Acórdão nº 108/09 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Março de 2009

Data10 Março 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 108/2009

Processo nº 634/08

  1. Secção

Relatora: Conse4lheira Maria João Antunes

Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Comarca de Leiria, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida Banco A., SA, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da sentença daquele Tribunal de 17 de Junho de 2008.

    2. A decisão recorrida homologou a lista definitiva de créditos apresentada pelo administrador da insolvência e graduou os créditos constantes de tal lista, recusando a aplicação do nº 2 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, na interpretação segundo a qual o privilégio mobiliário geral conferido à Segurança Social prefere sempre ao penhor, ainda que de constituição anterior, com fundamento em inconstitucionalidade. De tal lista constava um crédito do Banco A., SA, garantido por penhor sobre a aplicação financeira “Obrigações de Caixa Rendimento Cresce 6%” de que era titular a insolvente.

      Para o que cumpre apreciar e decidir importa transcrever o seguinte:

      (…)

      Nos termos do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 103/80, de 9 de Maio, os créditos decorrentes das contribuições para a Segurança Social e os respectivos juros de mora, gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se logo após os créditos referidos na alínea a) do n° l do artigo 747° do Código Civil, prevalecendo tal privilégio sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.

      Relativamente aos juros, o artigo 734º do Código Civil impõe uma limitação temporal, determinando que o privilégio creditório só abranja os juros relativos aos últimos dois anos, se forem devidos.

      Contudo, tal limitação não se encontra prevista no Decreto-lei nº 103/80 de 9 de Maio, pelo que, há-de entender-se que o legislador pretendeu consagrar um regime próprio para os juros relativos aos créditos em causa e à margem do regime geral consagrado no Código Civil.

      *

      Por sua vez, dispõe o artigo 666º nº 1 do Código Civil que, o penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.

      O penhor só produz os seus efeitos pela entrega da coisa empenhada, ou de documento que confira a exclusiva disponibilidade dela, ao credor ou a terceiro, podendo a entrega consistir na simples atribuição da composse ao credor, se essa atribuição privar o autor do penhor da possibilidade de dispor materialmente da coisa (artigo 669º do Código Civil).

      Por outro lado, nos termos do disposto no artigo 679º do mesmo código, as regras relativas ao penhor de coisas são extensivas ao penhor de direitos, com as necessárias adaptações, em tudo o que não seja contrariado pela natureza especial desse penhor ou pelo preceituado nos artigos 680º a 685º.

      Nos termos do artigo 681º nº 1 do Código Civil, a constituição do penhor de direitos está sujeita à forma e publicidade exigidas para a transmissão dos direitos empenhados.

      Ao que acresce que, nos termos conjugados dos artigos 397º e 402º do Código Comercial, para que o penhor seja considerado mercantil é mister que a dívida que se cauciona proceda de acto comercial, com ressalva das disposições especiais que regulam os adiantamentos empréstimos sobre penhores feitos por bancos ou outros institutos para isso autorizados.

      Importando considerar, contudo, que o Decreto nº 32 032 de 22 de Maio de 1942, estabeleceu, por seu turno, que, para que o penhor constituído em garantia de créditos de estabelecimentos autorizados produza efeitos em relação a terceiros, basta que conste de documento particular, ainda que o dono do objecto empenhado não seja comerciante.

      E que o penhor mercantil em relação ao crédito bancário é regulado igualmente pelo Decreto-Lei 29833 de 17 de Agosto de 1939 e por força do qual, produz os seus efeitos sem necessidade de o dono do objecto empenhado fazer a entrega dele ao credor ou a outrem.

      *

      Ponderando o supra exposto, há que concluir que o privilégio creditório mobiliário geral de que beneficiava o crédito do Estado, identificado no nº 1 da alínea g), referente a IRS do ano de 2004, cuja data limite de pagamento ocorreu no dia 12/10/2005, se extinguiu, atento a data da sua constituição e o disposto no artigo 97º nº 1 alínea a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

      E o mesmo se refira relativamente ao crédito do Instituto de Segurança Social identificado em e), relativo a contribuições em divida desde Outubro de 2004 até Novembro de 2006.

      *

      Por outro lado, importa ainda aferir da preferência do crédito Instituto de Segurança Social, IP – Centro Distrital de Segurança Social de Leiria, identificado sob a alínea d), relativo a contribuições em divida desde Dezembro de 2006 até Janeiro de 2008 relativamente ao crédito reclamado pelo Banco A., S.A. no montante de € 25.000,00 e identificado sob a alínea h), crédito garantido por penhor sobre a aplicação financeira identificada como verba nº 1.

      Como se referiu, nos termos do disposto no artigo 666º do Código Civil, o penhor confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro.

      Todavia, o legislador consagrou uma excepção no que se refere a tal preferência legal, já que, expressamente previu no artigo 10º nº 2 do Decreto-lei nº 103/80, de 9 de Maio, que o privilégio mobiliário geral conferido aos créditos da segurança social prevalecessem sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.

      Assim, à partida, ainda que o penhor de que beneficia o crédito do Banco A., S.A. seja anterior, caberia graduá-lo após o referido crédito da Segurança Social.

      Cumpre, todavia, ter presente que, no acórdão do Tribunal Constitucional nº 363/2002 publicado no DR de 16/10/2002, decidiu-se declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do principio da confiança, das normas constantes do artigo 11º do Decreto-lei nº 103/80, de 9 de Maio, na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à segurança Social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751º do Código Civil.

      Como ali se deixou expresso, citando outros arestos, o principio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição da Republica Portuguesa, “postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar”

      Entre as razões fundamentadoras de tal decisão – para lá das razões que se prendem com a segurança jurídica decorrente do registo predial – apontaram-se razões que se prendem com o principio da confidencialidade tributária, o qual impossibilita os particulares de previamente indagarem se as entidades com quem contratam são ou não devedoras ao Estado ou à Segurança Social.

      Ali se referiu igualmente que, “não se encontrando este privilégio sujeito a limite temporal e atento o seu âmbito de privilégio "geral", e não existindo qualquer conexão entre o imóvel onerado pela garantia e o facto que gerou a dívida (no caso à Segurança Social), ao contrário do que sucede com os privilégios especiais referidos nos artigos 743º e 744º do Código Civil, a sua subsistência, com a amplitude acima assinalada, implica também uma lesão desproporcionada do comércio jurídico”.

      E que o “princípio da confiança é violado na medida em que, gozando o privilégio de preferência sobre os direitos reais de garantia, de que terceiros sejam titulares, sobre os bens onerados, esses terceiros são afectados sem, no entanto, lhes ser acessível o conhecimento quer da existência do crédito, protegido que está pelo segredo fiscal, quer do ónus do privilégio, devido à inexistência de registo”.

      Como bem salienta MIGUEL LUCAS PIRES (Dos Privilégios Creditórios: Regime Jurídico e sua Influência no Concurso de Credores, Coimbra, 2004, p. 132), “os fundamentos utilizados pelos arestos que consideraram inconstitucional a aplicação do regime do art.° 751.° aos privilégios imobiliários da Segurança Social - a falta de publicidade a falta de conexão entre o bem sobre que recai a garantia e a causa do crédito, a inexistência de limite temporal e a existência de garantias alternativas - são perfeitamente extensíveis ao regime delineado pelo n.° 2 do art.° 10.°para os privilégios mobiliários gerais.

      Nem se diga que, pelo facto de se tratar de bens móveis e de estes não se encontram sujeitos a registo nunca o titular de uma garantia real poderia, ao constituir o seu direito, ter absoluta certeza quanto à inexistência de outra garantia anterior.

      Antes de mais, o argumento não procede quanto aos bens móveis sujeitos a registo, mas mesmo relativamente aos demais não colhe, uma vez que a questão aqui em causa prende-se com a prevalência de um privilégio geral - incidente sobre bens móveis ou imóveis - sobre qualquer direito real de garantia, ainda que anterior, com a consequente paralisação do direito de preferência inerente a estes direitos reais”.

      Subscrevendo-se, de igual forma, o entendimento vertido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de...

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