Acórdão nº 00504/07.4BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 01 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelMaria do C
Data da Resolução01 de Junho de 2012
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO:AL. … e MI. …, residentes na Rua …, Cascais, interpuseram recurso jurisdicional da decisão proferida em 30 de Novembro de 2010 no TAF de Viseu que julgou totalmente improcedente a acção administrativa comum, sob a forma ordinária, por si intentada contra o ESTADO PORTUGUÊS através da qual peticionavam o pagamento da quantia de 286.000,00€ a título de danos morais e patrimoniais pela morte do seu filho TS. …, piloto aviador, em cumprimento de uma missão, quando tripulava um helicóptero da Força Área Portuguesa, da Esquadra 552 de Beja.

*Os recorrentes apresentaram as seguintes CONCLUSÕES que aqui se reproduzem: «A. Não se pode dar como provado que o acidente de 09ABR2002, com o helicóptero Alouette III, N/C 19301, “se dá por paragem do rotor de cauda devido a causas indeterminadas, (…)” e, ao mesmo tempo, concluir que a conduta do Estado foi lícita.

B. O Ministério da Defesa Estado não pode mandar voar um piloto aviador, numa nave que, em dado momento do voo, apresenta uma “paragem do rotor de cauda devido a causas indeterminadas”.

C. Segundo a sentença recorrida, em Portugal, é lícito e legítimo o Ministério da Defesa ordenar aos seus oficiais pilotos que tripulem aparelhos que, por razões “indeterminadas”, vão deixar de funcionar, durante o voo, despenhando-se no chão e matando, dessa forma, os pilotos e demais pessoal da tripulação.

D. A sentença recorrida padece de um primeiro defeito, não ter sido capaz de compreender que a circunstância de o motor do rotor do cauda do helicóptero ter deixado de funcionar, provocando com a sua paragem a queda do helicóptero, por este ter ficado descontrolado, constitui um acto ilícito, que gera o dever de indemnizar.

E. Outro grave erro da sentença sujeita a recurso, resulta da mesma não ter dado como provados, todos os factos que foram alegados e não foram controvertidos, não foram impugnados pelo Ministério Público, como tinham de ser, factos esses discriminadamente enumerados nas presentes alegações, os quais, agora, nestas conclusões se dão por reproduzidos.

F. Mas mais, se a sentença recorrida, não queria dar como provados os factos supra enumerados, apesar dos mesmos não terem sido impugnados pelo Ministério Público, então, no mínimo, tinha de os sujeitar a quesitos, numa base instrutória, dando cumprimento ao previsto nos artigos 511º e 512º do CPC e, dando condições aos autores para fazerem prova dos mesmos, o que não sucedeu.

G. Os autores, por não ter sido organizada base instrutória e não terem sido chamados a indicar prova, ficaram impedidos de provar os factos em causa.

H. Se estes factos tivessem sido dados como provados, tal como tinham de ser, jamais se poderia concluir que não se provou a ilicitude da conduta do Ministério da Defesa, nem que seja pela responsabilidade pelo risco.

I. Ao agir deste modo, a sentença recorrida violou a regra do CPC já citada e violou leis da física, que são de conhecimento público e notório.

J. O Ministério da Defesa violou o direito à vida do Alferes TS. …, dado ter permitido que, no helicóptero que o mesmo tripulava, ocorresse uma “paragem do rotor de cauda devido a causas indeterminadas, (...) que determinaram a interrupção da cadeia de transmissão entre a BTP e a BTA”.

K. Tal resultou da interrupção da transmissão do movimento ao rotor da cauda da aeronave.

L. A sentença recorrida recusou sujeitar-se ao direito que regula a presente situação, refugiando-se em normas especiais, tal como se essas contraditassem ou pusessem em causa as normas gerais do Código Civil, o que não é o caso.

M. O Ministério da Defesa Nacional, perante um motor da cauda que não funcionou, como tinha de funcionar, não pode alhear-se do sucedido, ignorando o dever que sobre ele impende de manter o material de voo em condições óptimas e, sempre, capaz de cumprir o fim a que se destina. Não será necessário ser sábio, para compreender que se o motor de uma nave falha, ela se despenha no solo, o que constitui um facto público e notório.

N. A sentença recorrida violou, assim, as seguintes normas de direito: o artigo 2º do Decreto-Lei nº 48.051 de 21 de Novembro de 1967; o nº 1 do artigo 483º do Código Civil; o nº 2 do artigo 487º do Código Civil, retomado pelo artigo 4º do Decreto-Lei nº 48.051 de 21 de Novembro de 1967; os artigos 499º a 510º do Código Civil, designadamente o nº 1 do artigo 503º do Código Civil.

O. Se o helicóptero se despenhou, por ausência de funcionamento do motor da cauda, tal facto é, por natureza, ilícito, porque autoridade alguma pode mandar voar um piloto, numa nave cujos motores não funcionam depois da mesma estar no ar, em pleno voo. Porque se assim agir, condena o piloto à morte, o que não pode fazer.

P. Não se diga que o Ministério da Defesa não podia prever a paragem de funcionamento do motor da cauda do helicóptero, porque tal não torna lícita a circunstância de se ter sujeitado uma tripulação a voar numa nave, cujo motor da cauda se revelou não idóneo ao fim que dele se exigia, dado que a responsabilidade por tal fatal do “material” só pode ser imputada ao proprietário do mesmo material. Ou seja do Ministério da Defesa.

Q. “Um bom pai de família” teria, sempre, tornado impossível que ocorresse uma “paragem do rotor de cauda devido a causas indeterminadas, não sendo possível estabelecer com rigor os eventos que determinaram a interrupção da cadeia de transmissão entre a BTP e a BTA.” E se a mesma ocorresse assumiria, sempre, a sua responsabilidade quer por via da culpa, quer simplesmente objectiva.

R. A morte do Alferes TS. … resultou de um comportamento culposo do MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, consubstanciado na presença de um motor da cauda que deixou de funcionar, ocorrendo uma “paragem do rotor de cauda devido a causas indeterminadas, não sendo possível estabelecer com rigor os eventos que determinaram a interrupção da cadeia de transmissão entre a BTP e a BTA.” Mas, se assim não se entender, a mesma continua a ser imputável ao MINISTÉRIO DA DEFESA NACIONAL, por responsabilidade civil objectiva, nos termos do nº 1 do artigo 503º do Código Civil.

S. Tripular um helicóptero é uma actividade de alto risco “perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados.” T. Tal gera o direito à indemnização, aqui reclamado.

U. As disposições do Decreto-Lei nº 466/99 de 6 de Novembro de 1999 não contrariam as regras de direito civil e de responsabilidade civil do Estado supra citadas, pelo que as mesmas jamais podem ser invocadas como direito especial a ser aplicado em exclusão da aplicação das normas reguladoras da responsabilidade civil, supra citadas, como ocorreu na sentença recorrida.

V. Logo, ao contrário do referido na sentença recorrida, não se vê como é que a aplicação dessas normas, apesar de especiais, poderiam determinar a não aplicação das normas gerais do Código Civil à presente situação.

X. E, se por acaso, existissem normas especiais nesse diploma que o determinassem, a verdade é que a sentença recorrida não as indicou e, ao não indicar as mesmas cometeu a nulidade de falta de fundamentação prevista na alínea b), do nº 1, do artigo 668 do Código de Processo Civil, pelo que enferma de expressa nulidade.

Z. Depois, a sentença recorrida prosseguiu escrevendo que se deve aplicar o previsto no Decreto-Lei nº “38.523, de 23 de Novembro de 1951, com as alterações subsequentes”, fundamentando-se no artº 15º desse diploma, na redacção que lhe teria sido dada pelo DL nº 140/87, de 20 de Março.

AA. Sucede, porém, que esta legislação foi revogada tacitamente pelo já citado Decreto-Lei nº 466/99 de 6 de Novembro, pelo que, o dito Decreto-Lei nº “38.523, de 23 de Novembro de 1951, com as alterações subsequentes” está revogado pelo regime jurídico do Decreto-Lei nº 466/99 de 6 de Novembro, bem como pelo regime jurídico do Decreto-Lei nº 404/82, de 24 de Setembro, que, já anteriormente, tinha revogado toda a legislação anterior.

BB. Mas, se assim não se entender, então, ainda se constata que a norma citada, na fundamentação da presente sentença, ou seja, o artigo 15º do DL nº 38.523, de 23 de Novembro de 1951, na redacção dada pelo DL nº 140/87, de 20 de Março, não foi, de facto, alterada pelo artigo 5º do DL nº 140/87, de 20 de Março. As disposições alteradas foram somente, “os artigos 9º, 14º, 20º, 23º, 24º, 26º, 28º, 29º e 36º do Decreto-Lei nº 404/82, de 24 de Setembro, e nunca as do Decreto-Lei nº 38.523, de 23 de Novembro de 1951. E nunca qualquer artigo 15º.

CC. Logo, a sentença recorrida baseia-se, fundamenta-se, numa norma que não foi alterada pelo Decreto-lei nº 140/87, de 20 de...

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