Acórdão nº 00293/21.0BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Fevereiro de 2023

Data10 Fevereiro 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Relatório DR. AA, com domicílio profissional no Instituto Superior de Contabilidade e Administração de ..., Quinta ..., ..., ... ..., propôs ação administrativa contra o INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE E ADMINISTRAÇÃO DE ... (ISC...), com sede no lugar já identificado, formulando os seguintes pedidos: a) que seja declarada a nulidade de todo o procedimento disciplinar, pela irregularidade da nomeação do instrutor, pela caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar, pela nulidade da acusação por falta de notificação ao arguido ou pela prescrição da sanção – o que determina o arquivamento do procedimento disciplinar; b) ainda que assim se não entenda, que seja declarada nula a sanção aplicada, por manifesta falta de fundamentação e violação das regras de direito probatório, nos termos supra alegados; c) para a hipótese de se considerar que incorreu na prática da infração disciplinar, que seja declarado que a sanção aplicada é claramente excessiva, violando o princípio da proporcionalidade, devendo sopesar-se as circunstâncias concretas em que a mesma alegadamente foi praticada, bem como todas as circunstâncias atenuantes a favor do A., devendo a mesma ser reduzida aos justos limites.

Por Saneador sentença proferido pelo TAF de Coimbra foi julgada verificada a excepção dilatória de inimpugnabilidade do acto impugnado e absolvido o Réu da instância.

Deste vem interpor recurso.

Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões: 1.ªApós as várias Reformas Constitucionais (1989 e 1997) e do Contencioso Administrativo, foi consagrado o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva administrativa (artigo 268.°, n.° 4, da CRP 1976), assim se exigindo que, perante um acto administrativo, dotado de eficácia externa e aptidão de lesividade, seja dada prevalência, em plano arrimado, à posição jusfundamental e administrativa do particular, passando, para segundo plano, a tutela da legalidade e do interesse público, ainda que sempre compatibilizáveis ou compatibilizadas, com aqueloutro desiderato.

  1. - Em harmonia com o artigo 268.°, n.° 4, da CRP 1976, deve entender que, por regra, as impugnações administrativas (recurso, recurso hierárquico e/ou reclamação) são facultativas e, ainda que sejam “necessárias”, tal não preclude, imediatamente, ao produzir efeitos jurídico-públicos, na esfera de um particular, que tal administrado, lesado nos seus direitos fundamentais, deite mão logo da impugnação judicial; ou que, deitando mão da impugnação judicial, a mesma possa ser obstaculizada pela não impugnação administrativa, já que isso seria colocar como «pressuposto de admissibilidade da impugnação judicial», um pressuposto adicional que, caso não se verifique, levaria a perda de um direito fundamental à tutela jurisdicional administrativa.

  2. - No caso dos autos, estamos perante uma decisão administrativa, no contexto da impugnação judicial de uma condenação, em processo disciplinar, ocorrido no contexto do exercício de trabalho em funções públicas, mas no quadro de instituições de Ensino Superior, com estatuto autonómico próprio e em que inexiste «organização administrativa hierarquizada», pois que não se verifica uma relação de infra-supra-organização, entre vários entes administrativos ou os entes administrativos e o órgão superior da Administração Pública (o Governo – ex vi artigo 182.°, da CRP 1976). Na verdade, 4.ª - O Presidente do Instituto Politécnico de ... é distinto do Presidente do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de ..., sendo esta última uma unidade orgânica daquela entidade, mas tendo, esta face àquela, autonomia administrativa, financeira e estatutária. E, por isso, entre ambas as instituições míngua qualquer relação de supra-infra-hierarquização organizacional, razão pela qual dos actos dos Presidentes há lugar, directa, como consta dos Estatutos, a impugnação judicial. Com efeito, 5.ª - Por Despacho Normativo do Gabinete do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior n.° 21/2021, de 20 de Julho, foram homologadas alterações aos Estatutos do Instituto Politécnico de ... [Diário da República, 2.ª série, N.° 139, de 20 de Julho de 2021: (28-68)], e, posteriormente, o Instituto Politécnico de ..., por Despacho n.° ...21, de 11 de Junho, viria a proceder à homologação dos Estatutos do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de ... [Diário da República, 2.ª série, N.° 112, de 11 de Junho de 2021: (279-307)]. Ora, 6.ª - O ISC..., como se pode verificar pelo artigo 1.°, n.° 1, dos Estatutos do ISC... [https://www.], aprovados pelo Despacho n.° ...21, de 11 de Julho, do IPC, «O Instituto Superior de Contabilidade e Administração de ... (ISC...) é uma Unidade Orgânica de Ensino (UOE) do Instituto Politécnico de ... (IPC), e adota a designação de Instituto Superior de Contabilidade e Administração de ...»; e que, por força do n.° 3, alíneas a): «a) O ISC... dispõe de autonomia científica, pedagógica, cultural, administrativa e disciplinar;»; e na alínea d): «d) Nos termos da autonomia administrativa do ISC..., os atos do presidente estão apenas sujeitos a impugnação judicial, salvo nos casos previstos na lei;».

  3. - O IPC, segundo o artigo 5.°, dos seus Estatutos, aprovados pelo Despacho Normativo do Gabinete do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior n.° 21/2021, de 20 de Julho, no seu n.° 1, refere: «O Instituto Politécnico de ... é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia estatutária, pedagógica, científica, cultural, administrativa, financeira, disciplinar e patrimonial.»; e o seu n.° 5 refere: «Nos termos da sua autonomia administrativa, os atos do presidente do Instituto Politécnico de ..., dos presidentes das UOE, do diretor da UOI, e dos diretores das UOA estão apenas sujeitos a impugnação judicial, salvo nos casos previstos na lei».

  4. - O que significa que a condenação disciplinar, apenas proferida pelo Presidente do ISC..., e não, como erroneamente e falsamente se diz na decisão judicial, pelo Presidente do IPC, não é alvo de RECURSO TUTELAR, nem é passível de RECURSO HIERÁRQUICO NECESSÁRIO, por existir TOTAL AUTONOMIA DISCIPLINAR, em cada UNIDADE ORGÂNICA, componente do IPC, e, de igual modo, também dentro deste último, em matéria disciplinar, apenas se pode recorrer para o Tribunal. Ora, 9.ª - Não oferece qualquer dificuldade esta geografia organizacional, atenta a existência de entes administrativos, integrantes da Administração directa ou central ou de outros organismos ou entes, passíveis de tutela de legalidade e superintendência, cuja orgânica está encadeada e hierarquizada até aos membros do Governo, só que, aqui, no Ensino Superior ou Universitário, em que os entes administrativos possuem autonomia, fixando-se na chamada administração autónoma ou independente, não se afigura possível aplicar sequer o regime dos artigos 224.° e 225.°, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

  5. - Sem prejuízo de que não resulta, contrariamente ao decidido, dos artigos 224.° e 225.°, da LGTFP, a existência de um qualquer recurso hierárquico necessário, quer por a inexistência de infra-supra-hierarquização entre o ISC... – IPC e MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR, quer porque o próprio artigo 224.° faz uso de um elemento gramatical que é inequívoco sobre o carácter facultativo e não necessário do recurso, ao referir: «podem ser impugnados hierárquica ou tutelarmente, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, ou jurisdicionalmente». E, portanto, 11.ª - O uso, na letra da lei, das expressões «podem» e «ou», sugerem, inequivocamente, uma não obrigatoriedade ou simples faculdade; ao passo que, depois, a expressão “ou”, significa uma possibilidade alternativa equivalente, sem preferência ou prevalência de uma das opções. Acresce que, 12.ª - Nenhum arguido, em processo sancionatório público, mormente no penal, contra-ordenacional ou disciplinar, pode ser definitivamente condenado, sem ter tido a possibilidade de o seu caso ter sido analisado por duas instâncias (judiciais) distintas, sob pena de lesão dos artigos 20.°, n.°s 1, 4 e 5, 32.°, n.°s 1 e 10, e 202.°, e 209.°, da CRP 1976. E, por isso, 13.ª - O «duplo grau de recurso» significa que nenhum arguido pode ser condenado, definitivamente, sem ter podido ver sindicado o seu caso por duas instâncias judiciais diferenciadas, o que, assim sendo, no caso, jamais poderia ocorrer, por razões formais e uma incorrecta perspectivação do recurso hierárquico, da natureza jurídica do ente administrativo decisor, da directa impugnabilidade judicial das decisões do Presidente do ISC..., etc.

  6. - A indicação da jurisprudência convocada, pela M.ma Juíza “a quo” não é aplicável ao presente caso e não envolve o caso de um trabalhador em funções públicas que tenha a qualidade de Docente do Ensino Superior, de tal modo que, olvida a «autonomia» das Universidades e dos Politécnicos, construindo uma hierarquia, com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que não existe. Ademais, 15.ª - O recorrente tem presente os argumentos que o ilustre constitucionalista e administrativista – Conselheiro Guilherme da Fonseca – verteu, em ambos os arestos, com linhas argumentativas, ainda hoje, pertinentes e utilizáveis, no contexto do dirimir da dúvida interpretativa, existente hoje, relativamente à (des)conformidade da impugnação administrativas necessária (recurso hierárquico), cuja não utilização implica a perda ou o «efeito-de-bloqueio», da ida para a impugnação judicial, não obstante o vertido e a força gramatical (e “espírito do legislador”), posto nos artigos 51.°, n.° 1, 52.°, n.° 1, e 53.° e 54.°, do CPTA.

  7. - O recorrente tem presente os ensinamentos de Vasco Pereira da Silva, salientados na motivação do presente recurso e que aqui se dão por reproduzidos, o qual, em consonância com M. Aroso de Almeida, afirma que o CPTA não exige, em...

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