Acórdão nº 3298/05.4TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Março de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRA BELEZA
Data da Resolução05 de Março de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, BB, CC e DD, Lda., instauraram uma acção contra EE, pedindo a sua condenação na eliminação dos defeitos do prédio construiu e lhes vendeu, identificados na petição inicial e relativos ao estacionamento na respectiva cave.

“Em alternativa, no caso de incumprimento parcial definitivo do contrato de compra e venda”, pedem a condenação no pagamento “aos AA, solidariamente”, de uma indemnização, em montante a liquidar, “correspondente ao prejuízo resultante da privação do uso do lugar de estacionamento a que cada um dos AA. tem direito”.

O réu contestou. Invocou a ilegitimidade dos autores, a caducidade do direito de acção, afirmando não ter sido o construtor do prédio, “tendo adjudicado a execução da empreitada à sociedade FF Lda”, impugnou diversos factos, sustentou que “de acordo com o princípio da boa fé, não assiste aos AA. o direito de exigirem ao R. a reparação ou eliminação das deficiências aparentes ou evidentes que alegam”, rejeitou a acusação de ter actuado dolosamente e afirmou nunca ter reconhecido qualquer defeito. Pediu a condenação dos autores como litigantes de má fé, no pagamento de uma indemnização não inferior a € 10.000,00.

Os autores replicaram e modificaram o pedido “no sentido de alterar a composição das fracções e o respectivo registo predial”, tendo em conta as alterações que pretendem que sejam introduzidas nos estacionamentos que integram as fracções autónomas, e pediram a condenação do réu por litigância de má fé, numa indemnização também não inferior a € 10.000,00.

Requereram ainda a intervenção principal dos condóminos proprietários das restantes fracções, GG– Investimentos Imobiliários, SA, HH e mulher, II, JJ e KK, LL e mulher, MM.

As intervenções foram admitidas a fls. 340.

LL e mulher, MM, alegaram a sua ilegitimidade e pediram a improcedência da acção; JJ e KK opuseram-se à alteração à sua propriedade.

O réu treplicou. Por entre o mais, aceitou a confissão “de onde resulta que a denúncia dos defeitos alegados pelos AA. foi efectuada em 24.09.2003” e que só “no final de Dezembro de 2003 foi dado conhecimento ao R. do estudo técnico onde se mencionam as deficiências que foram apontadas ao estacionamento na reunião de condóminos de 24.09.2003” e opôs-se à alteração do pedido, pretendida pelos autores.

Os autores arguiram a nulidade parcial da tréplica, por excesso do seu âmbito possível, o que foi indeferido a fls. 550.

NN e mulher, OO, requereram a intervenção principal, ao lado dos autores, na qualidade de condóminos do prédio; a intervenção foi admitida pelo despacho de fls. 340, apesar da oposição do réu.

Na audiência preliminar, os autores esclareceram os pedidos, nestes termos (que foram admitidos): «a) A correcção dos defeitos da obra, designadamente a redução do grau de inclinação das rampas para 16,5%, o alargamento das faixas de circulação para 3 metros, a instalação de um sistema luminoso de circulação, a marcação no solo dos caminhos de evacuação com a largura de 0,90 cm; b) A supressão de quatro lugares de estacionamento; c) A ampliação dos lugares de estacionamento nº 5 no piso – 1 e nºs 6 e 7 no piso – 2; d) O reordenamento da localização dos lugares, por forma a que todos os condóminos usufruam dos seus lugares; e) A alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, em função das modificações ordenadas; f) A alteração da composição das fracções, no que respeita aos lugares de estacionamento que lhe venham a ser atribuídos; g) Os averbamentos à descrição predial do prédio e das fracções autónomas componentes das alterações ao título constitutivo da propriedade horizontal; h) Em alternativa, no caso de se verificar o incumprimento definitivo do Réu, a condenação deste ao pagamento de uma indemnização aos condóminos lesados correspondente ao prejuízo sofrido com a privação dos lugares de estacionamento, a liquidar em execução de sentença; i) A condenação do Réu como litigante de má fé, no pagamento de multa e de indemnização aos Autores não inferior a 10 000,00€ pelas despesas e prejuízos a que deu causa.» 2. Após diversas vicissitudes, a acção foi julgada pela sentença de fls. 1346: «(…) o Tribunal julga a acção parcialmente procedente e, em consequência, a) Condena o Réu EE a pagar à Autora AA a quantia de 22 000,00€ (vinte e dois mil euros), actualizada até à data com base na inflação determinada pelos índices de preços fornecidos pelo INE, a quantia de 5 000,00€ (cinco mil euros) por danos não patrimoniais, e a quantia que se vier a apurar em ulterior liquidação, no que concerne a outros danos patrimoniais decorrentes da privação do uso da garagem, designadamente os relacionados com o uso de parquímetro e as despesas acrescidas com combustível; b) Condena o Réu EE a pagar ao Autor BB a quantia de 22 000,00€ (vinte e dois mil euros), actualizada até à data com base na inflação determinada pelos índices de preços fornecidos pelo INE, a quantia de 3 000,00€ (três mil euros) por danos não patrimoniais, e a quantia que se vier a apurar em ulterior liquidação, no que concerne a outros danos decorrentes da privação do uso da garagem, designadamente os relacionados com o uso de parquímetro e as despesas acrescidas com combustível; c) Condena o Réu EE a pagar ao Autor CC a quantia de 22 500,00€ (vinte e dois mil e quinhentos euros), actualizada até à data com base na inflação determinada pelos índices de preços fornecidos pelo INE, a quantia de 3 000,00€ (três mil euros) por danos não patrimoniais, e a quantia que se vier a apurar em ulterior liquidação, no que concerne a outros danos patrimoniais decorrentes da privação do uso da garagem, designadamente os relacionados com o uso de parquímetro e as despesas acrescidas com combustível; d) Condena o Réu EE a pagar à Autora “DD, Lda.” a quantia que se vier a apurar em ulterior liquidação, no que concerne aos danos patrimoniais decorrentes da privação do uso da garagem, designadamente os decorrentes da desvalorização do valor locativo da fracção de que é locatária; e) Absolve o Réu do demais peticionado.» EE recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Pelo acórdão de fls. 1640, a sentença foi revogada, sendo o réu absolvido dos pedidos. A Relação considerou, no essencial, que, «perante [os] factos, e a nosso ver, não se pode concluir que o réu seja uma vendedor/construtor.

O réu exerce várias actividades imbricadas no ramo imobiliário, a saber promotor imobiliário em nome individual, administrador da «Predial Liz», mera sociedade mediadora e vendedor de imóveis. Mas não é definitivamente um construtor. Para tal serve-se de empresas de construção a quem adjudica os trabalhos, como foi o caso nos autos com a empresa FF Lda, essa sim construtora.

Quando a lei [equipara?] a situação do empreiteiro ao do vendedor/construtor pressupõe naturalmente a realização de uma obra a que faz parte intrínseca da definição legal do contrato de empreitada (artigo 1207.°). Não se vê no caso ocorrente que obra foi levada a cabo pelo réu (as correcções no piso e na inclinação nas rampas não foram, nem tal pode ser interpretado, realizadas materialmente ou em gestão directa por ele).

Aliás quem ouvir atentamente o registo de prova não pode ficar com outra ideia. AA tratou de todo o processo com a Predial Liz, nunca tendo visto o réu; assim mesmo aconteceu com CC; PP, empregada, recorde-se, há 20 anos, da Predial Liz, afirmou perentoriamente que o «o Réu não é construtor: Não vai à obra»; QQ explicou que por uma questão de contenção de custos fazia o papel de fiscal e supervisor da obra, mas que quem lhe pagava era a empreiteira e que pouco contactou na obra com o réu (este terá acompanhado de longe a obra...»); mutatis mutandis foi o mesmo o depoimento de SS.

Não podendo o réu ser considerado vendedor/construtor aplicam se ao caso vertente as regras dos artigos 916,° e 917.° conducentes à procedência da excepção peremptória de caducidade da acção (admitindo a denúncia dos efeitos em 15 de Outubro de 2004).

Perante tal conclusão, as restantes questões suscitadas pelo recorrente ficam prejudicadas.».

3. AA e outros recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça; o recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.

Nas alegações que apresentaram, os recorrentes formularam as seguintes conclusões: «1. A revista do Acórdão recorrido é limitada à verificação da existência, ou não, da excepção de caducidade do direito de acção; 2. No entendimento dos Recorrentes o Acórdão recorrido enferma de erro na determinação da norma aplicável, nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 722º do Codº Procº Civil; 3. Foi entendido no Acórdão sub-judice que ao caso era aplicável o regime da venda de coisas defeituosas, com sede nos artos 913º e segs. do Codº Civil, e não o do artº 1225º nº 4 do Codº Civil relativo à venda de imóveis de longa duração; 4. Da matéria de facto provada, resulta com relevo para a decisão da causa que: a) O Recorrido era dono do terreno onde foi construído o imóvel; b) O Recorrido planeou o investimento, encomendou o projecto, celebrou os contratos de empreitada de execução da obra, visitou a obra e acompanhou a sua evolução; c) O Recorrido obteve da Câmara Municipal de Lisboa, em seu nome, o alvará de licença de construção do edifício e a licença de utilização do mesmo; d) O Recorrido teve em vista a comercialização das fracções do edifício, que submeteu ao regime da propriedade horizontal, na qualidade de proprietário; e) O Recorrido promoveu a venda das fracções do edifício através da empresa Predial Liz, de que é sócio gerente; f) O Recorrido na promoção de venda salientava o facto de o edifício dispor de estacionamento; g) O Recorrido não podia desconhecer que para os adquirentes das fracções a existência de estacionamento no interior do edifício era um dos elementos decisivos para a sua vontade de adquirir as fracções; h) O Recorrido vendeu as fracções aos Recorrentes assegurando-lhes a existência de...

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