Acórdão nº 08P1954 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelSIMAS SANTOS
Data da Resolução04 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. A arguida C... SA, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão da Relação de Coimbra, de 19.12.2007 (proc. n.º 111/07.1TBOFR.C1), que rejeitou o recurso interposto da sentença que apreciara a impugnação judicial por si deduzido, por considerar "ter sido extemporaneamente interposto", com base no entendimento de que "o prazo para a interposição de recurso no processo de contra-ordenação, bem como o prazo para a respectiva resposta é nos termos do art. 74° n.°s 1 e 4 do Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas, o de 10 dias, invocando, como fundamento de tal recurso, o acórdão de 27.9.2006 da Relação do Porto (proc. n.º 0612060/06).

    Este Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 19.6.2008, concluiu pela ocorrência de oposição de julgados e ordenou o prosseguimento do processo, com a notificação dos interessados para os efeitos do disposto no art. 442.º do CPP.

    Vieram alegar, o Ministério Público e a recorrente C..., S.A.

    O Ministério Público concluiu, da seguinte forma, a sua alegação: 1º - O Acórdão n.º 27/2006 do Tribunal Constitucional que declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ... da norma constante do n.º 1 do artigo 74º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, conjugada com o artigo 411º do Código de Processo Penal, quando dela decorre que, em processo contra-ordenacional, o prazo para o recorrente motivar o recurso é mais curto do que o prazo da correspondente resposta, por violação do princípio da igualdade de armas, inerente ao princípio do processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20º da Constituição, partiu do pressuposto constante das decisões que fiscalizou de que o prazo para a resposta ao recurso em processo de contra-ordenação era de 15 dias.

    1. - A correcção deste pressuposto assumido em sede de direito ordinário não foi alvo de apreciação constitucional; 3ª - Reiterou, apenas, os princípios constitucionais da igualdade e do processo equitativo constantes dos art. s 13.º e 20.º, n.º 4 da CRP: inadmissibilidade interpretativa conducente a prazos diferenciados para interposição de recurso e correspondente resposta; 4.ª - O direito contra-ordenacional constitui um direito próprio, um sistema autónomo que tem em si as suas regras e as suas excepções, apresentando-se como especial por razões de celeridade e eficácia do sistema; 5.ª - Este sistema autónomo, no art. 74.º, n.º 1, expressamente fixou o prazo de dez dias para a interposição de recurso em processo de contra-ordenação, remetendo a sua tramitação para o direito subsidiário (o processo penal), 6.ª - Salvaguardando, no entanto, as especialidades resultantes do regime contra-ordenacional - n.º 4 do mesmo preceito -, ou seja, com as necessárias adaptações dos preceitos aplicáveis do processo criminal - art.º 41.º do RGCO; 7.ª - E tal prazo, que foi comum na versão originária do Dec.-Lei 433/82 e Código Processo Penal de 29 e entre a vigência do Dec.-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro e a alteração introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, foi, desde então, mantido inalterado no RGCO, apesar dos alargamentos ocorridos no processo penal efectuados por este último diploma (15 dias) e pela Lei n.º 48/2007 (20 dias).

    2. - Expressou, pois, o legislador a sua vontade de forma perceptível transmitindo o sentido logicamente legal da norma, fixando na letra do preceito do direito especial o prazo de 10 dias para a interposição do recurso.

    3. - Assim, face aos princípios constitucionais do processo equitativo e de igualdade de armas e interpretação sistemática dos preceitos enunciados, a adaptação ocorrerá no direito subsidiário aplicável, para o qual é remetida a tramitação do recurso.

    10.º - Conclui-se, pois, que o prazo de interposição do recurso no processo de contra-ordenação é o que consta do art.º 74.º, n.º 1 do RGCO, conforme vontade expressa do legislador, sendo o da correspondente resposta idêntico, por imperativos constitucionais.

    E propôs a seguinte formulação para a fixação de jurisprudência: «Considerando o n.º 1 do art. 74.º do RGCO e o princípio constitucional do processo equitativo (art. 20.º, n.º 4 da CRP), em processo de contra-ordenação, é de dez dias o prazo de interposição de recurso e de apresentação de resposta» Por sua vez, a recorrente, na sua alegação, concluiu:

    1. Sendo o prazo para a resposta ao recurso em processo contra-ordenacional de 15 dias, nos termos do art. 413°, n.° 1, do CPP, aplicável por fora do disposto no n.º 4 do art. 74.º RGCO, tal implicará que seja também de 15 dias o prazo para interposição do recurso.

    2. Embora o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.° 27/2006, não explicite esta conclusão, ela resulta da declaração de inconstitucionalidade proferida, pois estava-se perante casos em que a interposição de recurso havia sido efectuada após o termo do prazo de 10 dias, mas dentro do prazo de 15 dias após sentença/despacho que decidiu a impugnação judicial.

    3. No acórdão fundamento e em todos os acórdãos, inclusive da Relação de Coimbra, publicados até à data em que a recorrente interpôs o seu recurso (15.05.2007), supra citados, foi acolhido o entendimento de que são 15 dias os prazos para interpor recurso e para lhe responder, no âmbito do processo contra-ordenacional.

    4. A "interpretação sistemática" propugnada pelo acórdão recorrido, no sentido de que o prazo de resposta ao recurso em processo contra-ordenacional deverá ser também de 10 dias, afigura-se inadmissível, por não ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. art. 9°, a° 2, do CC).

    5. Determinando o art. 74°, n.° 4, do RGCO que as lacunas na regulamentação da tramitação do recurso em processo contra-ordenacional deverão ser preenchidas através da aplicação subsidiaria do regime previsto para o processo penal, não será legítimo "adaptar" de 15 para 10 dias o prazo estipulado no ar. 413°, a° 1, do CPP para resposta ao recurso, porquanto tal consubstanciaria, na realidade, à aplicação de uma norma criada pelo intérprete, em violação do princípio da legalidade do processo contra-ordenacional, consagrado no art. 43° do RGCO.

    6. "Ler" 10 dias, onde se diz expressamente que são 15 dias que o recorrido dispõe para responder ao recurso, implicaria uma interpretação/aplicação correctiva postergada pelo art. 8°, n.° 2 do CC G) Não pode conceber-se que fique disposição dos tribunais o poder de definir qual o prazo para interposição do recurso - recurso que se apresenta como uma garantia suprema da defesa dos cidadãos - muito menos, a posteriori, isto, num momento posterior ao da prática do acto, H) Face aos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica, corolários do princípio do Estado de Direito (art. 2° da CRP), esperar-se-ia que, no caso sub judice, a ter que determinar-se o prazo aplicável à interposição de recurso, essa decisão fosse sempre no sentido de optar pela solução mais favor arguida, ou seja, pelo prazo de 15 dias para a interposição de recurso.

    E sugeriu, para a fixação de jurisprudência, a seguinte formulação: "O prazo para interposição de recurso da sentença ou do despacho proferido pelo Tribunal de 1ª instância em processo de contra-ordenação, que aprecie a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, bem como o prazo para a resposta àquele recurso, são os previstos nos artigos 411.º, n.º 1 e 413.°, n.° 1, do Código do Processo Penal, que, na vigência da redacção introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, eram de 15 dias." Colhidos os vistos e realizada a conferência em Plenário das Secções Criminais, cumpre conhecer e decidir.

    2.1.

    E conhecendo.

    Como se relatou, este Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 19.6.2008, decidiu-se pelo prosseguimento dos autos, por se verificarem os necessários pressupostos, designadamente a oposição de julgados quanto à mesma questão de direito de direito: «qual o prazo de interposição de recurso em processo de contra-ordenação, nos termos do n.º 1 do art. 74.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO)?» O acórdão recorrido decidiu que esse prazo, bem como o prazo para a respectiva resposta é, nos termos do art. 74° n°s 1 e 4 do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, o de 10 dias, enquanto que o acórdão fundamento entendeu que, por força da declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art. 74.º, n.º 1 do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro (Ac. do Tribunal Constitucional n.° 27/2006, de 10 de Janeiro), é de 15 dias esse mesmo prazo, por força do disposto nos art.ºs 413° do CPP e 41° do DL n.º 433/82.» Está, pois, em causa a divergência sobre o prazo de interposição de recurso da decisão judicial em processo contra-ordenacional, (e da respectiva resposta), integrando como pressuposto a mencionada declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 1 do art. 74.º do RGCO conjugada com o art. 411.º, 1 do CPP, quando interpretada no sentido de admitir prazos diferentes para a interposição do recurso e correspondente resposta (Ac. n.º 27/2006).

    Mantém-se, assim, o entendimento de que se verifica a oposição relevante de acórdãos, afirmada pela secção em acórdão sobre a questão preliminar.

    2.2.

    Esta diversidade de posições é comum aos diversos Tribunais de Relação que têm divergido na solução a dar à questão controvertida.

    Assim, no sentido de que o prazo de interposição de recurso jurisdicional, em processo de contra-ordenação, é de 10 dias, pronunciaram-se as seguintes decisões: Da Relação de Coimbra: Ac. de 24-01-2001, CJ Ano XXVI, 2001, tomo I, pág. 53-54; Ac. de 09-06-2001, CJ Ano XXVI, 2001, tomo III, pág. 53, Ac. de 10-03-2004, Proc. n.º 3147/03, in www.dgsi.pt; Decisão (de reclamação) de 12-02-2007, Proc. n.º 241/05.4TBFND, in www.dgsi.pt; Ac. de 30-05-2007, Proc. n.º 2946/06, in www.dgsi.pt; Ac. de 21-11-2007, Proc. n.º 2716/06, in www.dgsi.pt; e Ac. de 19-12-2007, Proc. n.º...

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