Acórdão nº 3327/10.0TBSTS-D.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]: AA, em 23 de Julho de 2010, requereu a declaração da sua de insolvência e, bem assim como, a exoneração do passivo restante, alegando preencher todos os requisitos, legalmente, exigidos, e obrigando-se a observar as condições decorrentes dos artigos 237º e seguintes, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Por decisão de 28 de Maio de 2010, foi declarada a insolvência do ora requerente.

O administrador da insolvência emitiu parecer, no sentido do indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

O Tribunal de 1ª instância indeferiu, liminarmente, o pedido de exoneração do passivo restante, com fundamento no disposto pelo artigo 238º, nº 1, d), do CIRE, porquanto o ora requerente não se apresentou à insolvência, nos seis meses subsequentes ao conhecimento da sua situação, com prejuízo para os seus credores.

Desta decisão, o ora requerente interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação e, em consequência, revogou a decisão impugnada, determinando o prosseguimento do incidente para apreciação dos pressupostos da concessão efectiva da requerida exoneração do passivo restante, nos termos do estipulado pelo artigo 237º, do CIRE.

Do acórdão da Relação do Porto, o credor “Banco BB, SA”, interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido de declaração de nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia (i), revogando-se o mesmo e, bem assim como, determinando-se que não seja concedido o benefício da exoneração do passivo restante (ii), formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente: 1ª – O presente recurso foi interposto do douto acórdão proferido pelos M°s Juízes Desembargadores, a fls. do processo, que deferiu o pedido de exoneração do passivo restante efectuado pelo recorrido por considerar que não existe motivo para indeferimento liminar do mesmo.

  1. - Decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, o acórdão recorrido não fez correcta interpretação dos factos nem adequada aplicação do direito.

  2. - O recorrente está, pois, convicto que Vossas Excelências, reapreciando a matéria dos autos e, subsumindo-a nas normas legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.

  3. - A decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, de que ora se recorre, julgou o recurso de apelação procedente, revogando a decisão proferida em primeira instância pelo Tribunal Judicial de Santo Tirso.

  4. - Pelo que, não fosse a última parte da redacção do artigo 14° do CIRE, o recorrente estaria impossibilitado de sindicar o acórdão recorrido.

  5. - No entanto, previu o legislador, que se for demonstrado que "o Acórdão de que se pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não haja sido proferido Acórdão de uniformização de Jurisprudência" é admitido recurso de revista excepcional (cfr. art. 14° e 17º do CIRE e 721°-A, n°1, al. c) do CPC).

  6. - A contradição de julgados manifesta-se, no caso concreto, entre o acórdão recorrido e quatro outros Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto de, respectivamente, 03 de Fevereiro de 2012, 3a Secção, processo n.°3326/10.1 TBSTS-D.P1; ii) 18 de Janeiro de 2012, 2a Secção, processo n.°3323/10.7 TBSTS-E.P1; iii) 23 de Maio de 2012, 2a Secção, processo n.° 3325/10.3 TBSTS-F.P1 e iv) 10 de Outubro de 2012, 2a Secção, processo n.° 3324/10.5 TBSTS-1.P1.

  7. - Os citados Acórdãos estão em contradição com o Acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação do Porto sobre a questão de saber se estão preenchidos os requisitos legais para a concessão do benefício da exoneração do passivo restante.

  8. - Mais, os Doutos Acórdãos foram proferidos no âmbito dos processos de insolvência dos irmãos do aqui recorrido/insolvente que i) são responsáveis pelas mesmas dívidas junto do B BB, SA e dos demais credores e ii) revelam a semelhante e dolosa forma de actuação do "clã CC".

  9. - No cumprimento da formalidade exigida no artigo 721°- A, n.°1, al. c) do C.P.C., junta-se cópia dos acórdãos referidos.

  10. - A nulidade prevista na 1a parte da al. d) do n.°1 do artigo 668° do CPC está directamente relacionada com o comando fixado no n° 2 do art. 660° do CPC, segundo o qual "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação...".

  11. - Acontece que, o Acórdão recorrido apenas apreciou a questão de saber se estão ou não verificadas as situações enunciadas no artigo 238° n.°1 al. d) do CIRE, não se pronunciando sobre os factos carreados para os autos e que integram a previsão da alínea e).

  12. - Ou seja, existe omissão de pronúncia do Juiz Desembargador, uma vez que, o Acórdão Recorrido por si redigido deixou de se manifestar sobre uma questão temática central que lhe foi colocada, como é o caso de constarem do processo elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência.

  13. - O Juiz relator do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto deveria ter emitido um parecer sobre a existência de negócios dolosos celebrados pelo Recorrido, que contribuíram sobremaneira para a sua situação de insolvência e, consequentemente, obstam à concessão do benefício da exoneração do passivo restante.

  14. - Pelo que, suprimindo tal juízo, verificou-se, assim, uma nítida omissão do dever de pronúncia.

  15. - A consequência é a nulidade do Acórdão, nos termos do art. 668 n.°1 al. d) e art. 716° n.°1 ambos do CPC.

  16. - Nulidade que desde já se invoca.

  17. - O Recorrido nunca poderá ver o seu pedido de exoneração do passivo restante ser liminarmente deferido por violação do disposto nas alíneas d) e e) do n.°1 do artigo 238.°, do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (doravante CIRE).

  18. - O montante dos créditos reclamados ascende a Eur. 28.781.171,08 (vinte e oito milhões setecentos e oitenta e um mil cento e setenta e um euros e oito cêntimos).

  19. - O referido valor resulta, na sua maioria, de diversas operações financeiras avalizadas pessoalmente pelo Recorrido enquanto sócio e/ou gerente das sociedades "DD, LDA.", "EE, LDA.,", "FF. S.A.,", "GG, LDA.", "HH, SA." e "II, SA.".

  20. - Aliás, quatro das referidas sociedades foram declaradas Recorridos nos seguintes processos judiciais: DD, LDA - Recorrido nos autos n.° 2252/10.9TBSTS do 2o Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santo Tirso; EE, LDA. - Recorrido nos autos n.° 1160/10.8TJVNF do 4°Juízo Cível do Tribunal de Judicial de Vila Nova de Famalicão; GG, LDA - Recorrido nos autos n.º 772/10.4 do 2°Juízo Cível do Tribunal Judicial de Alcobaça; II, SA. - Recorrido nos autos n.° 3913/10.8TJVNF do 2° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão.

  21. - De facto, nos termos dos n°s2 (a contrario) e 3 do artigo 18° do CIRE, sendo o devedor titular de uma empresa, mantém-se, quanto a este, o dever de apresentação à insolvência, no prazo de 60 dias após o conhecimento da situação de insolvência.

  22. - Com efeito, o devedor, enquanto sócio gerente das referidas empresas, estava obrigado a apresentar-se à insolvência, no prazo de 60 dias, face à citada disposição legal.

  23. - Enquanto sócio, gerente, avalista e, de um modo geral, garante das obrigações financeiras das citadas empresas, o devedor tinha plena consciência de que, também ele, se encontrava em situação de insolvência, pois bem sabia que o seu património sempre seria solidariamente responsabilizado por todas as operações financeiras que o próprio avalizou e que, no que ao aqui Requerente dizem respeito, ascendem a Eur.18.449.993,82 (dezoito milhões quatrocentos e quarenta e nove mil novecentos e noventa e três euros e oitenta e dois cêntimos) cujo vencimento data de Dezembro de 2009.

  24. - Uma vez que, os montantes reclamados se encontram vencidos e que o Recorrido responde por esses valores pessoal e solidariamente, este não poderia ignorar que se encontrava em indubitável situação de insolvência, até porque os seus principais rendimentos provinham da actividade exercida nas mencionadas sociedades.

  25. - Ao assumir pessoal e solidariamente as referidas operações, o devedor deveria, de acordo com a ponderação de um homem médio, ter tomado conhecimento da situação de impossibilidade de cumprimento da generalidade dos seus compromissos.

  26. - O Recorrido, face ao colossal passivo de que era (e é) devedor, não podia, pois, ignorar a inexistência de qualquer perspectiva séria de melhorar a sua situação económica de tal forma que lhe permitisse amortizar, ainda que lenta e fraccionadamente, as dívidas reclamadas.

  27. - Ao falar em perspectiva séria o legislador aponta para um juízo de verosimilhança sobre a melhoria económica do Recorrido, alicerçada naturalmente em indícios consistentes e não em fantasiosas construções ou optimismo compulsivo.

  28. - Atente-se que, ao avalizar diversas operações de crédito, o Recorrido assumiu-se como devedor principal e solidário das responsabilidades das sociedades que administrava, não gozando, por isso, de qualquer benefício de excussão prévia do património das mesmas.

  29. - Nem tão pouco procede a ideia de que a condição financeira do Devedor, enquanto pessoa singular, nada tinha que ver com a das...

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