Acórdão nº 441/08 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução23 de Setembro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 441/2008

Processo n.º 263/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – O Ministério Público, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos art.ºs 70.º, n.º 1, alínea a), e 72.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro de 2008, na sua actual versão (LTC) da sentença proferida por aquele tribunal, pretendendo a apreciação da questão de constitucionalidade das “normas cuja aplicação foi recusada: o critério de apreciação de insuficiência económica previsto no ponto I, 1, alínea c), do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e os artigos 6.º, 8.º e 9.º, bem como os anexos para que remetem, tudo da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto”.

2 – Alegando neste Tribunal, o recorrente concluiu o seu discurso argumentativo dizendo:

“1.º

A norma constante do ponto I, 1, alínea c), do Anexo à Lei n.º 34/04, conjugado com os artigos 6.º, 8.º e 9.º e respectivos anexos da Portaria n.º 1085-A/04, de 31/08, interpretados no sentido de que determinam que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do benefício de apoio judiciário o rendimento do seu agregado familiar nos termos aí rigidamente impostos, sem permitir em concreto aferir da real situação económica do requerente, em função da sua efectiva carência económica, face aos seus rendimentos e encargos, é materialmente inconstitucional, por violação do artigo 2.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

  1. Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida”.

3 – Não houve contra-alegações.

4 – Com interesse para a compreensão do caso, vê-se nos autos:

4.1 – A. requereu, em 5 de Novembro de 2007, perante os pertinentes Serviços da Segurança Social, apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos, para propor acção de demarcação com o valor de 10.000 euros.

O pedido foi deferido tão só parcialmente, tendo-lhe sido concedido o benefício apenas na modalidade de pagamento faseado da taxa de justiça, de periodicidade trimestral e com a prestação de €80,00.

4.2 – O requerente impugnou judicialmente esta decisão administrativa, tendo a decisão ora recorrida julgado procedente o recurso de impugnação e concedido o benefício do apoio judiciário, na modalidade pretendida, tendo para tanto desaplicado expressamente “por inconstitucionalidade material o critério de apreciação de insuficiência económica previsto no ponto I,1,alínea c), do anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e os artigos 6.º, 8.º e 9.º e os anexos para quem remetem, tudo da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto”.

Na parte relevante à intelecção da decisão recorrida, discreteou esta do seguinte jeito:

[…]

Além disso, deverá sempre o tribunal verificar se as normas legais aplicadas se conformam com os ditames constitucionais, nomeadamente, se constituem ou não uma restrição desproporcionada e injustificada do direito fundamental de acesso ao direito (artigos 18º, nºs 1 e 2, 20º e 204º, todos da Constituição da República Portuguesa).

No caso dos autos, verifica-se que por efeito da aplicação do critério de apreciação da insuficiência económica previsto no ponto I, 1, alínea c), do anexo à lei nº 34/2004, de 29 de Julho e dos resultados da fórmula constante da Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto, a Segurança Social concluiu que o requerente tinha condições económicas para lhe ser deferido apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado.

Analisando o rendimento líquido do agregado familiar do requerente, tendo em conta o valor global desse rendimento e a sua provável distribuição por catorze meses, verifica-se que tal rendimento corresponde, per capita, a € 246,98 mensais e, se se distribuir tal rendimento anual por doze meses, equivalerá a um rendimento mensal per capita de € 288,14.

É notório que se trata de um rendimento exíguo, ainda para mais tratando-se de pessoa idosa, certamente com gastos acrescidos de saúde, alguns deles eventualmente sem comparticipação.

O resultado daquele critério e da referida fórmula é ainda mais chocante se atentarmos no valor do salário mínimo nacional, presentemente de € 426,00, valor que é considerado, por exemplo para efeitos de penhorabilidade, correspondente ao mínimo de subsistência (artigo 824º, nº 2, parte final, do Código de Processo Civil).

É certo que no artigo 20º, nº 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, existe uma “válvula de escape” à frieza dos números imposta pela Portaria nº 1085-A/2004, de 31 de Agosto, mecanismo que porém não foi usado pela Segurança Social e que não é facultado ao requerente do apoio judiciário.

Assim, no caso concreto, afigura-se-nos que a aplicação do critério de apreciação de insuficiência económica previsto no ponto I, 1, alínea c), do anexo à lei nº 34/2004, de 29 de Julho e dos critérios matemáticos vazados na Portaria nº 1085-A/2004, de 31 de Agosto e que conduzem a que alguém com rendimento mensal líquido de € 288,14, apenas tenha direito a apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça, sendo a prestação trimestral de tal pagamento faseado de € 80,00, se traduz numa intolerável restrição do direito fundamental de acesso ao direito.

A situação ainda é mais caricata se se atentar que para a causa para que se pretende o apoio judiciário (atribui-se-lhe o valor de € 10.000,00), a taxa de justiça devida por cada parte no processo é de € 288,00, sendo a taxa de justiça inicial devida por cada parte de € 144,00, estando o beneficiário de apoio judiciário sujeito, por força do disposto no artigo 13º da Portaria 1085-A/2004, de 31 de Agosto, ao pagamento da taxa de justiça total do processo, isto é, sofrendo um encargo maior do que sofreria se não beneficiasse de apoio judiciário. Ora, o não beneficiário de apoio judiciário só se sujeita ao pagamento de tal valor caso venha a sucumbir totalmente na acção e apenas a final terá que suportar tal valor.

Pelo exposto, porque se entende que a aplicação do critério de apreciação de insuficiência económica previsto no ponto I, 1, alínea c), do anexo à lei nº 34/2004, de 29 de Julho e dos critérios matemáticos da Portaria nº 1085-A/2004, de 31 de Agosto conduzem, no caso concreto, pelo que se expôs, a uma desproporcionada e injustificada restrição do direito fundamental de acesso ao direito, desaplicam-se, por inconstitucionalidade material o critério de apreciação de insuficiência económica previsto no ponto I, 1, alínea c), do anexo à lei nº 34/2004, de 29 de Julho e os artigos 6º, 8º e 9º e os anexos para que remetem, tudo da Portaria nº 1085-A/2004, de 31 de Agosto.

Considerando um rendimento mensal líquido de € 288,14, tendo em conta a idade avançada do requerente, facto que torna previsíveis encargos de saúde, alguns deles certamente não comparticipados, tendo em conta o valor da taxa de justiça de € 288,00 que o requerente terá de suportar necessariamente no processo para que requereu apoio judiciário, afiguram-se-nos reunidas as condições para que se conclua que o requerente não tem condições económicas para suportar a mencionada taxa de justiça.

Nesta medida, por força...

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