Acórdão nº 564/08 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução25 de Novembro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 564/2008 Processo n.º 765/08 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 20 de Outubro de 2008, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não julgar inconstitucional a norma do artigo 75.º, n.º 8, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (EDFAACRL), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, que estabelece que da aplicação de quaisquer penas que não sejam da exclusiva competência de um membro do Governo cabe recurso hierárquico necessário, e, consequentemente, negou provimento ao recurso por ela interposto, confirmando o acórdão recorrido, na parte impugnada.

1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte fundamentação:

“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 17 de Julho de 2008, que negou provimento ao recurso jurisdicional por ela interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, de 18 de Outubro de 2007, que, na acção administrativa especial por ela instaurada contra o Ministério da Educação em que impugnava o despacho do Director Regional de Educação do Norte, de 31 de Março de 2005, que lhe aplicara a pena disciplinar de 60 dias de suspensão, julgou procedente a excepção de inimpugnabilidade do acto impugnado, por dele caber recurso hierárquico necessário, por força do disposto no n.º 8 do artigo 75.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (EDFAACRL), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, que dispõe: «Da aplicação de quaisquer penas que não sejam da exclusiva competência de um membro do Governo cabe recurso hierárquico necessário».

De acordo com o requerimento de interposição de recurso, «a decisão recorrida aplicou norma arguida de inconstitucionalidade (n.º 8 do artigo 75.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local) e interpretou, aplicando o n.º 1 do artigo 51.º do CPTA, em desconformidade com o preceituado no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa», tendo a questão de inconstitucionalidade sido «suscitada durante todo o processo: petição inicial, alegações de recurso jurisdicional e resposta ao parecer do Ministério Público», e reputando violados os «artigos 3.º, n.º 3, 8.º, n.ºs 1 e 2, 17.º, 18.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa» e os «princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de Direito democrático, da protecção da confiança dos cidadãos no Estado, da subordinação das leis à Constituição, da garantia da tutela jurisdicional efectiva, da justiça e da prevalência da matéria sobre a forma».

A questão de constitucionalidade que constitui objecto do presente recurso – a constitucionalidade do «recurso hierárquico necessário» como condição de acesso à justiça administrativa – já foi objecto de anteriores decisões deste Tribunal, o que permite qualificar tal questão como «questão simples» e possibilita a prolação de decisão sumária, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

2. O acórdão recorrido assentou na seguinte fundamentação jurídica:

«No caso dos autos, a única questão suscitada neste recurso jurisdicional (…) resume-se em averiguar se, com a reforma do contencioso administrativo, em vigor desde 1 de Janeiro de 2004, se mantém em vigor o artigo 75.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro – Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (doravante ED) –, onde se prevê a necessidade de interposição de recurso hierárquico necessário da aplicação de pena disciplinar que não seja da exclusiva competência de um membro do Governo e, no caso concreto dos autos, se da decisão punitiva do Director Regional de Educação do Norte, que sancionou a recorrente com a pena de suspensão, graduada em 60 dias, cabia recurso hierárquico necessário para o Secretário de Estado da Administração Educativa.

Preceitua o artigo 75.º do ED, com a epígrafe ‘Recurso hierárquico’, que: ‘(…) 8. Da aplicação de quaisquer penas que não sejam da exclusiva competência de um membro do Governo cabe recurso hierárquico necessário’.

Porque a questão que nos vem colocada já se mostra decidida pelo acórdão do STA [Supremo Tribunal Administrativo], de 28 de Dezembro de 2006, in Proc. 01061/06, recurso [excepcional de revista], nos termos do artigo 150.º do CPTA [Código de Processo nos Tribunais Administrativos], com o qual concordamos inteiramente e que não contendem com quaisquer princípios jurídicos, seja de índole constitucional ou de direito internacional, como os invocados pela recorrente, entendemos por suficiente e adequado remeter para a jurisprudência aí sufragada, que, de forma fundamentada, justifica a coexistência da norma legal questionada com as normas emergentes da reforma do contencioso administrativo, sem que se possa, de alguma maneira, justificadamente, questionar a necessidade de interposição de recurso hierárquico necessário, ‘como preliminar indispensável de acesso ao recurso contencioso’, nas palavras do Prof. Freitas do Amaral, in Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, vol. I, pág. 20, ou, nas palavras do Prof. Marcello Caetano, Manual, 10.ª ed., pág. 1265, ‘o recurso hierárquico é necessário para se transformar o acto do subalterno noutro contenciosamente recorrível’.

Na verdade, o acto sujeito a recurso hierárquico necessário é apenas potencialmente lesivo dos direitos e interesses do particular e, uma vez que esse recurso tem efeito suspensivo, o princípio da tutela jurisdicional efectiva não reclama a interposição do recurso contencioso antes da exaustão dos meios graciosos.

Consta, assim, do referido aresto do STA:

‘(…) a questão relevante que aqui importa clarificar é a de saber se se mantêm em vigor as disposições legais especiais que, na vigência da revogada LPTA, expressamente previam uma impugnação administrativa necessária como condição de abertura da via contenciosa de determinados actos administrativos, como é o caso do n.º 8 do artigo 75.º do ED, ou se tais disposições se consideram revogadas face aos artigos 51.º e 59.º, n.ºs 4 e 5, do CPTA e ao artigo 268.º, n.º 4, da CRP, como pretende a recorrente.

Com efeito, não tem sido pacífica, pelo menos, desde a redacção do n.º 4 do artigo 268.º da CRP, introduzida pela Lei [Constitucional] n.º 1/89, de 8 de Julho (2.ª revisão constitucional, que eliminou a referência à definitividade e executoriedade do acto administrativo, constante do n.º 3 do artigo 268.º, na redacção inicial, como condição da sua recorribilidade contenciosa, passando a referir a garantia de recurso contencioso à lesividade do acto), a questão da compatibilidade, com este preceito constitucional, das disposições que prevêem impugnações administrativas necessárias.

Como é sabido, na vigência da LPTA, foi suscitada por alguma doutrina a questão da inconstitucionalidade superveniente do artigo 25.º deste diploma, face ao n.º 4 do artigo 268.º da CRP, na versão de 1989, já que aquele preceito da LPTA dispunha que “só é admissível recurso dos actos definitivos e executórios”, sendo que o citado preceito constitucional, na apontada redacção, deslocou a garantia de recurso contencioso da definitividade e executoriedade do acto, para a sua lesividade, como referimos (a favor da compatibilidade constitucional de tais normas, se pronunciaram, por exemplo, Vieira de Andrade, “Em Defesa do Recurso Hierárquico”, CJA, n.º 0, p. 13 e segs., e Mário Aroso de Almeida, “As implicações de direito substantivo da reforma do contencioso administrativo”, CJA, n.º 34, p. 71 e segs., e contra, Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, pp. 667 e 674, e Ventos de Mudança…, […], pp. 11 e 66/89, e Paulo Otero, “As garantas impugnatórias dos particulares no CPA”, Scientia Ivridica, vol. XII (n.º 235/237), p. 58 e segs.).

Essa questão foi abundantemente apreciada por este STA, designadamente pelo Pleno da 1.ª Secção, e levada até ao Tribunal Constitucional, tendo, uniformemente, vindo a ser resolvida pela jurisprudência de ambos os Tribunais no sentido da não inconstitucionalidade do artigo 25.º da LPTA, no entendimento, em síntese, de que a consagração, na lei, de um meio de impugnação administrativa necessária não contende, de per si, com a garantia de recurso contencioso acolhida no n.º 4 do artigo 268.º da CRP, o que só aconteceria se o direito de acesso ao tribunal, consagrado no artigo 20.º da CRP, fosse, por essa via, suprimido ou restringido intoleravelmente, caso que não acontece com a impugnação necessária, já que o administrado pode sempre vir a impugnar judicialmente o acto que põe fim ao procedimento. A lesão do direito invocada, a existir, seria, por isso, meramente potencial (cf. acórdãos do Pleno do STA, de 3 de Fevereiro de 1996, rec. n.º 41 608, de 7 de Maio de 1996, rec. n.º 32 592, de 9 de Novembro de 1999, rec. n.º 45 085, de 18 de Fevereiro de 2000, rec. n.º 30 307, de 29 de Junho de 2001, rec. n.º 46 058, e de 18 de Abril de 2002, rec. n.º 46 058, bem como da Secção, de 21 de Maio de 1992, rec. n.º 30 391, de 16 de Fevereiro de 1994, rec. n.º 32 904, de 7 de Março de 1996, rec. n.º 39 216, de 14 de Novembro de 1996, rec. n.º 32 132, de 25 de Junho de 1998, rec. n.º 43 603, de 12 de Maio de 1999, rec. n.º 44 684, de 2 de Março de 2000, rec. n.º 45 569, de 3 de Maio de 2001, rec. n.º 46 888, de 5 de Dezembro de 2002, rec. n.º...

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