Acórdão nº 08P2958 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelRODRIGUES DA COSTA
Data da Resolução18 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. RELATÓRIO 1.

    No Tribunal Judicial da Comarca de Tavira, no âmbito do processo comum colectivo n.º 401/04.5JAFAR, foram julgados, entre outros, os arguidos AA, BB, CC e DD, sob acusação do Ministério Público de terem praticado os seguintes ilícitos criminais: um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 28.º, n.ºs 1 e 3, do DL 15/93, de 22/01, quanto ao primeiro arguido, e pelo art. 28.º, n.º 2, do DL 15/93, de 22/01, relativamente aos restantes referidos arguidos; um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1, e 24.º, als. b), c), f) e j), com referência à tabela I-C anexa, do mesmo diploma; seis crimes de falsificação (de matrícula), pp. e pp. pelo art. 256.º, n.º 1, al. c), do CP; onze crimes de receptação, pp. e pp. pelo art. 231.º, n.º 1, do CP; nove crimes de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 275.º, n.º 1, do CP, com referência aos arts. 10.º, al. a), do DL 37313, de 21-02-1949, e 3.º, n.º 1, als. c) e g) do DL 270-A/75, de 17/04; e dois crimes de detenção ilegal de arma de defesa, pp. e pp. pelos arts. 1.º, n.º 1, al. d), e 6.º da Lei 22/97, de 27/06.

    No final foram condenados nos seguintes termos: - AA, pela prática, em autoria material, com dolo directo, sob a forma consumada, de um crime de chefia de associação criminosa, p. e p. pelo art. 28.º, n.ºs 1 e 3, do DL 15/93, de 22/01, na redacção introduzida pela Lei 45/96, de 03/09, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão, e pela prática, em co-autoria material, com dolo directo, sob a forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, na pena de 8 (oito) anos de prisão; em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 20 (vinte) anos de prisão; - BB, DD e CC, pela prática, cada um deles, em co-autoria material, sob a forma consumada, de um crime de prestação de colaboração e adesão a associação criminosa, p. e p. pelo art. 28.º, n.º 2, do DL 15/93, de 22/01, na redacção introduzida pela Lei 45/96, de 03/09, nas penas, respectivamente, de 8 (oito) anos de prisão, 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, e 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

    1. Inconformados com a decisão, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Évora, que, por decisão de 01/07/2008, declarou a improcedência dos recursos, mantendo o acórdão recorrido.

    2. Ainda inconformados, recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo os recursos dos arguidos BB, CC e DD já sido julgados em conferência e mantida, pelo que lhes dizia respeito, a decisão recorrida, por acórdão de 16/10/2008, tendo o recorrente AA requerido, isoladamente, a realização de audiência de julgamento.

      Esse arguido extraiu da respectiva motivação as seguintes conclusões: «B: Conclusões: B1: O recorrente requer que se proceda à realização de audiência, nos termos do artigo 411º, nº 5 do Código de Processo Penal, pretendendo ver debatidos os seguintes pontos da precedente motivação: A2 a A9.

      Ora, B2: conclui liminarmente o arguido da forma que genericamente o fez na motivação anterior, isto é, pela inequívoca inconstitucionalidade do anterior nº 3 do artigo 188º do Código de Processo Penal. Se não, vejamos: B3: o nº 4 do artigo 34º da Constituição da República, materializa, em si mesmo, um comando constitucional inconstitucional, por violação do disposto no nº 2 do artigo 8º da Convenção Europeia o qual só permite a devassa nas telecomunicações, mesmo no âmbito criminal, em casos de actividade preventiva da criminalidade. Ora, B4: a ressalva operada na parte final do assinalado nº 4 é irrestrita, permitindo o intrusismo nesse meio de correspondência num momento posterior da actividade policial, o propriamente investigatório ou processual, pelo que toda a regulamentação do meio de obtenção da prova "escutas telefónicas", contido nos artigos 187º a 190º do Código de Processo Penal, de iure constituto, padece do referido vício, pelo que a mesma não pode ser aplicada pelos tribunais, como preceitua o artigo 204º da Constituição B5: e, por conseguinte, toda a assunção probatória dos presentes autos, baseada exclusiva, predominante ou também nelas, não pode ser levada em conta pelos julgadores. Ora, B6: servindo ou podendo servir esse meio de obtenção da prova, sobretudo quando não acompanhado da coonestação material das "provas" obtidas mediante o referido meio de intromissão na correspondência - como sucedeu no caso dos autos - para obter confissões verdadeiramente extorquidas e, como tal, contornar a proibição da auto-incriminação, à mesma conclusão sempre se chegaria por violação da garantia decorrente da alínea b) do nº 3 do artigo 14º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o qual, à semelhança da assinalada Convenção Europeia, por força do disposto nos artigos 8º e 16º da Constituição, se sobrepõe ao direito interno, ainda que de fonte constitucional ou, hoc sensu, não "legislado".

      B7: E mais: como assinalou o memorável acórdão do Tribunal Constitucional relatado pelo Ex.mo Conselheiro Doutor Paulo Mota Pinto, a desconsideração do que vem de acentuar-se coenvolve a violação da vertente do princípio do Estado de Direito consagrado em diversos comandos constitucionais, como o do artigo 2º e 9º, alínea b), da chamada "lide leal" (artigo 32º, nº 1 da norma normarum). Ora, B8: ainda que assim não se considerasse, ao mesmo resultado sempre se chegaria por força de outra ordem de razões. Na verdade, a Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto constitui, em inúmeros dos seus comandos, um diploma interpretativo, nos termos do artigo 13º do Código Civil, como tal materializando uma interpretação autêntica, isto é, feita pela via legal. É o caso dos artigos 187º e 188º do Código de Processo que eram objecto, em alguns dos respectivos sectores, de controvérsia no domínio da redacção anterior, como o mostram os desencontrados entendimentos jurisprudenciais - sobretudo no Tribunal Constitucional - e doutrinais. Ora, B9: na referida qualidade, a sua aplicação imediata impõe-se - como se imporia, desde logo, face ao disposto mais especificamente no nº 1 do artigo 5º do Código de Processo Penal - não coenvolvendo qualquer retroactividade. Como assim, B10: face à actual redacção do nº 6 do artigo 188º, norma de cariz excepcional, por um lado e sobretudo dos nos 12º e 13º do mesmo inciso, o primeiro deles estabelecendo o regime geral acerca da chamada "desmagnetização" das escutas telefónicas, sempre haveria de concluir-se como se fez no anterior recurso: a eliminação física dos suportes magnéticos nos quais se encontravam incorporadas as "conversas" tidas como irrelevantes para a investigação acabou por constituir um intolerável gravame para os direitos de defesa do recorrente, nos termos plenos que lhe são assegurados pelo nº 1 do artigo 32º da Constituição da República B11: pelo que, quaisquer provas assim obtidas, não podem ser contraditadas com plenitude. Logo, B12: ao desconsiderar este prisma argumentativo e ao fixar, nos termos em que o fez, a matéria de facto, o Tribunal da Relação de Évora errou clamorosamente, impondo-se que V.as Ex.as, com outro saber e experiência acrescida - para além da suma responsabilidade moral e de cidadania de serem membros do mais alto dos órgãos de soberania "Tribunais" - revoguem esse acórdão, determinando aos seus ilustres subscritores a reapreciação da prova com base apenas nos meios legalmente aproveitáveis. Acresce que, B13: a título de orbiter dictum sempre se referirá ser irrito o entendimento que fez vencimento no acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional nº 70/2008, aresto este que padece de diversos erros de concepção a nível conceitual que o inquinam e que sistematicamente partiu do senecto princípio do segredo do segredo de justiça à outrance, na fase do inquérito, como se o artigo 86º do Código de Processo Penal, na redacção em vigor, estabelecesse a mesma disciplina, daquela redacção, em tal matéria, sua precedente. Ora, B14: estando já em vigor o novo regime do segredo de justiça, decorrente da redacção que para o artigo 86° do Código de Processo Penal adveio da já referida Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, é imperdoável que os Senhores Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, ou parte deles, tenham considerado as coisas - permita-se a forma de dizer - desconsiderando-as. Como assim, B15: demonstrada a intolerável irritude de tal acórdão, disso devem ser retiradas as côngruas e legais consequências que são, desta óptica prismática, aquelas acima referidas na conclusão B12 do presente recurso. Na verdade, B16: o dito acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional é de tal jeito paradoxal que apontou como melhor caminho aquele já em vigor, desatendendo, pois, conhecimentos elementares sobre a aplicação das leis no tempo e sobre as categorias de normas e, de entre estas, a do artigo 13º do Código Civil.

      B17: Aliás, à solução acabada de preconizar sempre chegaria também quem não tivesse obliterado o comando do nº 1 do artigo 5º do Código de Processo Penal, norma de direito legislado de conteúdo análogo à dos preceitos formalmente constitucionais (artigo 17º da Constituição) e que, de parelhas, além do mais, com o disposto mo artigo 2º, nos 2 e 4 do Código Penal, integram o princípio da aplicação da lei penal mais favorável, como é imposto pela parte final do nº 4 do artigo 29º da Constituição.

      B18: Acresce que o acórdão recorrido, uma vez mais, errou no que toca à interpretação e aplicação do disposto nos nos 1 e 3 do artigo 28º do Decreto-Lei nº 15/03, de 22 de Janeiro, na redacção que lhe adveio da lei nº 45796, de 3 de Setembro B19: pelo que o arguido/recorrente deve ser absolvido da alegada comissão desse delito. A terminar: B20: ainda que todo o argumentário expendido acima, sintetizando o alegado em sede de motivação não lograsse percutir os espíritos de V,as Ex.as - o que só por cautela de patrocínio se admite uma vez que o mesmo deve ser tão minucioso que premuna um eventual erro judiciário - sempre V.as Ex.as, no...

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