Decisões Sumárias nº 95/08 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Vítor Gomes
Data da Resolução06 de Março de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 95/2008

Processo n.º 161/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

1. Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, da sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Odemira, de 27 de Novembro de 2007, que recusou a aplicação da norma do n.º 2 do artigo 138.º do Código da Estrada, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, por considerá-la organicamente inconstitucional.

2. A decisão recorrida é do seguinte teor [transcrição parcial]:

O Ministério Público, junto desta comarca, deduziu acusação para julgamento em tribunal singular, em processo comum, contra:

A., casado, nascido a 23.06.1972, natural de Angola, filho de B. e de C., residente em …, Caixa Postal, n.º .. – Mértola, imputando-lhe a prática de um crime de violação de proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353.º do Código Penal.

O Tribunal recebeu a acusação, não sem antes alterar a qualificação jurídica dos factos nela ínsita, em termos de imputar ao arguido a prática de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, com remissão para o artigo 138.º, n.º 2 do Código da Estrada.

O arguido ofereceu o merecimento dos autos e arrolou testemunhas de defesa.

Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, mantendo-se a regularidade da instância.

Existe, contudo, uma questão prévia a decidir que obsta ao conhecimento do mérito dos autos.

Ao arguido é imputada a prática do crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 138.º, n.º 2 do Código da Estrada, com remissão necessária para o artigo 348.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, porquanto no dia 27 de Junho de 2003, pelas 05horas 45 minutos, o arguido terá conduzido veículo automóvel ligeiro de passageiros na via pública, desobedecendo a uma sanção acessória de inibição de condução de veículos motorizados pelo período de tempo compreendido entre 27 de Junho de 2003 e 25 de Outubro de 2003, devidamente emitida por autoridade administrativa em decisão condenatória de processo de contra-ordenação.

[…]

Em todo o caso, independentemente de zonas de sobreposição concretamente existentes e suscitáveis entre as normas apontadas para o efeito de se ajuizar o carácter inovatório da alteração introduzida, o certo é que a matéria do aludido 138.º, n.º 2 do Código da Estrada é da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, ao abrigo do disposto no artigo 165.º, n.º 1, al. c) da Constituição da República Portuguesa. A introdução em vigor da norma inquinada desse vício revoga o artigo 139.º, n.º 4 do Código da Estrada, na redacção anterior à entrada em vigor do DL 44/2005, sendo legalmente vedada, porque contrária ao princípio da legalidade e à proibição da retroactividade de norma penal mais desfavorável ao arguido, a interpretação analógica ou extensiva do mencionado artigo 138.º, n.º 2 do Código da Estrada, na redacção actual, em termos de considerar validamente criminalizada a conduta aí prevista ou, em hipótese considerada absurda, a repristinação daquele artigo que vigorava à data da prática dos factos.

Vale dizer que sendo a norma organicamente inconstitucional, por falta de competência legislativa de quem a aprovou, toda e qualquer interpretação normativa que dela se faça deverá, lógica e consequentemente, ser considerada inconstitucional.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa, recuso a aplicação do artigo 138.º, n.º 2, do Código da Estrada, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, por ser a mesma organicamente inconstitucional.

Os factos cuja prática se imputa ao arguido não constituem crime, ao abrigo de qualquer outra norma penal em vigor, motivo pelo qual julgo a acusação manifestamente infundada, ao abrigo do disposto no artigo 311.º, n.º 3, al. d), ora cognoscível ao abrigo do disposto no artigo 338.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, absolvendo o arguido A. da mesma.

3. O presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 138.º do Código da Estrada, na redacção do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, que a sentença recorrida recusou aplicar por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da Constituição.

Na situação em análise nos autos, o arguido estava a ser julgado pela prática de do crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 138.º, n.º 2 do Código da Estrada, com remissão necessária para o artigo 348.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, sob acusação de, no dia 27 de Junho de 2003, pelas 05horas 45 minutos, ter conduzido um veículo automóvel ligeiro de passageiros na via pública, desobedecendo a uma sanção acessória de inibição de condução de veículos motorizados pelo período de tempo compreendido entre 27 de Junho de 2003 e 25 de Outubro de 2003, devidamente emitida por autoridade administrativa em decisão condenatória de processo de contra-ordenação.

Sobre um caso idêntico, pronunciou-se recentemente o Tribunal Constitucional através do acórdão n.º 114/2008 da 3ª Secção, ainda inédito, tendo decidido, por unanimidade, não julgar inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 138.º do Código da Estrada, enquanto pune como desobediência qualificada quem conduzir veículo a motor estando inibido de o fazer por sentença transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva a título de sanção acessória pela prática de contra-ordenações (sublinhado nosso), com os seguintes:

[…]

II – Fundamentos

3. Invocando a autorização legislativa concedida pela Lei n.º 53/2004, de 4 de Novembro, e o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, veio dar nova redacção a vários preceitos do Código da Estrada (artigo 1.º). Entre as matérias que foram objecto de alteração avulta o regime de sancionamento dos ilícitos estradais. Neste capítulo, se insere o artigo 138.º que, na nova redacção, passou a dispor (sublinhada a disposição sobre que incide a controvérsia):

Artigo 138.º

Sanção acessória

1 - As contra-ordenações graves e muito graves são sancionáveis com coima e com sanção acessória.

2 - Quem praticar qualquer acto estando inibido ou proibido de o fazer por sentença transitada em julgado ou decisão administrativa definitiva que aplique uma sanção acessória é punido por crime de desobediência qualificada.

3 - A duração mínima e máxima das sanções acessórias aplicáveis a outras...

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