Acórdão nº 785/09.9TTFAR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Dezembro de 2013

Magistrado ResponsávelMELO LIMA
Data da Resolução11 de Dezembro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça I AA intentou, em 2 de Dezembro de 2009, no Tribunal do Trabalho de Faro, ação declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma comum, contra Sociedade BB, Lda, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 86.155,41 (sendo € 68.935,49 referente a trabalho suplementar prestado e € 17.219,92 referente a danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da resolução do contrato de trabalho) acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que tendo sido admitido ao serviço da Ré em 15 de Janeiro de 2001, esta, no desenvolvimento da atividade laboral, não lhe pagou trabalho suplementar que prestou, razão por que, em 19 de Dezembro de 2008, resolveu o contrato de trabalho com invocação de justa causa.

A Ré contestou, excecionando e impugnando, pedindo, a final, a condenação do A. no pagamento de € 4.304,98 a título de indemnização por falta de aviso prévio na cessação do contrato.

Prosseguida a instância após a prolação do saneador, em 3 de Agosto de 2012, antes da audiência de discussão e julgamento, a Ré apresentou requerimento no qual, de par com a declaração de que, por sentença transitada em julgado, tinha sido declarada insolvente, requeria a declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Opôs-se o A.

Porém, por decisão de 4 de Outubro de 2012, o Tribunal julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

Inconformado, interpôs o A. recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.

Aqui, por Acórdão da respetiva Secção Social, proferido em 07 de fevereiro de 2013, foi, sem voto de vencido, negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida.

Em face desta dupla conforme, o A., sob a justificação de que «O acórdão do Tribunal da Relação de Évora do qual se recorre está em patente contradição com outro acórdão, já transitado em julgado, do Tribunal da Relação de Lisboa; Ambos proferidos no domínio da mesma legislação (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - CIRE, abreviadamente), sobre a mesma questão fundamental de direito (inutilidade superveniente da lide laboral por posterior declaração de insolvência da ré), e sem que tenha sido entretanto proferido qualquer acórdão de uniformização de jurisprudência com que o acórdão recorrido se compagine e conforme.» interpôs, nos termos do disposto nos artigos 80º e 81º nº5 do Código de Processo do Trabalho (na redação anterior à conferida pelo DL nº 295/2009 de 13 de Outubro) e artigo 721º-A nº1 al. c) do Código de Processo Civil, recurso de Revista Excecional para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando a respetiva motivação com as seguintes conclusões:

  1. A presente revista excecional deve ser liminarmente admitida com o fundamento previsto na alínea c. do nº 1 do art. 721º-A do Código de Processo Civil; B) Com efeito, flui patentemente do acórdão recorrido e do acórdão fundamento que aquele está em flagrante contradição com este, anterior e com trânsito em julgado, tendo sido ambos proferidos por Tribunais de Relação, no quadro e no domínio da mesma legislação (CIRE e CPC), sobre a mesma questão fundamental de Direito (extinção da lide laboral por superveniente mera declaração de insolvência da ré), sem que entre as datas de prolação do acórdão fundamento e do acórdão recorrido tenha havido acórdão uniformizador de jurisprudência a que o acórdão recorrido se devesse conformar.

  2. Para além disso, e caso assim não se opine, sempre este recurso de revista excecional deverá ser admitido, posto que a questão em causa revela-se não só de extraordinária e particular relevância social como também uma decisão sobre a mesma questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito.

  3. - O acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, violou por errada interpretação e aplicação da lei, o disposto no art. 287º do Código de Processo Civil e o disposto nos arts. 47º, 50º, 81º, 85º, 86º, 88º, 90°, 128º e 146º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; E) - Com essa errada interpretação e aplicação da lei o acórdão recorrido determinou uma gritante e desaforada desigualdade de tratamento e impediu que cidadão prosseguisse, na sede própria (ação declarativa do foro laboral), processo de reconhecimento e fixação do montante dos seus créditos laborais só por ter ocorrido, posteriormente à instauração daquela ação, a insolvência da ré devedora; F) - Essa mesma errada interpretação e aplicação da lei potencia uma forma de denegação de justiça e impede os cidadãos de verem levados até ao fim e judicialmente sentenciados, em sede adequada (Tribunal do Trabalho) e com o instrumento próprio (ação declarativa), os procedimentos de verificação de existência dos seus créditos laborais e a sua exata quantificação; G) - O acórdão recorrido não utilizou nem a boa doutrina nem a correta jurisprudência, estando em manifesta oposição com o acórdão fundamento, cujo entendimento e decisão deveria ter seguido, tanto mais que sufragado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de 2012; H) - Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso de revista excecional e, consequentemente, revogar-se o acórdão recorrido, ordenar-se o prosseguimento dos autos com a realização da audiência de julgamento, ao mesmo tempo que deverá determinar-se que: 1 - A mera declaração de insolvência de uma entidade empregadora não conduz, por si só, à imediata inutilidade superveniente da lide em ação declarativa proposta contra ela por um seu trabalhador, com o objetivo de reconhecimento de créditos a seu favor; 2 - O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) não permite que o tribunal onde corre ação declarativa intentada contra o devedor, posteriormente declarado insolvente, possa, por sua iniciativa, declarar a extinção da instância por inutilidade da lide com a superveniência da declaração de insolvência do réu.

    3 - As ações declarativas intentadas contra o devedor declarado insolvente seguem o regime contido nos arts 85º e 86º do CIRE que não prevê a sua extinção por inutilidade mas antes o seu prosseguimento, se não requerida, pelo Administrador da Insolvência, a sua apensação ao processo falimentar.

    Por acórdão de 5 de Junho de 2013, os Juízes que, na Secção Social, integram a formação prevista no n.º3 do art. 721.°-A do C.P.C., deliberaram, em Conferência, admitir a revista excecional, dando por preenchido o requisito da contradição de acórdãos exigido na alínea c) do n° 1 do artigo 721°-A do C.P.C.

    * A questão decidenda reconduz-se a saber, nos exatos termos referidos pela Recorrente, «se a instância declarativa laboral de reconhecimento de créditos pode ser extinta por inutilidade provocada pela superveniência da declaração de insolvência da (ali) ré.» II A delimitação do quadro fáctico.

    1. Definindo o quadro fáctico-processual fundamentador da decisão jurídica proferida, referiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sob recurso: «A matéria a atender é a que consta do relatório supra, que aqui se dá por reproduzida, sendo de destacar a seguinte: 1. O Autor intentou a presente acção declarativa de condenação em 2 de Dezembro de 2009; 2. Na acção, o Autor pede a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 86.155,41 (sendo € 68.935,49 referente a trabalho suplementar prestado e € 17.219,92 referente a danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da resolução do contrato de trabalho) acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; 3. Por sentença de 27 de Março de 2012, transitada em julgado, proferida no Proc. n.º 2017/12.3TBBRG, do 2.º Juízo do Tribunal da Comarca de Braga, foi a Ré declarada insolvente, tendo sido aberto o incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno; 4. Foi proferida em 4 de Outubro de 2012 a decisão, ora em apreciação, que, face à declaração de insolvência da Ré, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide; 5. Nesta última data ainda não se tinha procedido à audiência de discussão e julgamento nos autos, a qual se encontrava designada para o dia 11 de Outubro de 2012.» 2. O Recorrente refere, todavia, que «da decisão da primeira instância e dos autos, é possível extrair outos factos de relevo para a apreciação da situação, que o acórdão recorrido pura e simplesmente ignorou e omitiu» Quais sejam, dando a palavra ao Recorrente: «Desde logo, resulta também do processo - e está plasmado na decisão de primeira instância de que se recorreu - que: - o Autor (aqui Recorrente) reclamou o seu crédito no processo de insolvência, aí referindo que o mesmo estava a ser apreciado e discutido no foro laboral; - O "Senhor Administrador da Insolvência não lho reconheceu em virtude de o mesmo estar em discussão nestes autos" (sic); - Essa informação foi prestada pelo próprio Autor ao processo laboral, aí requerendo que o processo prosseguisse, dada a natureza litigiosa do crédito decorrente da circunstância de a Ré, posteriormente insolvente, ter contestado e reconvindo nessa ação laboral; - O Autor manifestou expressamente a pretensão de prosseguimento do processo laboral para, se aí reconhecido e fixado o seu crédito, poder ainda vir reclamá-lo, embora numa fase ulterior, no processo de insolvência.» 3. Independentemente da controvérsia que ressuma do item precedente quanto da sua relativa falta de fundamento – na verdade, o Recorrente olvida o proémio em que o Tribunal da Relação destaca a matéria a atender daquela «que consta do relatório supra», que «dá por reproduzida» – importará, de todo o modo, definir os factos processualmente adquiridos, relevantes para o conhecimento da questão sob apreço, à luz das diferentes soluções plausíveis de direito, solução jurídica sustentada pelo recorrente incluída.

    2. Definindo-os: i. AA instaurou, em 2 de dezembro de 2009, pelo Tribunal do Trabalho de Faro, ação emergente de contrato de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT