Decisões Sumárias nº 194/13 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Abril de 2013

Data12 Abril 2013
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA Nº 194/13

Processo nº 284/13

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

DECISÃO SUMÁRIA

Recorrente: A.

Recorrido: Ministério Público

  1. A. interpôs recurso, ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei 28/82 de 15 de novembro, dos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7/11/2012 (fls. 1570-1714) e do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/3/2013 (fls. 1885-1896), mediante requerimento do seguinte teor:

    “[ …]

    A -- Relativamente AO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: Violação DO Princípio NON BIS IN IDEM

  2. As normas constantes dos artigos 22º.,. 23.º, 72., e 210.º n.º 1 e 2, al. b), com referência às als. e) e f) do n.º 2 do art.º 204.º,conjugadas com as normas constantes dos artigos 22.º,°, 23.º, 72.º, 73.º e 132.º, n.º 1 e 2, al. h), todos do Código Penal (CP), por violação do número 5 do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), quando interpretadas no sentido de se punir em concurso efetivo por tentativa de roubo e tentativa de homicídio a mesma conduta criminosa, violando assim claramente o princípio da proibição da dupla valoração dos mesmos factos.

  3. Porquanto, a punição em concurso efetivo pelas duas normas apenas pode ser invocada quando há duas condutas separadas: uma que permita integrar como roubo; e outra como homicídio.

  4. A interpretação normativa (das referidas normas) dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa pelo contrário considera que através da mesma conduta - 2.º disparo - o agente do crime é punido em concurso efetivo pelos dois crimes em causa, violando assim clara e frontalmente o princípio non bis in idem, consagrado no comando Constitucional previsto no art. 29.º, n.º 5 da CRP.

  5. A referida inconstitucionalidade foi expressamente suscitada pelo Recorrente no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, e nas Conclusões das suas Motivações de Recurso que ora se transcreve:

    ...B - QUANTO À CONDENAÇÃO PELOS CRIMES ÐE ROUBO E Tentativa DE HOMÍCIDIO

    1.- O Arguido foi condenado a 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses pela prática de um crime de roubo agravado na forma tentada, p. e p. pelo art.° 22.º, 23.º, 72.º, e 210.º n.º 1 e 2, al, b), com referência às als. e) e f) do n.º 2 do art.° 204.º, todos do CP., e, em concurso efetivo, e a 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts.ºs 22.º, 23.º 72.º, 73.º e 132.º n.º 1 e 2, al. h), todos do CP.

    (...)

    19.- E há também manifesto erro de qualificação jurídica pois se só com o segundo disparo passou a haver tentativa de roubo agravado, isso significa que tal facto não pode ser duplamente utilizado para fundamentar o crime de homicídio qualificado.

    20.- O que, aliás, a manter-se, constituirá uma interpretação normativa daqueles preceitos legais do CP (aplicados no caso concreto), claramente violadora do princípio Fundamental non bis in idem, nos termos do art. 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (CRF), vício esse (inconstitucionalidade normativa) que desde já se alega para todos os efeitos, pois desta forma tal interpretação permitiria a dupla valoração do mesmo facto - o segundo disparo, i.e., o único dirigido, segundo a matéria de facto provada, ao ofendido E.

    .

  6. Mais suscitou a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 86.º n.º 1, al. c), com referência aos art.ºs 2.º n.º 1, al p), aj) e ar) e 3.º,n.º 6, al. c), todos da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na redação conferida pela Lei n.º 12/2011, de 27/04, conjugadas com as normas constantes dos artigos 22.º, 23.º, 72.º, 73.º e 132.º n.º 1 e 2, al h), todos do CP, na interpretação normativa segundo a qual há concurso efetivo entre o crime de detenção de arma proibida e o crime de tentativa de homicídio qualificado (“através de meio que se traduza na prática de crime de perigo comum”).

  7. Entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que pela mesma conduta (empunhar arma de fogo utilizada na tentativa de roubo) constituía também crime de detenção de arma proibida ao mesmo tempo que, em concurso efetivo, com o crime de tentativa de homicídio qualificado por utilizar a mesma arma de fogo (meio que se traduza na prática de crime de perigo comum), violando uma vez mais o referido princípio non bis in idem consagrado no art. 29.º, n.º 5 da CRP, pois pela mesma conduta se atribui uma dupla valoração.

  8. As invocadas inconstitucionalidades foram arguidas na motivação do recurso interposto para o Tribunal ora recorrido, conforme resulta das suas Conclusões das respetivas Motivações que ora se transcrevem:

    ...C - QUANTO À CONDENAÇÃO PELOS CRIMES DE HOMICÍDIO QUALIFICADO NA FORMA TENDADA E DE DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA

    1.- O arguido foi também condenado na pena de 3 (três) anos de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º n.º 1, al. c), com referência aos art.ºs 2.º, n.º 1, al. p), aj) e ar) e 3.º, n.º 6, al. c), todos da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na redação conferida pela Lei n.º 12/2011, de 27/04.

    2.- Em concurso, com o crime já referido de tentativa de homicídio qualificado nos termos dos arts. 22.º, 23.º, 72.º, 73.º e 132.º n.º 1 e 2, al. h), todos do CP.

    (...)

    6.- Donde resulta que quanto a este crime deverá também o arguido ser absolvido, sob pena de tal interpretação normativa constituir igual violação do dispositivo constitucional do art. 29.º, n.º 5 da CRP como se demonstrou supra

    .

  9. Tendo as suscitadas inconstitucionalidades sido objeto de decisão pelo Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente na página 10, ponto 1 ao recusar o conhecimento do recurso quanto a esta parte (“...o recurso, nesta parte, não admissível, com a consequência de não poder conhecer-se dele”- cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, página 10, ponto 1, in fine), só agora é admissível o recurso sub judice.

    B - RELATIVAMENTE AO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: VIOLAÇÃO DO Princípio NON BIS IN IDEM

  10. Como referido no pouto anterior, o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão ora em crise, apesar de ter recusado conhecer da parte substancial do recurso (por entender que as penas parcelares de cada crime em crise não admitiam o recurso por serem superiores a 8 anos de prisão), ainda assim apreciou a pena única (cfr. Acórdão referido do Supremo Tribunal de Justiça, páginas 10, ponto 2, e até ao final na página 13), reduzindo-a de 9 para 7 anos e 6 meses de prisão.

  11. Consequentemente, o Supremo Tribunal ao apreciar a pena única atendeu exatamente nos mesmos termos como o Tribunal da Relação de Lisboa, ou seja, valorou duplamente o mesmo facto por tudo quanto exposto supra, pois ao apreciar a pena única teve em consideração e aplicou como questão prévia as normas cuja inconstitucionalidade normativa foi referida e demonstrada supra, para o qual ora se remete na íntegra, por violação do princípio non bis in idem.

  12. Ou seja, o Supremo Tribunal de Justiça ao aceitar conhecer da pena única (inclusivamente, ao reduzi-la), aplicou implicitamente as normas constantes dos preceitos do CP e da Lei das Armas como demonstrado supra, violando igualmente o princípio constitucional ínsito ao art. 29.º,n.º 5 da CRP (non bis in idem), remetendo-se nesta parte, valendo na integra, para todo o evidenciado (quanto às normas em concreto e quanto à prévia suscitação da questão de constitucionalidade) na primeira parte do presente requerimento de recurso (n.ºs 1 a 8 inclusive do presente requerimento).

    C - RELATIVAMENTE AO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO PROCESSO JUSTO/GARANTIAS DE DEFESA/DIREITO AO RECURSO

  13. Por fim, a norma constante do artigo 400.º, n.º 1, al. f) do Código de Processo Penal (CPP), por violação do número 1 do artigo 32.º da CRP, quando interpretada no sentido de não ser admissível recurso da matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, violando assim frontalmente o princípio do processo justo que assegura todas as garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso.

  14. Efetivamente, o Supremo Tribunal de Justiça não conheceu da parte substancial do recurso por entender que a pena parcelar da decisão em crise, por não ser superior a 8 anos de prisão, não admitiria recurso nos termos da interpretação referida. Aliás, consta expressamente do referido Acórdão (ponto 1, da página 10):

    Nos termos do art. 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, «Não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».

    Como vem sendo uniformemente decidido por este Supremo Tribunal, no caso de concurso de crimes, a pena aplicada é tanto a pena singularmente imposta por cada crime como a pena conjunta, pelo que a irrecorribilidade se afere separadamente, por referência às penas singulares e à pena conjunta (Cf., por exemplo, Acórdãos de 07/05/2009, CJ, …)

  15. Interpretação esta que, não obstante claramente violadora da CRP (do direito de recurso e do processo justo/equitativo) como aliás já havia sido “corrigida” pelo Tribunal Constitucional no Acórdão 590/2012, de 5 de dezembro de 2012 (muito antes do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal a 14 de março de 2013), objetivamente não era expectável (rectius: absolutamente imprevisível e inesperada) pelo que constitui uma autêntica “decisão surpresa” para o Recorrente urna vez que este não pode prever todas as interpretações judiciais contrárias à CRP, muito menos era expectável uma decisão antagónica à, entretanto, proferida pelo Tribunal Constitucional, pelo que reúne todas as condições e requisitos para que seja admitido o presente recurso quanto a esta parte (cf, assim, quer na doutrina, quer na Jurisprudência Constitucional, por todos, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 81/2011).

    Termos em que:

    A- Por terem sido aplicadas, conjugadamente, as normas supra referidas interpretadas no sentido normativo igualmente supra referido...

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