capacidade de entender e querer os termos do testamento em causa, na altura em que o mesmo foi outorgado, concluindo pela improcedência da acção.

  3. Foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e identificados os temas da prova.

  4. Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, na qual se concluiu: «… decide-se declarar totalmente improcedente por provada a presente acção.

    Consequentemente, indeferem-se os pedidos formulados pela A., designadamente da declaração de anulabilidade do testamento que se encontra aqui em causa, outorgado em 22 de Outubro de 2010, pela referida C….

    Deste modo, decide-se absolver a R. dos pedidos formulados pela A. nos presentes autos.» 6.

    Inconformada, veio a A. interpor o presente recurso, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]: 1.ª Pediu a A. nesta acção que, atento o disposto no artº 2199º do C. Civil, fosse anulado o testamento outorgado pela mãe, C..., a 22/10/2010, no Cartório Notarial de (…), em Fátima; 2.ª Com o fundamento de que encontrando-se a C..., à data da celebração do testamento, afectada duma demência crónica e irreversível do tipo Alzheimer Severa, num estado clínico demencial de uma doença evolutiva e degenerativa das capacidades afectiva e intelectiva, ser evidente encontrar-se ela incapacitada de entender o sentido da sua declaração ou de formar livremente a sua vontade.

    3.ª Na verdade, o MMº Juiz reconheceu a fls. 30, último parágrafo da sentença, que a C… se encontrava na situação descrita na conclusão anterior, mas acrescentou que tal não bastava para declarar a invalidade do testamento, pois, para isso, era necessário ter feito prova de que a C... se encontrava incapacitada de entender e querer na altura em que foi outorgado o testamento.

    E conclui a fls. 35 da douta sentença: 4.ª “Consequentemente, ter-se-á que concluir que, nos termos do art.º. 342º do C.C. cabia à Autora o ónus de provar que a referida C... estaria numa situação de incapacidade de entender e de querer quando outorgou o testamento em causa nos autos. Ónus esse que não logrou concretizar no caso concreto.

    Deste modo, irá dar-se como assente em termos definitivos que se concluiu que não ficou demonstrado nos autos que a referida C... não tinha capacidade para entender e para querer quando outorgou o testamento lavrado em 22/10/2010” 5.ª Ora, o MMº Juiz, com o devido respeito, aplicou erradamente as regras do ónus de prova às partes nesta acção, uma vez que a A. apenas tinha que provar, como provou, que a testadora, aquando da outorga do testamento, apresentava uma situação de incapacidade decorrente de um estado clínico demencial ou de doença evolutiva e degenerativa das capacidades intelectivas.

    6.ª E era à Ré, como beneficiária do testamento, que cabia o ónus de provar que, apesar daquele estado, a testadora outorgou num período lúcido e consciente.

    ASSIM 7.ª O MMº Juiz, ao fundamentar a sua decisão de indeferir o pedido da A., de anulação do testamento, no facto desta não ter cumprido o ónus que lhe pertencia de provar que a C... se encontrava num estado de incapacidade ao outorgar o testamento, cometeu a nulidade prevista na al. c) do nº 1 do art.º. 615º do C.P.C.

    Mas mesmo que a nulidade não existisse sempre, a sentença teria que ser revogada.

    Com efeito, e como se alegou “supra” 8.ª Os factos dados como provados nos arts. 9º a 12º da relação dos Factos Provados da sentença não poderão manter-se. Com efeito: As únicas testemunhas que depuseram por estarem presentes na altura da outorga do testamento foram a própria notária, Drª (…), e a testemunha dada para o testamento, (…). Ora, a Srª Notária o que disse é que não conhecia a testadora, não se lembrava de nada em concreto do que se passou nesse acto da outorga do testamento, apenas tendo relatado as regras que costumava usar na altura dos testamentos.

    Quanto à testemunha (…), apenas se lembrava de ter ouvido ler e ter assinado o testamento, pelo que, e como já se requereu, devem os referidos 4 artigos ser reduzidos aos dois seguintes: 1- A Srª Notária que elaborou o testamento leu-o em voz alta.

    2- A referida C… assinou o testamento perante a testemunha (…) e a Srª Notária Drª (…), que o elaborou.” E, por outro lado, deve alterar-se o facto levado à al. A) dos Factos não Provados da Sentença, substituindo-se a expressão “…encontrava-se incapaz de entender…” pela expressão “… encontrava-se capaz de entender…” 9.ª E atento o que consta dos Factos Provados nos arts. 6º a 8º da sentença, e a conclusão tirada no último parágrafo de fls. 30 da sentença, deve levar-se o seguinte facto à Relação dos Factos Provados da sentença: “A demência da C..., resultante da doença de Alzheimer iniciou-se no mês de Maio de 2.010.” 10.ª Na resposta aos documentos juntos pela Ré no Proc. 6/18.3 T8ORM a A. juntou os documentos 25 e 26 que acompanhavam a sua Réplica e que mais não são do que a sentença francesa que tutelou a C... e a sua tradução, e cujo teor deverá ser aditado aos Factos Provados nos termos seguintes: “A C... foi colocada sob tutela por decisão de 10.04.2012 desse tribunal francês, por estar provada a alteração das suas faculdades e nomeado um tutor para o exercício dos seus interesses patrimoniais e pessoais. Que, além disso, o seu estado exclui qualquer lucidez, sob o ponto de vista eleitoral, pelo que lhe foi suprimido o seu direito de voto.

    Que para a decisão foi considerado o certificado Médico passado aos 30/11/2011 pela Drª (…), médica especialista inscrita na lista estabelecida pelo Procurador da República.” 11.ª Devem, ainda, como “supra” se fundamentou, ser aditados à relação dos Factos Provados, os dois seguintes: “1 – A C... encontrava-se a viver em França, em casa da filha mais nova B..., Ré neste processo, para onde esta a levou à revelia e contra a vontade da outra filha, Autora nestes autos.

    e 2 - A C... encontrava-se incapaz de entender o sentido das declarações que constam do testamento.” 12.ª Assim, e mesmo que não se considere a nulidade da sentença, sempre esta deve ser revogada, uma vez que a A. provou, como lhe competia, que a C... se encontrava, desde 10/05/2010, já antes do testamento, num estado de demência resultante da doença de Alzheimer que a impedia de querer e compreender, comprovado medicamente, enquanto a Ré não cumpriu o ónus que a lei lhe impunha de provar que a C... se encontrava, no acto da outorga do testamento, com capacidade para entender o testamento e querer de livre vontade o que dele constava.

    13.ª O MMº Juiz além de proferir uma sentença nula nos termos do art.º 615º nº 1 al. c) do C.P.C., violou, ainda, o disposto no artigo 2199º, ao absolver a Ré dos pedidos formulados pela Autora nos presentes autos.

    Nestes termos, e invocando ainda o douto suprimento de V. Excias, deve ser dado provimento ao presente recurso, em conformidade com as antecedentes conclusões e respectivos fundamentos, como é de direito e de JUSTIÇA! 7.

    Não se mostram juntas contra-alegações.

    O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

    Colhidos os vistos legais, cumpra apreciar e decidir.

    * II – Objecto do recursoO objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.

    Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões: (i) Da nulidade da sentença; (ii) Da alteração da matéria de facto; e (iii) Da reapreciação jurídica da causa, no sentido de apurar se ocorre fundamento para a pretendida anulação do testamento por incapacidade da testadora.

    * III – FundamentaçãoA) - Os Factos A.1.

    Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos [constam assinalados a negrito os factos alterados ou aditados no recurso]: 1. A A. e a R. são filhas de C....

  5. No processo de interdição nº 257/15.2T8ORM, que correu termos neste Juízo Local Civil do Tribunal de Ourém, foi proferida sentença em 11-5-2016, transitada em julgado em 15-6-2016, onde foi declarada a interdição da referida C..., onde foi declarado que a data do inicio da incapacidade da interdita seria no mês de Maio de 2010, onde a A. foi nomeada tutora da interdita, e a R. foi nomeada protutora.

  6. No processo de acompanhamento de maior referido em 2) ficaram provados os seguintes factos: “A) O requerido não soube dizer o seu nome. B) Não conseguiu indicar a sua idade. C) Desconhece o valor do dinheiro. D) Não sabe referenciar o...

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