Acórdão nº 10105/17.3T8PRT.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelISAÍAS PÁDUA
Data da Resolução14 de Julho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1. O autor, “Banco Comercial Português, S.A.”, instaurou (no ano de 2017) contra os réus, AA e BB (doravante também designados, respetivamente, como 1º. Réu e 2ª. Ré), estes separados entre si de pessoas e bens, e todos com os demais sinais dos autos, a presente ação declarativa de simples apreciação, sob a forma de processo comum, pedindo:

  1. O reconhecimento do direito do autor a executar no património da ré BB, os bens imóveis a esta adjudicados no âmbito da partilha celebrada a 18/05/2012, até à satisfação do seu crédito; b) A declaração de ineficácia em relação ao autor da partilha celebrada pelos réus a 18/05/2012.

    Para o efeito, e em síntese, alegou o seguinte: Ser credor do réu AA, por ser legítimo portador de três livranças, 2 subscritas pela sociedade denominada “E..., S.A”, e 1 subscrita pela sociedade denominada “S..., Ldª.”, todas avalizadas pelo 1º. réu, vencidas a 04/11/2013 e a 12/06/2014, no valor global de € 217.277,30.

    Apresentou tais títulos a pagamento, mas sem sucesso, pelo que àquele capital em dívida acrescem ainda os juros moratórios cujo valor, à data da propositura da ação, computa em € 30.751,69 e o imposto de selo no montante de € 1.230,07, perfazendo a quantia total em dívida de € 249.259,05.

    A aquela sociedade E...

    veio a ser declarada insolvente, no âmbito do processo nº. 6/13...., por sentença de 12/11/2013, sendo certo que o autor, tendo aí reclamado o seu crédito, por falta de bens e pelo volume de créditos reclamados com preferência sobre o do autor, nada irá receber no âmbito desse processo.

    Por sua vez, o 1º. R. foi também declarado insolvente no âmbito do processo nº 868/14...., por sentença de 25/11/2015, sendo certo que o autor, tendo aí reclamado o seu crédito, por falta de bens e pelo volume de créditos reclamados com preferência sobre o do autor, também nada irá receber no âmbito do referido processo.

    Em 18/05/2012, os réus, até então casados, decidiram separar-se judicialmente de pessoas e bens, procedendo à partilha dos bens comuns.

    Dado os concretos termos em que foi declarada, da referida partilha decorre para o autor uma diminuição da possibilidade de satisfação do seu anterior crédito sobre o 1º. R., na medida em que os bens imóveis foram adjudicados à 2ª. Ré e a quota-parte daquele R. foi preenchida com participações em sociedades que se encontravam insolventes.

    Na base daquele contrato de partilha celebrado entre os réus esteve a intenção de retirar do património do 1º. R. os seus bens mais valiosos, evitando a penhora dos credores.

    E com esse propósito, e visando a salvaguardar o bem mais valioso do património comum (a habitação onde ambos residem), fixaram valores falsos, por elevados, às participações sociais e atribuíram estas ao réu, e fixaram valores falsos, por reduzidos, aos imóveis, atribuindo-os à ré.

    Com tal procedimento, os réus impossibilitaram a satisfação do crédito do autor, o que os réus tinham perfeita consciência ao celebrarem a referida partilha nos termos em que o fizeram, sendo que a R. tinha igual consciência dos valores que estavam em dívida ao A., e pelo pagamento dos quais aquele estava responsabilizado.

    A favor da sua pretensão invocou o autor o regime jurídico consagrado nos artºs. 610º e ss. do Código Civil.

    1. Os réus contestaram (de forma autonomizada) a ação.

      2.1 O 1º. R., começou por aduzir, como questão prévia, o seguinte: Tendo o autor fundado o seu pedido na titularidade de crédito que resulta da subscrição de 3 livranças por terceiro e avalizadas pelo contestante e por um tal CC instaurado, foi judicialmente declarada, no âmbito dos autos de embargos ao de processo de execução, que entretanto fora instaurado, a prescrição da dívida cambiária relativamente ao outro avalista CC, o que, na sua ótica, configurava questão prejudicial relativamente ao objeto desta ação pedindo, por isso, a sua suspensão até ao trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito daqueles autos de embargos.

      Defendeu-se depois, por exceção, invocando a caducidade do direito que o autor nestes autos pretende fazer valer nestes autos, pelo decurso do prazo de 5 anos fixado no artigo 618º do Código Civil.

      Por fim, defendeu-se por impugnação, contraditando, na sua essência, a versão aduzida pelo A., nomeadamente negando que, com a referida partilha dos bens comuns, os RR. quisessem prejudicar o A. na satisfação daquele seu crédito através do R., diminuindo as suas garantias, e que tivessem para o efeito alterado o real valor dos bens que ali foram adjudicados, concluindo, em suma, pela não verificação dos pressupostos/requisitos da impugnação pauliana.

      Pelo que terminou pedindo a procedência da exceção de caducidade por si invocada, com a sua consequente absolvição do pedido ou, se assim se não entender, a suspensão da instância até trânsito em julgado da sentença final a proferir no âmbito dos embargos ao processo de execução nº. 21925/16.... e sempre, em qualquer caso, a improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

      2.2 Por sua vez, na sua contestação, a Ré, na sua essência, defendeu-se, em matéria de exceção e de impugnação, em termos muito similares àqueles em que o fez o 1º. R., pelo que terminou formulando pedidos idênticos àqueles formulados por este.

    2. Após resposta do A., e a fixação do valor da causa (em € 88.951,10), veio a ser proferido despacho saneador, que julgou improcedente a exceção (perentória) de caducidade aduzidas pelos RR., e indeferiu ainda o pedido de suspensão da instância que os mesmos formularam, em decisão da qual não foi interposto recurso.

    3. Mais tarde (e instruída a causa), realizou-se a audiência de julgamento, a que se seguiu a prolação da sentença, que, no final julgou a ação procedente e, em consequência, decidiu: I - Declarar ineficaz relativamente ao autor “Banco Comercial Português, SA”, a partilha a 18 de Maio de 2012 celebrada entre os aqui réus AA e BB, identificada nos pontos 16- a 19- da matéria de facto provada; II - Reconhecer ao autor “Banco Comercial Português, SA”, o direito a executar no património da ré BB, para pagamento do seu crédito [no valor de € 217.227,30, acrescido de juros de mora contados, à taxa legal (sobre € 209.166,77 desde 04 de Novembro de 2013, e sobre € 8.110,53 desde 12 de Junho de 2014)], o direito a ½ dos seguintes bens imóveis: a. fracção autónoma designada pela letra “M” do prédio urbano sito na freguesia ..., ..., descrita na 2ª Conservatória do Registo Predial sob o nº ...47..., inscrita na matriz sob o artigo ...51...; b. fracção autónoma designada pelas letras “HI” do prédio urbano sito na freguesia ..., ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial sob o nº ...43.

    4. Inconformados com tal sentença dela apelaram os RR. .

    5. Na apreciação desse recurso, o Tribunal da Relação do Porto (TRP), por acórdão, de 19/03/2020, decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº. 2 alínea c), do CPC, anular a decisão de facto, determinando-se a sua ampliação/densificação, “de modo a permitir ao tribunal recorrido ampliar a matéria de facto nos termos referidos, ficando prejudicada a análise da questão de direito colocada no recurso interposto, sendo que, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições.” 7. Realizada nova audiência de julgamento, com produção de prova, em virtude do determinado naquele acórdão do TRP, no final da última sessão, foram as partes alertadas pelo tribunal para possibilidade de poder vir a ser considerado, na sequência da nova prova produzida, o seguinte facto considerado instrumental/acessório “no âmbito do processo de falência do Réu AA, o aqui autor recebeu, para pagamento da quantia que constitui a base da impugnação objeto da presente ação, o valor de € 31.700,00”, pelo que foi concedido àquelas, em cumprimento do disposto na alínea b) do nº. 2 do artigo 5º do CPC, a possibilidade de se pronunciarem quanto à sua inclusão na decisão final.

    6. Seguiu-se, depois, a prolação (27/07/2021) de nova sentença que, no final, julgou a ação procedente e, em consequência, decidiu: “I - Declarar ineficaz relativamente ao autor “Banco Comercial Português, SA”, a partilha a 18 de Maio de 2012 celebrada entre os aqui réus AA e BB, identificada nos pontos 16- a 19- da matéria de facto provada; II - Reconhecer ao autor “Banco Comercial Português, SA”, o direito a executar no património da ré BB, para pagamento do seu crédito [no valor de € 177.466,77, acrescido de juros de mora contados, à taxa legal (sobre € 209.166,77 desde 04 de Novembro de 2013, e sobre € 8 110,53 desde 12 de Junho de 2014)], o direito a 1/2 dos seguintes bens imóveis: a. fracção autónoma designada pela letra “M” do prédio urbano sito na freguesia ..., ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial sob o nº ...47; b. fracção autónoma designada pelas letras “HI” do prédio urbano sito na freguesia ..., ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial sob o nº ...43.” * 9. Inconformados com tal sentença, os RR. dela voltaram apelar.

    7. Conhecendo desse recurso, o TRP, por acórdão de 10/12/2022, decidiu, no final, julgar o recurso improcedente, e confirmar a sentença/decisão recorrida (ainda que com fundamentos não inteiramente coincidentes.) 11.

      Novamente irresignados, os RR. interpuseram recurso de revista (normal) para este Supremo Tribunal, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos (respeitando-se a sua ortografia): « A. A presente revista é admissível à luz do preceituado no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil.

      1. Neste sentido, não se formula no presente caso a figura da dupla conforme, porquanto a apelação improcedeu, como pode ler-se na própria decisão pro fundamentos não coincidentes com os do Tribunal de 1.ª instância.

      2. O Juízo Central Cível ... considerou o ato impugnado como de natureza gratuita.

      3. Por sua vez, o Tribunal a quo...

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