Acórdão nº 1969/08-1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelRICARDO SILVA
Data da Resolução20 de Outubro de 2008
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães, I.

  1. Em decisão instrutória, proferida no processo de instrução n.º 493/07.5TAGMR, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Guimarães, foi decidido não pronunciar o arguido A... Teixeira, com os demais sinais dos autos, relativamente à prática de um crime de desobediência, p. e p. p. artigo 348.°, n.°1, alínea a), do Código Penal, com referencia aos artigos 100.°, n.º 1, 102.° e 103.° do Dec.-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 177/2001, de 04 de Junho, bem como, as contra-ordenações do art.º 98.°, n.º 1, als. a) e h), do mesmo diploma legal.

  2. A imputação da prática do crime ao arguido foi feita nos termos da acusação deduzida nos autos pelo MP, que, a seguir se transcreve: « Em processo comum e para julgamento perante Tribunal Singular, o Ministério Público deduz acusação contra: « - A... Teixeira, casado, professor do ensino básico e secundário, filho de A...Teixeira e de M... Araújo, nascido a 17/08/1953, natural da freguesia de Selho, S. Cristóvão, concelho de Guimarães, portador do BI n.º 3027814 e residente na Urbanização da I... , n.º 22, Selho S. Cristóvão, 4800-Guimaraes.

    « Porquanto, « No dia 07 de Setembro de 2005, pelas 10H45, em cumprimento do despacho de 05 de Setembro de 2005, do Sr. Vereador com competência delegada, Domingos B..., o fiscal Municipal D... Martins procedeu ao embargo da obra de construção de um anexo, que o arguido realizava na rua Urbanização da I... , em Selho, S. Cristóvão, nesta comarca de Guimarães, sem que estivesse munido, para o efeito, de qualquer licença da Câmara Municipal de Guimarães.

    « Aquando desse embargo, o anexo em causa encontrava-se com as quatro paredes exteriores levantadas em blocos.

    « O arguido foi notificado pessoalmente do embargo e da decisão que o ordenou, no dia 07 de Setembro de 2005, igualmente em área desta comarca de Guimarães, sendo-lhe comunicada a ordem de suspensão dos trabalhos, a proibição de os prosseguir e sendo ainda advertido de que a continuação das obras a partir daquela data o poderia fazer incorrer na prática do crime de desobediência.

    « No entanto, no dia 25 de Janeiro de 2007, quando o fiscal municipal da Câmara Municipal de Guimarães, D... Martins, aí se dirigiu, verificou que o arguido tinha realizado alterações na obra embargada, concluindo a mesma, ou seja, "foi deitado o piso, colocado o telhado em telha de fibrocimento, colocadas as portas" e encontra-se a ser usado como uma cavalaria sic.

    « O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, ciente de que não podia prosseguir a obra, conforme fora notificado na sua pessoa e da responsabilidade que sobre ele impendia caso não acatasse aquela ordem.

    « Todavia, continuou a obra, com o propósito de faltar a obediência devida, não cumprindo a sua obrigação, nem apresentando qualquer justificação para a sua conduta, apesar de saber que o seu comportamento era proibido e punido por lei.

    « Pelo exposto, praticou o arguido um crime de desobediência, do artigo 348.°, n.°1, alínea a), do Código Penal, com referencia aos artigos 100.°, n.º 1, 102.° e 103.° do Dec.-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção dada pelo Dec. Lei n.º 177/2001, de 04 de Junho, bem como, as contra-ordenações do art. 98.°, n.º 1, als. a) e h), do mesmo diploma legal.

  3. A decisão instrutória de não pronúncia é, na parte que ora interessa, do seguinte teor: « Em conformidade com o disposto no artigo 308°, nº 1, do Código de Processo Penal, se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário profere despacho de não pronúncia. O que são indícios suficientes vem sendo entendido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, na esteira da doutrina e da jurisprudência seguida na vigência do Código de Processo Penal de 19291, que serão os "vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes, para convencer de que há crime e é o arguido responsável por ele. Porém, para a pronúncia, não é preciso uma certeza da existência da infracção, mas os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes, por forma que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado".

    « Da análise dos autos, nomeadamente da prova documental produzida em sede de inquérito, constata-se que a ordem de embargo da obra foi dada por um Vereador da Câmara Municipal de Guimarães, no uso de competência delegada pelo Presidente.

    « Após o embargo, a arguida continuou a execução das obras, contrariando, dessa forma, a ordem emanada pelo Exm.° Senhor Vereador.

    « Dispõe o art.° 348°, n.° 1, al. b) do C.P. que é punido com pena de prisão ate um ano ou com pena de multa ate 120 dias quem faltar a obediência devida a uma ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, se uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples.

    « Antes de mais, importa averiguar se a entidade que proferiu a ordem de embargo tern ou não competência para o efeito.

    « De acordo com o disposto no art.º 35°, n.º 1 do CPA, os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um acto de delegação de poderes, que outro órgão ou agente pratique actos administrativos sobre a mesma matéria.

    « No acto de delegação ou subdelegação - sujeito a publicação no Diário da Republica ou, tratando-se da administração local, no boletim da autarquia ou a afixação nos lugares do estilo quando tal boletim não exista — deve o órgão delegante ou subdelegante especificar os poderes que são delegados ou subdelegados ou quais os actos que o delegado ou subdelegado pode praticar, devendo este mencionar essa qualidade no uso da delegação ou subdelegação (art.°s 37° e 38° do CPA).

    « No caso concreto, o art.º 68°, n.° 2, al. m) da Lei n.º 169/99, de 18.09, confere ao presidente da câmara competência para embargar e ordenar a demolição de quaisquer obras, construções ou edificações efectuadas por particulares ou pessoas colectivas, sem licença ou com inobservância das condições dela constantes, dos regulamentos, das posturas municipais ou de medidas preventivas, de normas provisórias, de áreas de construção prioritária, de áreas de desenvolvimento urbano prioritário e de planos municipais de ordenamento do território plenamente eficazes.

    « Ja o art.° 69°, n.° 2 do mesmo diploma prevê a possibilidade de delegação ou subdelegação de competência própria do presidente da cârnara nos vereadores.

    « Sucede que a delegação de competência para ordenar embargos e demolições não esta prevista no diploma que regula, especificamente, as medidas de tutela de legalidade urbanística, o Decreto-Lei n.° 555/99, de 16.12. E, por isso, não pode o presidente da câmara delegar nos vereadores o poder de ordenar demolições e embargos (neste sentido, o Ac. da Rel. do Porto de 06.12.2006, Proc. n.° 0415798, www. dgsi. pt, onde se lê "De acordo com o disposto no n° 1 do art. 35° do C. do Procedimento Administrativo (DL no 442/91 de 15/11, alterado pelo DL n° 6/96 de 31/1), "os órgãos administrativos normalmente competentes para decidir em determinada matéria podem, sempre que para tal estejam habilitados por lei, permitir, através de um acto de delegação de poderes, que outro órgão ou agente pratique actos administrativos sobre a mesma matéria".

    « A delegação de poderes assenta, pois, em três requisitos: « 1) Tem de radicar na lei (lei de habilitação); « 2) Supõe a existência de dois órgãos ou um órgão e um agente; e « 3) Depende sempre de um acto de delegação; « No caso de que nos ocupamos, interessa-nos em particular o primeiro desses requisitos, cuja falta de verificação implica a invalidade da delegação de competências.

    « Ora, no caso inexiste tal lei de habilitação, como facilmente se conclui pela leitura do já referido DL n° 555/99, que, na matéria das medidas de tutela da legalidade urbanística, atribui ao presidente da câmara competência para embargar obras e trabalhos (cfr. art. 102° n° 1), para ordenar a realização de trabalhos de correcção ou alteração da obra (cfr. 105° nº 1), para ordenar a demolição da obra ou a reposig5o do terreno (art. 106° nº 1), para determinar a posse administrativa e execução coerciva (cfr. art. 107° n° 1) e para ordenar a cessação da utilização (cfr. art. 109° n° 1), sem do mesmo passo prever a possibilidade de delegação ou subdelegação de poderes, quando é certo que a prevê expressamente a respeito de muitas outras (cfr. arts. 5°, 8°, 110 no 9, 19°n° 12e 75°).

    « Temos, pois, de concluir que o legislador, ao não fazer idêntica previsão nesta matéria, pretendeu vedar quanto a ela a possibilidade de delegação ou subdelegação de poderes, reservando para a compet6ncia exclusiva do presidente da câmara a decisão sobre a aplicação daquelas medidas. 0 que bem se compreende se tivermos em costa o alcance e a gravidade das medidas em causa.") — assim, também o Ac. da Rel. de Guimarães de 09.07.2007, proferido no recurso n.° 1211-07.

    « Conclui-se, pois, que a entidade que proferiu a decisão de ordenar o embargo...

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