Acórdão nº 1429/11.4TBPNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução20 de Março de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

o Processual Entidade Observações A 20/06/2011, a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ..., CRL, intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra BB e ..., S. A., pedindo: a) – Que seja declarada a ineficácia em relação à Autora da venda titulada pela escritura pública celebrada em 13/09/2010, outorgada no “Cartório Notaria de Penafiel - Dr. ...” perante o Notário Dr. ..., pela qual o réu António vendeu à ré ..., pelo preço de € 77.000, a fracção autónoma designada pela letra “O”, composta por uma habitação e um lugar de garagem, e que faz parte do prédio urbano afecto ao regime de propriedade horizontal, sito no Lugar do Trinta e Três, freguesia de Bustelo, concelho de Penafiel, descrita na Conservatória do Registo Predial (CRP) de Penafiel sob o n.º 820-O e inscrita na matriz sob o artigo 963-O; b) – Que seja reconhecido e que sejam os Réus condenados a ver reconhecido à Autora o direito de executar o referido imóvel, agora propriedade da Ré ..., bem como o direito de, sobre esse imóvel, praticar os actos de conservação da garantia patrimonial, autorizados por lei; e, por último; c) - Seja declarada e reconhecida a má - fé dos Réus nas vendas/aquisições efectuadas, nomeadamente para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 616º, do Código Civil (doravante CC).

Alegou, em síntese, que é titular de créditos sobre o Réu, entre os quais se inclui um crédito, datado do ano de 2006, no montante de € 226.705,70, a que acrescem outros créditos, ascendendo o valor global em dívida a cerca de € 481.138,43.

Com o propósito de diminuir a garantia patrimonial do crédito da Autora, o Réu vendeu à Ré (uma sociedade de que é/foi sócio, em conjunto com os seus pais e irmãos e da qual ele próprio é administrador) o mencionado imóvel, que lhe pertencia, resultando deste acto de disposição a impossibilidade de a Autora obter a satisfação integral do seu crédito.

Os Réus, citados na pessoa do Réu (por si e em representação da Ré), não contestaram, pelo que foram considerados confessados os factos articulados pela Autora (artigo 484º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Cumprida a 1ª parte do n.º 2 do artigo 484º CPC, veio a Autora pugnar pela consideração dos factos alegados na petição inicial como provados, atendendo à aludida “confissão” e à prova documental junta, concluindo nos termos da petição inicial.

O Réu apresentou as alegações de fls. 252 - invocando diversos factos - que o Tribunal recorrido veio a considerar não escritos (fls. 287).

Na sequência de tais alegações, a Autora pediu, além do mais, a condenação do Réu como litigante de má - fé por pretender iludir o Tribunal sobre uma pretensa inexistência de dívida quando bem sabe que a dívida identificada nos artigos 2º, 28º e 38º da petição inicial existe, não beneficia de qualquer garantia para além do património do Réu e a garantia do crédito em causa foi manifestamente diminuída com a venda identificada na petição inicial.

Invocando o disposto no artigo 484º, n.º 3, do CPC, e tendo considerado “assentes todos os factos constantes de petição inicial e complementados pelos documentos juntos”, o Tribunal da 1ª Instância, depois de afirmada a adesão aos fundamentos de direito invocados na petição inicial, julgou a acção procedente e, em consequência, declarou a ineficácia em relação à “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ... C.R.L.” da venda titulada pela escritura pública celebrada em 13/09/2010, outorgada no “Cartório Notarial de Penafiel - Dr. ...” perante o Notário Dr. ..., pela qual o Réu BB vendeu à Ré “...”, pelo preço de € 77.000, o imóvel da freguesia de Bustelo, Penafiel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º 820-O, inscrito na matriz sob o artigo 963-O; e declarou reconhecido e condenou os Réus a ver reconhecido à “Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ... C.R.L. “o direito de executar o referido imóvel propriedade da Ré ..., bem como o direito de, sobre esse imóvel, praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei; e decidiu absolver os Réus do pedido de condenação por litigância de má - fé.

Inconformada e visando a revogação da sentença, a Ré ... apelou para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 21/03/2013, na parcial procedência da apelação e revogando nessa medida a decisão sob censura, declarou a ineficácia relativa do acto impugnado – e o consequente restabelecimento da garantia patrimonial diminuída, através da exposição do imóvel em causa aos meios legais conservatórios e executórios colocados à disposição da Autora – com o alcance (limitado) que se traduz no seguinte: “o direito da Ré adquirente apenas deverá ser afectado na medida da diferença entre a importância entregue à Autora (e que terá levado a autorizar o cancelamento da garantia hipotecária) e o valor real (valor de mercado) do imóvel objecto da impugnação pauliana – que tudo indica ser superior àquela importância – e que, na procedência da presente acção, poderá eventualmente vir a ser apurado no âmbito da acção executiva movida pela Autora (sendo o referido imóvel indicado à penhora).

E condenou a autora e a ré, em partes iguais, nas custas, nas instâncias.

Inconformadas, recorreram de revista a autora e a ré ..., pretendendo aquela que seja revogado o acórdão e confirmada a sentença da 1ª instância. Por sua vez, pretende esta a revogação do acórdão e que, em consequência, seja revogada também a sentença da 1ª instância, ou seja, pretende a absolvição do pedido.

Para tanto, formularam as seguintes conclusões: AUTORA: 1ª - O Acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, as normas dos artigos 610º, 611º e 616º do Código Civil, e 450º, 663º e 668º do Código de Processo Civil.

  1. - O Acórdão recorrido pronuncia-se sobre matéria sobre a qual, no âmbito do disposto nos artigos 610º e seguintes do Código Civil e das disposições processuais aplicáveis, não se poderia pronunciar (ou seja, sobre a matéria relativa à medida do interesse que o Autora terá aquando da execução do imóvel em apreço no património da Ré ...).

  2. - Os factos supervenientes que resultaram dos "novos elementos juntos em sede de recurso" e foram tomados em consideração pelo Acórdão recorrido, nos termos do disposto no artigo 663º do Código de Processo Civil, não são de molde a determinar a revogação, ainda que parcial da sentença da 1ª instância.

  3. - No modesto entender da Recorrente, o único efeito dos mencionados factos supervenientes reflecte-se na medida do seu direito de executar o imóvel vendido, nos termos do artigo 616º do Código Civil, podendo a Recorrente executar o imóvel na medida do seu interesse, ou seja, na medida do crédito que mantenha perante o Réu BB e que já tivesse aquando da instauração da acção.

  4. - O raciocínio expendido no Acórdão, com que se pretende impor ao direito da Autora — de exercitar a garantia geral das obrigações a que se reporta o artigo 601º do CC em relação ao único imóvel do Réu — uma "restrição" inerente aos actos que envolveram aquela e a Ré, através do apuramento do valor do imóvel e da dedução da importância que esta lhe pagou, não obstante o seu inegável brilhantismo, não tem apoio legal.

  5. - Segundo Antunes Varela (in Código Civil anotado, artigo 616º), a lei sacrifica "o acto apenas na medida do interesse do credor impugnante", mantendo-se esse acto "de pé, como acto válido, em tudo quanto excede a medida daquele interesse", do que decorre o entendimento de que a única "medida" a ter em conta é efectivamente a do interesse do credor, e não a do adquirente, ou a do eventual efeito que este tenha provocado no "valor real “(valor de mercado)" do imóvel.

  6. - Parece na verdade manifesto que o instituto da impugnação pauliana confere ao credor o direito à restituição ou execução dos bens independentemente das vicissitudes que entretanto ocorram relativamente a estes, que possam ter consequências no respectivo valor.

  7. - A consideração, que parece estar subjacente à decisão recorrida, da diferença entre o valor do bem no acto da alienação (impugnada) e o seu valor no acto da execução pelo credor, não vem prevista na lei e teria de o ser, se o legislador a reputasse relevante.

  8. - A demanda da Autora era totalmente fundada no momento em que a acção foi instaurada e a medida do seu direito apenas se alterou por factos imputáveis a ambos os Réus, que procederam ao pagamento parcial dos créditos daquela.

  9. - Tanto a sentença de 1ª Instância como o Acórdão recorrido decidem pela procedência da impugnação pauliana, sendo que a primeira não se pronuncia sobre a questão da "medida do interesse do credor" e o segundo pronuncia-se sobre tal questão, não podendo, assim, dizer-se que a sentença de 1ª Instância tenha sido, no essencial revogada, nem mesmo parcialmente.

  10. – As custas deverão ficar inteiramente a cargo destes mesmos Réus.

    RÉ: 1ª - Vem o presente recurso interposto do Acórdão que julgou parcialmente procedente a Apelação interposta pela ora recorrente, declarando "a ineficácia relativa do acto impugnado - e o consequente restabelecimento da garantia patrimonial diminuída, através da exposição do imóvel em causa aos meios legais conservatórios e executórios colocados à disposição da Autora - com o alcance (limitado) aludido em 11.17, supra", alcance limitado que foi considerado no Acórdão proferido porquanto, "comprovando-se que a Autora não deixou de ver satisfeita a importância em dívida referente ao seu crédito sobre o Réu, (…) afigura-se que o direito da Ré adquirente apenas deverá ser afectado na medida da diferença entre a importância entregue à Autora (e que a terá levado a autorizar o cancelamento da garantia hipotecária) e o valor real (valor de mercado) do imóvel objeto da impugnação pauliana - que tudo indica ser superior àquela importância".

  11. - Ora, a recorrente não pode conformar-se com a decisão proferida e por diversas razões.

  12. - A Sentença proferida, em 16/07/2012, em primeira instância, julgou a ação totalmente...

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