Acórdão nº 317/13 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Maio de 2013

Magistrado ResponsávelCons. Ana Guerra Martins
Data da Resolução29 de Maio de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 317/2013

Processo n.º 864/11

  1. Secção

Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido o Sindicato dos Professores da Região Centro, foi interposto recurso, a título obrigatório, em cumprimento do artigo 280º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e dos artigos 70º, n.º 1, alínea a), e 72º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), de acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo e Tributário de Coimbra, em 28/11/2011 (fls. 102-124), que desaplicou a norma extraída do artigo 24º, n.ºs 1 e 9, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2011, quando interpretada no sentido de “a sua proibição de atos que consubstanciem valorizações remuneratórias e a sua determinação de não contagem do tempo de serviço prestado em 2011 abrangem os atos e o tempo decorrentes da aplicação do artigo 8º n.º 1 do DL n.º 75/2010 de 23/6”, por violação dos artigos 13º, 47º, n.º 2 e 59º, n.º 1, alínea a), da CRP.

    Para boa decisão da questão normativa em apreço nos presentes autos, importa proceder à transcrição da decisão recorrida:

    Como se sabe, o DL n.° 75/2010 visou reestruturar a carreira docente dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário, na sequência do abandono, pelo Legislador, da reforma que fora introduzida pelo ECD aprovado pelo DL nº 15/2007, que estruturara a carreira em duas categorias hierarquicamente diferenciadas. a de professor titular e a de professor.

    Tem o Réu incontornável razão quando sustenta que a nova redação do artigo 37° do ECD, introduzida pelo citado DL n.° 75/2010, é inaplicável à pretensão dos associados do Autor. Neste aspeto, pouco se nos oferece acrescentar ao alegado na PI. Assim, por um lado é da mais elementar metodologia do Direito que se um diploma compreende um regime transitório (lex specialis), isso exclui a aplicação do novo regime (lex generalis,) à transição em tudo o que aquele a regular. Por outro, esta inaplicabilidade revela-se ostensivamente na inadequação da nova redação do artigo 37° ao que era a realidade de 24/6/2010: designadamente, como recorda o Réu, não havia vagas nem estava criado o regime da sua criação e o requisito da nota de desempenho de Bom nos dois ciclos anteriores está exigido no pressuposto de já haver dois ciclos de avaliação no âmbito de vigência do ECD aprovado pelo DL n° 15/2007, em que a nota de “Bom”, e não a de “Satisfaz”, é. digamos brevitatis causa, a nota positiva comum.

    Também assiste razão ao Réu quando se insurge contra a pretensão do Autor de que os seus associados não sofram a espera no índice 245, imposta pelo artigo 8° nº 1 do DL 75/2005, mas beneficiem do disposto nesta mesma norma assim que perfizerem o tempo que lhes falta para completarem seis anos de serviço desde que começaram a ser remunerados por aquele índice.

    Esse entendimento de que a passagem ao índice 299 assim que estivessem perfeitos seis anos de serviço desde a transição dos docentes para o 6° escalão, não prejudica a passagem, logo a partir 24/6/20 10, para o índice 272, supostamente por força da nova redação do artigo 37° do ECD, pode relevar de algum engenho, mas não da arte de uma solução minimamente coerente. Por um lado, não pode o Autor querer sol na eira e chuva na horta. Por outro, e sobretudo, o que expressamente e inequivocamente se determina no art. 8° n° 1 é a transição, per saltum, do 6° ao 8º escalão.

    Não adianta argumentar com o elemento hermenêutico da unidade da ordem jurídica, pois não havendo obscuridade alguma a suprir, sendo clara a Lei, ele não é chamado a intervir. In claris non fit interpretativo. Aliás, salvo o devido respeito, o que o Autor parece fazer, nesta dimensão do seu argumentário, é desconstruir o edifício da unidade de um regime coerente e exaustivo, para depois tentar construir um outro edifício, com os materiais do autêntico mas com nova traça a seu contento, desafiando até, para tanto, as leis da física...

    Também não colhe a alegação de ilegalidade do teor literal do artigo 8° nº 1 do DL n° 75/2010 em face do artigo 10º do mesmo diploma, norma igualmente integrante do regime transitório.

    Em primeiro lugar cumprirá esclarecer que não transitaram ao 7º escalão logo em de 24/6/2010 todos os docentes posicionados no 6° escalão havia mais de quatro anos e menos de cinco e com as notações de desempenho de “bom” e de “satisfaz “, respetivamente, nos ciclos de avaliação imediatamente anteriores, mas apenas os que conforme o artigo 70 n° 2 b) do DL nº 75/2010, haviam detido a extinta categoria de “titular”. Deste modo, pelo menos essa “ultrapassagem” que se efetivou logo na entrada em vigor do DL n° 75/2010, é mitigada, dado que a progressão preconizada no nº 1 do artigo 8° opera “independentemente da categoria”.

    Além desta, porém, há a ultrapassagem, digamos “pura” de que são sujeitos ativos, atento o n° 4 do artigo 8°, todos os que “independentemente da categoria” de que provêm, já tenham completado ou venham entretanto a completar, com os demais requisitos subjetivos e objetivos, os quatro anos necessários para progredirem ao 7° escalão,

    Não vemos, contudo, que uma ou outra daquelas ultrapassagens” seja incompatível com o artigo 10º do DL n° 75/2010.

    Com efeito, se o diploma se dispôs, uno actu, por um lado a provisória espera dos docentes com mais de cinco e menos de seis anos (e restantes requisitos) no índice 245, mas por outro, também, o preceito do artigo 10°, compensando, aliás, aquela espera com um acesso per saltum ao 8° escalão assim que perfizessem seis anos no 6° escalão, isto é, nunca depois de um ano, então este mesmo artigo 10° tem de ser interpretado como não incluindo no seu conceito de “ultrapassagem” aquele atraso dos mesmos docentes, por sinal temporário e a termo certo.

    É a tão invocada unidade da Ordem Jurídica que impõe que assim entendamos.

    Aliás, em si mesmo, abstraindo do que veio dispor o artigo 24° nºs 1 e 9 da LOE, o artigo 8° n° 1 do DL n° 75/2010 nesta sua potência de assimetria temporária e a termo certo entre os docentes na situação dos associados do Autor e os colegas com mais de quatro anos e menos de cinco no antigo 6° escalão, tão pouco se mostra desconforme com princípios constitucionais como o da Igualdade, seja em geral (artigo 13º da CRP) seja no progresso na Função Pública (art° 47º n° 2) ou com o princípio “salário Igual para Trabalho Igual”, invocados pelo Autor.

    Como se sabe, a igualdade em sentido constitucional, não é identidade ou sobreponibilidade, antes se coaduna com e requer, até que se trate de modo diverso o que diverso é. O princípio “salário igual para trabalho igual” não proscreve que se divirja no salário segundo a antiguidade e o mérito. Aliás, o temporário compasso de espera dos associados do Autor, na economia do DL nº 75/2005, tinha inteira contrapartida na sua progressão per saltum ao 8° escalão alguns meses, nunca mais de um ano, depois.

    Improcede, portanto, a alegação do Autor, de inconstitucionalidade do artigo 8° n.° 1 do DL n.° 75/20 10, numa interpretação que exclua a passagem dos docentes ali referidos, entretanto e de imediato, ao 7° escalão.

    Embora aparentando inconformar-se em absoluto com o artigo 8° nº 1, o Autor deixa claramente entender, e isso é que é compreensível, que só passou a inconformar-se com esta alegada inconstitucionalidade desde que o termo inicial da progressão dos seus associados ao 8° escalão passou de certo a incerto — e seguramente para lá de 2011 — por força do artigo 24° n° 1 e 9 da Lei n° 55-A/2010 de 3 1/12, que aprovou o orçamento do Estado para 2011 (LOE). E na verdade é esta norma, e não qualquer norma do DL 75/2010, que, na medida em que é incompatível frontalmente com a aplicação do artigo 8° n° 1 vindo de ser citado, subverte o equilíbrio de todo o regime transitório de progressões na carreira docente, preconizado pelo DL n° 75/2010, a ponto de ser legítimo perguntar se desta incompatibilidade não resulta uma revogação tácita não só do artigo 8° n° 1 mas de tudo o disposto nos artigos 7° a 10º que supunha a relevância do tempo de serviço a partir de 31/12.

    Assiste razão ao Autor quando alega que também à Lei do Orçamento do Estado, designadamente ao Legislador do artigo 24° n°s 1 e 9, se impõem os princípios constitucionais da Igualdade (artigos 13° e 47° n° 2 da CRP) e do Salário Igual para...

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