Acórdão nº 1825/09.7TBSTS.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução01 de Julho de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. – RELATÓRIO.

Os Autores AA e esposa, BB, intentaram, em 24-04-2009, na Comarca de Santo Tirso – 3º Juízo Cível, a acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra os Réus CC, DD e esposa, EE, tendo pedido a respectiva condenação dos Réus a: “

  1. A reconhecerem que o A. marido é dono e legitimo possuidor, com exclusão de outrem, do prédio identificado no art. 1º da petição [prédio rústico sito no Lugar …, ..., inscrito na Matriz sob o artº … e descrito na Conservatória sob o n …].

  2. Que sobre os prédios doados ao 1º R. e melhor identificados no art. 10.º da petição, se encontra constituída uma servidão de passagem permanente, a pé, com tractores ou outros veículos automóveis, em beneficio do prédio do A. marido melhor identificado no Art.º 1º da petição, a qual se desenvolve no sentido nascente/poente, tendo o caminho uma extensão de cerca de 27 m de comprimento e uma largura média de 5 a 5,5 m, e pelo qual se faz o acesso do prédio do A. marido para a via pública (a nascente) e da via pública para este prédio.

  3. A retirarem as colunas e portão melhor referido no Art. 21 da petição [implantados sobre o leito do caminho, nas proximidades da via pública e a vedar o acesso], e a estrutura de ferro e rede referida no antecedente Art. 26 da petição [sobre a entrada rampeada e igualmente a vedar a entrada], repondo assim o traçado do caminho de servidão do prédio dos AA, desde a entrada referida no Art. 12º [parte norte do prédio dos AA] até à via pública a nascente, livre de obstáculos que impeçam o acesso dos AA. a pé e com veículos, da via pública ao seu prédio e vice-versa, sempre que o desejem.

  4. A pagar aos AA. uma indemnização pelos danos materiais e não materiais descritos sob os Arts. 45 a 50 da petição [derivados do impedimento de acederem e cultivarem o seu prédio], a liquidar em sede de execução de sentença.” Substanciaram os pedidos com a factualidade que a seguir, em súmula queda extractada: - O A. marido é dono e legítimo possuidor de certo prédio rústico situado no Lugar da … (id. no item 1 da pi), adquirido por sucessão hereditária, e por usucapião e cuja propriedade se encontra a seu favor registada. Tal prédio (verba 9 da relação de bens apresentada no Inventário) fazia parte, com outros contíguos, de um conjunto, formado por dois urbanos e três rústicos, pertencente ao de cujus.

    - Dois outros prédios desse mesmo conjunto (verbas 6 e 8) foram adjudicados à Cabeça de Casal e esta, por sua vez, doou-os ao 1º R. (CC).

    - Desde tempos imemoriais, mas seguramente desde há mais de 20 anos, o acesso permanente de pessoas, a pé e com veículos, nomeadamente, tractores agrícolas e outros automóveis, do prédio do A. para a via pública – situada a nascente – e vice-versa, se vem fazendo através de um caminho (de servidão) implantado sobre aqueles dois prédios doados ao 1º R.. Com efeito, na parte norte do prédio do A. – na confrontação com o referido caminho –, existe uma abertura rampeada que faculta o acesso directo daquele a este, sendo que, nos dois prédios do citado 1º R, existe um caminho hoje pavimentado a cubos de granito, de largura variável mas em média com cerca de 5 a 5,5 metros, que se desenvolve em rampa de nascente para poente e cujo lado sul define a estrema com o prédio do A..

    - Até há cerca de 5-6 anos esse caminho, nas proximidades da via pública (situada a nascente) não era vedado, era constituído por terra “batida”, nele eram visíveis, permanentemente, em toda a sua extensão, por toda a gente, sulcos e trilhos marcados pela passagem de pessoas e veículos para o prédio do A.. Assim, os AA, para acederem ao seu prédio, partiam do referido caminho público (localizado a nascente dele), passavam no dito caminho (o de servidão), neste percorriam cerca de 27 m e, flectindo, depois, para a sua esquerda, entravam naquele através da descrita abertura rampeada; no regresso, faziam percurso inverso.

    - Assim era e se procedia já no tempo em que o prédio dos AA e os dos RR pertenciam todos ao mesmo dono (o de cujus) – tendo-se, com a separação, constituído uma servidão de passagem por destinação de pai de família ou, caso assim se não entendesse, por usucapião.

    - Porém, há cerca de 5 anos, o 1º R. e seus pais (2ºs RR), implantaram sobre o leito do caminho (de servidão) e nas proximidades da via pública, sem autorização dos AA, umas colunas e um portão, que veda no sentido transversal todo o caminho de servidão, impedindo o acesso a quem não disponha de chaves para o abrir.

    - Nessa ocasião, os RR ainda entregaram aos AA uma chave desse portão para eles o abrirem e passarem de e para o seu prédio sempre que necessitassem.

    - Adrega que, há cerca de três anos atrás, os RR. mudaram a fechadura do dito portão, mas não entregaram (e recusam-se a entregar) aos AA. a nova chave, com o que estes ficaram impedidos de aceder ao seu prédio. Ainda na mesma ocasião, os RR mandaram colocar uma estrutura feita de tubo e rede de arame (tipo cancela), sobre a referida entrada rampeada, igualmente impeditiva do acesso ao prédio dos AA. Como este se situa a uma cota em média de mais de 3 m acima, em relação à via pública confinante (lado nascente) e a delimitação é feita por muro granítico, de nenhum outro acesso dispõem, a não ser naquele colocando uma escada móvel. - O facto de se verem impedidos de exercer sobre o seu prédio os actos que pretendiam e lhes são facultados como deles, proprietários, lhes causa danos patrimoniais e não patrimoniais, impossíveis de liquidar ainda.

    Na contestação que opuseram ao peticionado pelos demandantes, vieram a refutar a existência de servidão de passagem (por qualquer das formas de constituição alegadas), impugnando a matéria de facto articulada relativa aos alegados sinais visíveis e permanentes reveladores da serventia (que dizem não existir e, por isso, inviabilizar a constituição por usucapião), à confrontação do prédio, a norte, com o caminho dos RR (que dizem ser com terreno onde se encontram castanheiros e um loureiro e não aquele), negando a existência de qualquer passagem, rampa ou acesso, sendo certo que o caminho a que se referem os AA foi pelo 1º R construído há cerca de 7 anos quando construiu um prédio urbano e dele necessitou para possibilitar a entrada de veículos (que a entrada existente no local “oposto” não permitia) e que o acesso ao prédio do 1º R. se fazia pela parte superior dos prédios e não pelo caminho alegado, que é obra recente. Nunca os AA exerceram actos de posse sobre o prédio de que se arrogam proprietários nem sobre o alegado acesso, nunca por este passaram (a pé ou com qualquer veículo). Os autores nunca deram ao prédio destino ou demonstraram interesse económico no cultivo do mesmo, podendo aceder dele à via pública, bastando para tal retirar terra junto a esta. O prédio dos AA nunca fez parte de um conjunto de prédios que o de cujus (pai do A e avô do 1º R) administrasse ou fruísse como um todo.

    Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida a decisão sobre a matéria de facto – cfr. fls. 279 a 285 – e na sentença prolatada veio a ser decidido: “(…) o tribunal julga parcialmente procedente a acção e, em consequência: 1. Condena os réus:

  5. A reconhecer que o A. marido é dono e legitimo possuidor do prédio melhor identificado no art. 1º da petição; b) Que sobre os prédios doados ao 1º R e melhor identificados no art. 10º da petição, se encontra constituída uma servidão de passagem permanente, a pé, com tractores ou outros veículos automóveis, em benefício do prédio do A. marido melhor identificado no Art. 1º da petição, a qual se desenvolve no sentido nascente/poente, tendo o caminho uma extensão de cerca de 27 m de comprimento e uma largura não inferior a 1,70 metros mas também não superior a 2 metros, e pelo qual se faz o acesso do prédio do A. marido para a via pública (a nascente) e da via pública para este prédio; c) A franquearem aos autores a passagem de pessoas e veículos pelo caminho de servidão, designadamente através da entrega àqueles de uma chave do portão melhor referido no Art. 21º da petição, repondo assim o traçado do caminho de servidão do prédio dos AA, desde a entrada (abertura rampeada) referida no Art. 12º da petição até à via pública a nascente, livre de obstáculos que impeçam o acesso dos AA. a pé e com veículos, da via pública ao seu prédio e vice-versa, sempre que o desejem.

  6. A pagar aos AA. uma indemnização pelos danos patrimoniais descritos no ponto 33 da apurada factualidade, a liquidar ulteriormente em incidente de execução.

    1. No mais, absolve os réus dos pedidos formulados pelos autores.” Irresignados, impulsaram os demandados, recurso de apelação, que, a 19 de Setembro de 2014, veio a obter decisão de conformidade com o julgado proferido na 1.ª instância, com unanimidade de todos os Senhores Juízes Desembargadores intervenientes no Colectivo.

      Detectada contradição entre uma questão apreciada no aresto – pressupostos da reapreciação, pelo Tribunal de 2.ª instância, da decisão de facto – exalçaram, os recorrentes, CC e outros, recurso de revista excepcional, que por douto acórdão da comissão de formação de apreciação preliminar, de 22 de Abril de 2014, obteve pronúncia positiva. Nas conclusões – cfr. fls. 420 a 440 – os recorrentes pugnam pela existência de contradição do julgado – não conhecimento, ou rejeição, da impugnação da decisão de facto, por ausência de referência/indicação (especificada) aos concretos passos da gravação da prova produzida em audiência - com o decidido no douto acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Julho de 2013, proferido na revista n.º 1727/07.1TBSTS-L.P1.S1 [[1]] – para além da eventual relevância jurídica da questão em pleito – o que justificaria a admissibilidade da peticionada revista excepcional. I.A. – QUESTÕES A MERECER APRECIÇÃO.

      Em vista da pronúncia da comissão de formação de apreciação preliminar dos pressupostos da excepcionalidade da revista – foi afastado o pressuposto da relevância jurídica da questão objecto do litígio -, a...

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