Acórdão nº 201/07.0TBBGC.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Abril de 2013

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Data da Resolução11 de Abril de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AA intentou acção declarativa, com processo ordinário, contra o Fundo de Garantia Automóvel e BB e mulher, CC, estes na qualidade de herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito do seu filho DD, alegando, em síntese, que: No dia 5/1/2006, pelas 22h45m, no Itinerário Principal 4 (IP4), ocorreu um acidente de viação entre um automóvel ligeiro de passageiros, propriedade do autor e pelo mesmo conduzido, e o peão DD, filho dos réus BB e CC.

O DD atravessou a estrada da esquerda para a direita, atento o sentido do autor, surgindo inopinada e repentinamente, de noite, num local em que não é permitida a circulação de peões, sob intenso nevoeiro, sob chuva intensa e sem iluminação própria da via.

O autor travou e guinou para a sua direita, mas não logrou evitar o atropelamento daquele, o qual ocorreu na hemi-faixa destinada à circulação do veículo.

O acidente de que resultou a morte do DD, portador de taxa de alcoolemia no sangue não inferior a 2,86g/l, deveu-se a culpa do próprio e do condutor desconhecido que o transportou à boleia até ao local, parando o veículo em local para tanto interdito e fazendo sair o peão em zona interdita à sua circulação, apesar de saber que o mesmo se encontrava embriagado.

Como consequência directa e necessária do acidente, o autor sofreu estado confusional, ansiedade, humor depressivo, ondas de angústia em que julga ver a morte, marcada excitabilidade, insónia de grau severo com pesadelos em que o acidente dos autos é tema dominante e pensamentos obsessivos em que o citado acidente surge como cenário principal e traumatizante, devido ao contacto visual que teve com o peão ensanguentado e disforme, com stress pós traumático, o que lhe provoca uma incapacidade parcial permanente [IPP] de 50% e justifica indemnização não inferior a 200.000,00€, atenta a sua idade (34 anos) e vencimento mensal de 1.500,00€, a que acresce o que gastou em médicos (400,00€) e em certidões (39,25€), bem como 50.000,00€ pelo sofrimento psicológico.

A responsabilidade pelo ressarcimento desses danos cabe ao réu FGA, nos termos do artº 21º, nº 2 al. a) do Decreto-Lei 522/85, de 31/12, e aos restantes réus, por serem os titulares da herança do peão.

Com tais fundamentos concluiu por pedir a condenação dos réus a pagar-lhe, a título indemnizatório e na medida das respectivas responsabilidades a apurar em audiência de julgamento, a quantia de 250.439,25 €uros, acrescida de juros moratórios vincendos desde a citação, à taxa legal.

Os demandados apresentaram contestações autónomas: o FGA alegou desconhecer as circunstâncias do sinistro e as respectivas decorrências, concluindo pelo julgamento da causa de acordo com a prova a produzir em audiência, enquanto a Francelina pugnou pela ilegitimidade dos restantes e consequente absolvição da instância, ou se assim se não entender, pela total improcedência da acção, por inexistência de bens na herança do falecido.

O autor respondeu a pugnar pela inverificação de qualquer excepção e a manter a sua posição inicial.

Saneado o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, condenou cada um dos réus a pagar ao autor metade das peticionadas despesas médicas, no montante de 530,75€, ou seja, 265,375€, acrescida de juros desde a instauração da acção, bem como a quantia de 2.000€, a título de danos de natureza não patrimonial, a que acrescerão juros desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento, absolvendo-os das restantes peticionadas indemnizações.

Discordando dessa decisão, apelaram o autor e o FGA, este subordinadamente, tendo a Relação do Porto, no total inêxito do recurso do primeiro e parcial sucesso do último, decidido modificar a percentagem da repartição de culpa e consequentemente «condenar o FGA a pagar ao autor a quantia de 26,54€, mais os juros desde a instauração da acção, bem como a pagar ao autor a quantia de 200€, acrescendo a esta última quantia juros desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento», e, por outro lado, «a Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por Óbito de DD a pagar ao autor a quantia de 504,21€, mais os juros desde a instauração da acção, bem como a pagar ao autor a quantia de 3.800€, acrescendo a esta última quantia juros desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento».

Persistindo inconformado, interpôs o autor recurso de revista, rematando a sua alegação, com as seguintes conclusões: 1. No Acórdão Recorrido existem várias contradições insanáveis entre os factos provados e a respectiva fundamentação, o que origina a apreciação do presente recurso, cfr. art. 722.°, n.° 1 c) art. 716.°, n.° 1 e 668.°, n.° 1 c) do C. P. Civil.

  1. Desde logo o Recorrente insiste que a resposta ao quesito 29.° deveria ser “provado apenas que a situação perguntada em 23 provoca no Autor uma Incapacidade Permanente Geral de 10% e não a resposta de “não provado” que foi dada.

  2. Para esta afirmação do Recorrente concorre logo o facto de o Acórdão recorrido, ao contrário da sentença de 1.ª instância, afirmar que, no caso dos autos, existe uma verdadeira e circunstanciada perícia médica legal realizada ao Autor na especialidade de Psiquiatria.

  3. Reconhece, ainda, o Douto Acórdão recorrido a existência de diagnóstico médico seguro e redundante de stress pós-traumático, o qual representa para o Autor um padecimento crónico, com causa adequada e suficiente no acidente dos autos.

  4. Afirma também a propósito o Acórdão recorrido que: “As consequências do sinistro para o próprio autor centram-se em padecimentos psicológicos graves e perpétuos, estando reconhecidos e descritos no relatório médico do psiquiatra EE, com data de 18/05/2006 – coadjuvado com o relatório auxiliar elaborado pelo psicólogo FF, com data de 7/05/2006 – bem como estão essencialmente enunciados, reconhecidos e descritos no relatório psiquiátrico forense realizado pelo psiquiatra GG em 30/04/2010, bem como, mas com detalhe muito inferior, no relatório final do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) de 15/07/2010”, acrescentando que a única divergência que existe entre os psiquiatras atrás referidos tem a ver apenas com o grau de incapacidade (10% em vez de 50%).

  5. Afirma-se também no Acórdão recorrido que, ao quadro clínico do Autor existe obrigatoriedade de aplicação da tabela nacional para avaliação de incapacidades permanentes em direito civil, sendo que nesta, a perturbação de stress pós-traumático está prevista com uma incapacidade de 4 a 10 pontos – código Nb -0000.

  6. Portanto, dúvidas não restam de que o Acórdão recorrido considera a existência de lesões e sequelas no Autor, o nexo de causalidade entre estas e o acidente dos autos.

  7. Contudo, e não obstante, acaba o Tribunal recorrido por ignorar tal facto e recusa-se a aplicar uma tabela de avaliação do dano que é obrigatória.

  8. Isto apenas, com base, pasme-se, no depoimento do Autor em sede de julgamento.

  9. Quando no Acórdão recorrido se chega a afirmar até relativamente aos diagnósticos atrás referidos que “se têm como devidamente enunciados, seguros, extensamente redundantes e reportados a estados mórbidos, consolidados sobre a condição psicológica do Autor”.

  10. É preciso não esquecer que a incapacidade permanente é de “per si”, um dano patrimonial indemnizável pela incapacidade em que o lesado se encontra e encontrará na sua condição física e psíquica, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto.

  11. Em situações de relativa autonomia da limitação funcional, a incapacidade permanente parcial, com reflexo na actividade geral e profissional, não deverá ser compensada por forma englobante no contexto de dano biológico, mas como dano patrimonial.

  12. Por isso, não se compreende como o Acórdão recorrido se recusa a aplicar a referida tabela tendo por base factos que foram provados mas aos quais o Acórdão recorrido se refere como não provados.

  13. Ou seja, o Acórdão recorrido refere que o Autor referiu ter efectuado tratamentos médicos do foro psiquiátrico, mas não provou que os tenha feito, quando a resposta ao quesito 28 é de:”provado que o Autor realizou os exames médicos das especialidades de psicologia e psicoterapia constantes de fls. 51 e 256 dos autos”.

  14. E quando, como se viu na conclusão V, o Tribunal recorrido aceita que os padecimentos psicológicos graves e perpétuos do Autor estão, nada mais, nada menos, reconhecidos no relatório do médico psiquiatra do A. Quando estava em Portugal, Dr. EE, (cfr. docs juntos com a P.I.).

  15. Só que o Tribunal recorrido ignorou, e não devia, que o Recorrente já há muito foi trabalhar para França, onde se encontra a ser tratado com um médico a quem expôs o caso e que o mesmo continuava com calmantes a antidepressivos, (factos que resultam quer do depoimento do Autor, quer do da sua mulher), por isso, impõe-se perguntar: acaso teria o Autor como se refere a fls. 489 do Acórdão recorrido que trazer a depor o médico que o segue em França? 17. Acaso não resulta das regras da experiência comum que uma pessoa com diagnóstico médico seguro redundante de stress pós-traumático, com padecimento crónico de estado de confusão, ansiedade, humor depressivo, ondas de angústia, marcada excitabilidade, insónias com pesadelos, tenha obrigatoriamente que desempenhar a sua actividade profissional como as pessoais, com muito mais esforço do que qualquer outra pessoa que delas não padecesse? 18. Por tudo o que se acabou de referir, não se compreende a relutância do Tribunal em indemnizar o A. A título de dano futuro, nem se compreende que a fls. 495 do Acórdão recorrido, o Tribunal entre em contradição com o alegado a fls. 487 (verso) já que ali apelida as afectações corporais e psicológicas sofridas pelo Autor de pequenas enquanto mais atrás refere que as consequências do sinistro para o próprio Autor centram-se em padecimentos psicológicos graves e perpétuos, como, de facto...

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