Acórdão nº 00386/10.9BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 06 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelCarlos Lu
Data da Resolução06 de Maio de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO “S… - SINDICATO…” em representação da sua associada M...

, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Aveiro, datada de 30/09/2010, que, no âmbito de acção administrativa especial por si instaurada contra o R.

MUNICÍPIO DE AVEIRO [abreviada e doravante «MA»], determinou a absolvição da instância deste com base na inimpugnabilidade do acto em questão [deliberação «CA» dos SMAS de Aveiro de 26.11.2009 que manteve a decisão de transferência daquela sua associada do exercício das funções na tesouraria e atendimento ao público para o DECQ]. Formula o aqui recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 81 e segs.

- paginação suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário) as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. O acto em causa incidiu sobre uma situação referente ao conteúdo funcional da sócia do Recorrente, consequentemente, não enquadrável em qualquer procedimento administrativo especial; b) O recurso hierárquico impróprio referido na lei do regime de competências e funcionamento dos órgãos das autarquias locais, a que a douta sentença recorrida alude, reporta-se a todas as deliberações dos conselhos de administração dos serviços municipalizados, sejam as mesmas prolatadas no âmbito de procedimentos especiais ou gerais; c) A impugnação administrativa hierárquica imprópria do acto aqui impugnado não tem especificamente previsto ou reconhecido qualquer efeito suspensivo; d) O acto em causa nada veio acrescentar ou retirar à situação em que a sócia do Recorrente já se encontrava pelo que em relação à sua pretensão era desde logo lesivo, lesividade que jamais poderia ser suspensa pela impugnação administrativa hierárquica imprópria; e) Acresce, finalmente, que relativamente à notificação do acto aqui em causa, foi violada a alínea c), do n.º 1, do art. 68.º do CPA e, dessa forma, tal violação reverteria, contra os princípios da justiça e boa fé, consagrados no art. 266.º, n.º 2 da CRP, em favor de quem desrespeitou a lei; f) Em suma, pelas conclusões antecedentes, terá de se afirmar que o douto aresto recorrido violou o art. 51.º, n.º 1, do CPTA e o art. 268.º, n.º 4 da CRP ...

”.

Conclui no sentido do provimento do recurso, com consequente revogação da decisão judicial recorrida.

O R., ora recorrido, notificado, veio apresentar contra-alegações (cfr. fls. 88 e segs.

), em que termina concluindo nos seguintes termos: “...

  1. Das disposições conjugadas do art. 172.º do Código Administrativo e do art. 176.º do CPA resulta que das deliberações do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados cabe sempre e necessariamente recurso hierárquico impróprio para a Câmara Municipal.

  2. Tal foi expressamente positivado pelo legislador no art. 64.º, n.º 1, al. n) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, - compete à Câmara «resolver, no prazo máximo de 30 dias, sobre os recursos hierárquicos impróprios que lhe sejam apresentados de todas as deliberações do conselho de administração dos serviços municipalizados» - que não deixa margem para dúvidas que das decisões do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados cabe sempre impugnação necessária, através da interposição de recurso hierárquico impróprio, como condição prévia de obtenção de um acto administrativo definitivo que abra acesso à jurisdição contenciosa.

  3. Os Serviços Municipalizados, embora gozando de autonomia financeira e administrativa, não dispõem de personalidade jurídica, sendo o respectivo Conselho um órgão da mesma pessoa colectiva de direito público (o Município) pelo que entre o Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados e a Câmara Municipal, continua a existir uma relação de superintendência, cabendo recurso necessário das deliberações daquele para esta última, nos termos do artigo 172.º do Código Administrativo, da al. n) do n.º 1 do art. 64.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, e do n.º 1 do art. 176.º do Código do Procedimento Administrativo.

  4. A interposição da presente acção, sem a prévia interposição de recurso hierárquico para a Câmara Municipal de Aveiro, viola as disposições dos arts. 172.º do CA, 176.º do CPA e 64.º n.º 1 al. n) da Lei n.º 169/99 de 18/09, uma vez que o acto não é judicialmente impugnável.

  5. É este o entendimento plasmado nomeadamente no Acórdão do STA, de 21.03.1992, no âmbito do processo n.º 027597 e no Acórdão do STA de 9.05.2002, no âmbito do processo n.º 4562/00, de 9.05.2002.

  6. Tal não contende com o novo paradigma de impugnação contenciosa imediata dos actos administrativos dotados de eficácia externa, introduzido pelo CPTA.

  7. O Pleno da Secção Administrativa do Supremo Tribunal Administrativo, no Acórdão de 4.06.2009, proferido no âmbito do processo n.º 377/08, firmou o entendimento de que «o art. 51.º, n.º 1, do CPTA, introduzindo um novo paradigma de impugnação contenciosa de actos administrativos lesivos, convive com a existência de impugnações administrativas necessárias, não só quando a lei o disser expressamente, como também em todos aqueles casos, anteriores à vigência do CPTA, que contemplavam impugnações administrativas, previstas na lei, comummente tidas como necessárias».

  8. A regra geral da natureza facultativa das impugnações administrativas ou da impugnabilidade contenciosa directa dos actos administrativos dotados de eficácia externa admite excepções nas situações em que a lei preveja expressamente a existência de impugnações administrativas necessárias como condição prévia à impugnação judicial.

    1. É precisamente o que acontece no caso apreço, uma vez que os preceitos legais supra mencionados (art. 172.º do CA, art. 176.º do CPA e o art. 64.º n.º 1 al. n) da Lei n.º 169/99 de 18/09) prevêem expressamente o recurso hierárquico necessário impróprio para a Câmara Municipal das decisões do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados pelo que o acto administrativo consubstanciado na deliberação do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados de 26.11.2009 é judicialmente inimpugnável.

  9. O incumprimento da injunção constante da al. a) do n.º 1 do art. 68.º do CPA gera, quando muito, uma notificação deficiente, não produzindo efeitos em relação ao notificado, no que à caducidade do prazo de impugnação respeita; contudo, não altera a natureza necessária do recurso hierárquico impróprio da deliberação do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados.

  10. Entende o STA - cfr. Acórdão de 31.07.2002, no âmbito do processo n.º 0921/02 - que «a omissão, na notificação do acto administrativo, das menções previstas na al. c) do artigo 68.º do CPA (indicação do órgão competente para apreciar a impugnação do acto e o prazo para este efeito, no caso do acto não ser susceptível de recurso contencioso) não habilita o particular a concluir pela recorribilidade contenciosa directa do acto notificado, não sendo possível retirar do texto do preceito a inferência de que tal omissão comporta urna informação positiva de recorribilidade contenciosa» (no mesmo sentido, veja-se também o Acórdão do STA de 23.03.2006, no âmbito do processo n.º 037/06; de 22.05.2003, no processo n.º 0506/03); L. A omissão, na notificação do acto administrativo, das menções previstas na al. c) do artigo 68.º do CPA apenas torna a notificação inoponível ao seu destinatário e irrelevante, para efeitos do início do prazo de interposição da respectiva acção (cfr. Acórdão do TCA Norte de 21.01.2010, no âmbito do processo n.º 00492/06.4BECBR) ...

    ”.

    O Ministério Público (MºPº) junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no art. 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (cfr. fls. 104/104 v.

    ), parecer esse que objecto de contraditório não mereceu qualquer resposta (cfr. fls. 105 e segs.

    ).

    Dispensados os vistos legais juntos dos Exmos. Juízes-Adjuntos (cfr. fls. 110) foram os autos submetidos à Conferência para julgamento.

    1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo certo que se, pese embora por um lado, o objecto do recurso se ache delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 685.º-A, n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC) (na redacção introduzida pelo DL n.º 303/07, de 24/08 - cfr. arts. 11.º e 12.º daquele DL -, tal como todas as demais referências de seguida feitas relativas a normativos do CPC) “ex vi” arts. 01.º e 140.º do CPTA, temos, todavia, que, por outro lado, nos termos do art. 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem” em sede de recurso de apelação não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto ainda que a declare nula decide “o objecto da causa, conhecendo de facto e de direito” reunidos que se mostrem no caso os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

      As questões suscitadas resumem-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida ao julgar procedente a excepção de inimpugnabilidade absolvendo o R. da instância na presente acção administrativa enferma de erro de julgamento traduzido na incorrecta e ilegal aplicação do disposto nos arts. 51.º, n.º 1 CPTA, 268.º, n.º 4 da CRP [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].

    2. FUNDAMENTOS 3.1.

      DE FACTO Resultou apurada da decisão judicial recorrida a seguinte factualidade: I) A sócia do A. é trabalhadora dos Serviços Municipalizados de Aveiro desde 1989, exercendo as funções de tesoureira na tesouraria dos «SMA», incluindo as de atendimento ao público.

      II) Em reunião de 07.10.2008, o Conselho de Administração (CA) dos «SMA» deliberou afectar à tesouraria dos «SMA» uma assistente administrativa especialista.

      III) No dia 10.11.2008, a junta médica da ADSE à qual a...

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