Acórdão nº 428/08 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Agosto de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução12 de Agosto de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão n.º 428/2008 Processo n.º 520/08 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 14 de Abril de 2008, foi concedido parcial provimento ao recurso interposto pelos arguidos A. e B. contra o despacho do Tribunal Judicial de Guimarães, de 14 de Janeiro de 2008, que, nos termos do artigo 89.º, n.º 6, do Código de Processo Penal (CPP), na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, prorrogara a manutenção do segredo de justiça até ao dia 4 de Outubro de 2008, por ser esse “o prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação”. Nesse acórdão, o Tribunal da Relação de Guimarães entendeu que quando o n.º 6 do artigo 89.º do CPP (“Findos os prazos previstos no artigo 276.º [os prazos de duração máxima do inquérito], o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos do processo que se encontre em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do artigo 1.º [terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade especialmente violenta e criminalidade altamente organizada], e por um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação”) permite nova prorrogação do prazo, por uma só vez, esta prorrogação, tal como a primeira, também tem a duração máxima de três meses. Embora esta disposição, introduzida pela Lei n.º 48/2007, só se dirija ao futuro, não colocando em causa os actos praticados em sede da lei antiga (designadamente, o despacho de 10 de Outubro de 2007, que adiara o acesso pelo período de três meses, que terminou em 10 de Janeiro de 2008), conclui a Relação que a nova prorrogação do prazo tinha a duração máxima de três meses e terminara já em 10 de Abril de 2008.

Em 23 de Abril de 2008, o arguido A. e outros vieram requerer a consulta de todos os elementos do processo.

Por despacho de 2 de Maio de 2008, a magistrada do Ministério Público titular do inquérito facultou a consulta do processo através de acesso a cópia certificada do mesmo, da qual foram retirados “todos os elementos relativos a informações bancárias e fiscais e bem assim despachos cuja execução esteja em curso”.

Os referidos arguidos, em 12 de Maio de 2008, vieram requerer o acesso a todos os elementos do processo.

Sobre esse requerimento recaiu o seguinte despacho, de 21 de Maio de 2008, da magistrada do Ministério Público titular do inquérito:

“Requerimento de fls. 10 113, do mandatário dos arguidos A. e B.:

Para complemento da certidão já existente, para consulta nos termos do n.ºs 3 e 6 do artigo 89.º do CPP, extraia cópia certificada de todos os elementos do processo a partir de fls. 10 014 até ao presente despacho, com excepção dos documentos bancários de fls. 10 042 a 10 094 (os quais respeitam a pessoa diferente daqueles arguidos), por, nesta parte, nos opormos, nos termos do despacho que segue.

*

O mandatário dos arguidos A. e B. veio requerer a consulta de todos os elementos do processo, sem qualquer limitação, designadamente quanto às informações bancárias e fiscais recusadas pelo Ministério Público, por entender que a lei é clara no sentido de que «... o arguido ... podem consultar todos os elementos de processo que se encontre em segredo de justiça ...».

Está assim em causa a interpretação do n.º 6 do artigo 89.º do CPP, ao estabelecer que «Findos os prazos previstos no artigo 276.º, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos de processo que se encontre em segredo de justiça ...».

Ora, não obstante o referido teor do artigo 89.º, n.º 6, do CPP, na parte em que refere que o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos do processo, este preceito não pode deixar de ser conjugado com preceitos especiais que, relativamente a específicos elementos dos autos, impedem que sejam consultados, designadamente antes do encerramento do inquérito.

Encontram-se nesta situação os elementos que caem na previsão do n.º 7 do artigo 86.º, que dispõe que «A publicidade não abrange os dados relativos à reserva da vida privada que não constituam meios de prova» e acrescenta que «a autoridade judiciária especifica, por despacho, oficiosamente ou a requerimento, os elementos relativamente aos quais se mantém o segredo de justiça, ordenando, se for caso disso, a sua destruição ou que sejam entregues à pessoa a quem disserem respeito ...».

É ainda o caso dos suportes técnicos das conversações e comunicações telefónicas interceptadas, cujo acesso, como estabelece o n.º 8 do artigo 188.º do CPP, só poderá ter lugar a partir do encerramento do inquérito.

No que aos documentos bancários respeita, estão abrangidos por segredo profissional, conforme dispõe o artigo 78.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGISF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 1/2008, de 3 de Janeiro, designadamente quanto aos «nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias», sendo a violação do segredo punível nos termos do Código Penal (artigo 84.º do RGISF).

O mesmo se diga quanto aos elementos sujeitos a sigilo fiscal, conforme o disposto no artigo 64.º, n.ºs 1 e 3, da Lei Geral Tributária (LGT).

É certo que, nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 5/2002 de 11 de Janeiro, o segredo bancário e fiscal cede se houver razões para crer que «as respectivas informações têm interesse para a descoberta da verdade», mediante despacho da autoridade judiciária, o que efectivamente aconteceu nos autos relativamente aos documentos em causa, acima referidos.

No entanto, dispõe o artigo 3.º da mesma lei, no seu n.º 4, que, após o fornecimento dos elementos pelas instituições bancárias, «os documentos que não interessem ao processo são devolvidos à entidade que os forneceu ou destruídos, quando não se trate de originais, lavrando-se o respectivo auto», em homenagem ao princípio da necessidade e da proporcionalidade no que respeita à utilização processual de dados sujeitos a sigilo bancário.

Ora, o relevo de tais documentos para o processo e a respectiva decisão sobre a sua utilização corno prova ou, pelo contrário, a sua devolução ou destruição, só poderá ter lugar após a realização da respectiva análise pericial, pelo que a revelação de tais documentos, nesta fase, poderá implicar a violação daqueles preceitos – artigos 78.º e 84.º do RGISF.

Aliás, uma interpretação normativa do n.º 6 do artigo 89.º do CPP no sentido de ser permitida e não poder ser recusada ao arguido, antes do encerramento do inquérito a que foi aplicado o segredo de justiça, a consulta irrestrita de todos os elementos do processo, neles incluindo dados relativos à reserva da vida privada de outras pessoas, abrangendo elementos bancários e fiscais sujeitos a segredo profissional nos termos do RGISF e da LGT, juntos aos autos na sequência de quebra do segredo nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, mas sem que tenha sido concluída a sua análise em termos de poder ser apreciado o seu relevo e utilização como prova ou, pelo contrário, a sua destruição ou devolução nos termos do n.º 7 do artigo 86.º do CPP e do n.º 4 do artigo 3.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, e sem que se demonstre a sua imprescindibilidade para a defesa do arguido, é violadora dos princípios ínsitos nos artigos 20.º, n.º 3, 26.º, n.ºs 1 e 2, e 202.º da Constituição da República Portuguesa.

Em suma, não estando ainda definido o relevo dos elementos supra referidos para a prova, ou a sua imprescindibilidade para a defesa do arguido, que aliás não é invocada pelo requerente, entende-se que o disposto no n.º 6 do artigo 89.º do CPP (que se reporta por identidade de razões ao arguido, assistente e ofendido), não é fundamento suficiente para ser permitido o acesso àqueles elementos bancários e fiscais, neste momento, pelo que deve ser indeferido, nesta parte, o requerido.

Considerando o disposto no artigo 89.º, n.º 2, do CPP e face à oposição à consulta, deduzida pelo Ministério Público no que respeita aos elementos bancários e fiscais, apresente os autos à Senhora Juiz do Tribunal de Guimarães para decisão.”

Conclusos os autos à Juíza do Tribunal Judicial de Guimarães, esta proferiu, em 26 de Maio de 2008, o seguinte despacho:

“A fls. 10 113, o Ex.mo Senhor Mandatário dos arguidos A. e B. veio requerer a consulta da totalidade dos autos.

A fls. 10 115, o Ministério Público veio manifestar a sua discordância relativamente ao peticionado, apresentando as razões de facto e de direito que nos escusamos a reproduzir.

Nos termos do artigo 89.º, n.º 2, do CPP, cumpre decidir.

Estabelece o disposto no artigo 86.º, n.º 6, alínea c), do CPP que a publicidade do processo implica a consulta do autos e obtenção de cópias de quaisquer partes do processo, com as limitações estabelecidas nos n.ºs 7 e 8 do mesmo normativo.

Assim, inexistindo qualquer limitação legalmente estabelecida ao peticionado pelos arguidos, nomeadamente a certos elementos do processo, determina-se, como já determinou o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, que todos os intervenientes processuais tenham acesso à totalidade dos autos, caso assim o pretendam.”

Notificada deste despacho, a magistrada do Ministério Público, uma vez que o mesmo omitia qualquer menção ao n.º 6 do artigo 89.º do CPP, veio requerer a sua aclaração, consignando:

“É assim a interpretação do artigo 89.º, n.º 6, do CPP que está em causa, no sentido de saber se a consulta do processo em segredo de justiça aí prevista (para o arguido, o assistente e ofendido, mas não para outros intervenientes processuais) é irrestrita, sobrepondo-se designadamente às limitações que possam decorrer da...

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