Acórdão nº 358/08.3TBVLP.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução17 de Janeiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA instaurou uma acção contra a Companhia de Seguros BB, SA e CC, pedindo a sua condenação solidária no pagamento de € 31722,25, com juros de mora, contados à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento.

Para o efeito, e em síntese, alegou ter sido vítima de acidente de viação, por atropelamento que crê ter sido intencional, por parte do segundo réu; e, em consequência, ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais; e que a responsabilidade do mesmo se encontrava transferida para a primeira ré, por contrato de seguro.

O réu CC contestou, sustentando a sua ilegitimidade e impugnando a versão do autor, não ter provocado o acidente ocorrido e ser desrazoável o montante indemnizatório pedido.

A ré também contestou. Por excepção, alegou que o pedido “devia ter sido formulado e julgado” no processo crime 75/03.0GAVLP; por impugnação, manifestou discordância em relação à quantia pedida, em seu entender excessiva; e negou ter qualquer obrigação de indemnizar, por se tratar de danos dolosamente provocados, não cobertos pelo seguro obrigatório, desde logo por não se poder considerar o sinistro como “acidente de viação”: “a utilização dada pelo Réu ao QM, enquanto arma de agressão, extravasa a cobertura do contrato de seguro automóvel e o risco assumido pela seguradora ora contestante, enquanto responsável (apenas) por danos causados a terceiros decorrentes da circulação do veículo”.

O autor replicou e pediu a condenação do segundo réu como litigante de má fé, em multa e em indemnização em quantia não inferior a € 1500,00.

No saneador, foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade (devido ao “modo como [o autor] configura a demanda”) e da dedução obrigatória do pedido de indemnização no processo criminal (por ter sido excedido o prazo para deduzir acusação pela al.a) do nº 1 do artigo 72º do Código de Processo Penal, ocorrendo, portanto, uma excepção ao princípio da adesão).

A acção foi julgada parcialmente procedente, pela sentença de fls. 290. Os réus foram solidariamente condenados a pagar ao autor a quantia de € 20.522,25 (€ 20.000,00 por danos não patrimoniais e € 522,25 por danos patrimoniais), com juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até integral pagamento (artigos 804, 805º, 806º e 559º do Código Civil).

Em síntese, a sentença entendeu que estavam preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por acto ilícito, no que respeita ao réu CC, condutor do veículo; e que a seguradora respondia como garante, nos termos da lei do seguro automóvel obrigatório (nº 2 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, vigente à data dos factos), tendo direito de regresso contra CC (artigo 27º, nº 1, a) do mesmo diploma).

A sentença foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 390.

A ré Companhia de Seguros BB, SA interpôs recurso de revista excepcional, que foi admitido pelo acórdão de fls. 512 da formação prevista no nº 3 do artigo 721º-A do Código de Processo Civil, por contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Março de 2007, proferido na revista nº 197/07.

2. Nas alegações que apresentou, a recorrente formulou as seguintes conclusões: «1.O presente recurso apenas versa e tentará por em crise questões de Direito, nomeadamente, a solução de Direito plasmada na decisão do acórdão recorrido, com a qual não se concorda, por se entender que a mesma, entre outros e como melhor adiante se exporá, faz uma errada interpretação e como tal viola as normas legais contidas nos artigos 437° do Código Comercial, os artigos 1º, 7º e o artigo 8º, n°2, do D.L. 522/85, de 31 de Dezembro, bem como os artigos e 280° do Código Civil, bem como o valor fixado para reparação dos danos não patrimoniais, o qual se reputa excessivo e como tal em violação dos critérios fixados no artigo 566°, n°3 do Código Civil.

(…) 9.O acórdão recorrido manteve a decisão da sentença de 1ª instância, entendendo que a Recorrente não se encontrava desonerada da sua responsabilidade de indemnizar o Autor, ao abrigo do contrato de seguro automóvel obrigatório, regulado pelo D.L. 522/85 de 31 de Dezembro, pelo facto do condutor do veículo abrangido pela cobertura do seguro, o QM, ter actuado com a intenção premeditada de atingir o Autor na sua integridade física.

10.Resulta dos factos provados que o condutor do QM recorreu e utilizou o seu veículo como instrumento de um crime, não como um veículo de circulação terrestre, de transporte e de locomoção, mas como um meio idóneo a praticar um crime na pessoa do Autor/Recorrido.

11. Não estamos assim perante um acidente de viação, um acto fortuito e imprevisível, mas perante a prática de um crime, pelo qual, inclusive, o condutor do QM foi condenado no âmbito do processo-crime que correu termos pelo Tribunal Judicial de Valpaços, junta a fls. dos autos, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada e omissão de auxílio.

12.O condutor do LP decidiu usar este veículo para atingir o Autor, ou seja, com o específico propósito de molestar a integridade física do Autor utilizando para o efeito o meio que tinha à sua disposição aquando da prática dos factos, ou seja, o próprio veículo QM, direcionando-o em marcha atrás em direcção ao Autor e Recorrido até o atingir e deixar caído na via, como poderia ter decidido recorrer a outro qualquer instrumento adequado a atingir aquele fim premeditado e ao qual adequou a sua conduta, como uma faca, um pau, uma pedra, um machado, etc...

13.É assim inquestionável que o condutor do QM agiu com dolo directo, com o específico propósito de molestar a integridade física do Autor/ Recorrido, provocando-lhe as lesões de que este veio a padecer.

14.Não estamos perante a verificação de um facto que consubstancie a concretização de um risco inerente à circulação e à natureza própria do veículo, enquanto meio de transporte e de locomoção terrestre, cuja verificação objectiva se traduz na ocorrência de um sinistro ou acidente de viação.

15. Aceitar o contrário seria desconsiderar e afastar o risco como elemento essencial do contrato de seguro, pois tal como ensina toda a Doutrina e Jurisprudência, a assunção de um risco pela seguradora é um elemento essencial do contrato de seguro (…).

16.Por outro lado, aceitar como faz o acórdão recorrido que um acontecimento que nada tem de incerto ou fortuito, antes foi premeditado e querido pelo seu agente, como acontece nos presentes autos, decorre da objectivação de um risco inerente á circulação de um veículo automóvel, traduz-se também numa violação do disposto no artigo 437° do Código Comercial, nos termos de cujo parágrafo terceiro resulta que "o seguro fica sem efeito se o sinistro tiver sido causado pelo segurado ou por pessoa por quem ele seja civilmente responsável”.

17. Não podemos assim aceitar que os factos que são objecto dos autos e que se encontram provados consubstanciem um acidente de viação, pois o OM foi o instrumento utilizado para a prática de um crime premeditadamente previsto pelo seu condutor.

18.O próprio Tribunal de 1a Instância retirou os factos objecto destes autos do conceito de acidente de viação, com a resposta constante do n°.7 da fundamentação de direito da sentença onde consta que "em consequência da actuação do Réu CC ..." e não em consequência do acidente objecto dos autos, como constava do artigo 12° da Base Instrutória.

19.Este artigo 12° da Base Instrutória continha a seguinte questão: Em consequência do acidente de viação relatado, o Autor sofreu lesões....?" ao que o Tribunal no despacho de resposta à matéria controvertida respondeu: "Quesito 12: provado, com o esclarecimento de que a expressão "do acidente de viação relatado" se substitui por "da actuação do Réu CC", como passou a constar do n°7 da fundamentação de facto da sentença e do acórdão recorrido.

20.Resulta da própria matéria de facto provada e da resposta dada a este artigo da base instrutória, que os factos objecto dos autos não configuram um acidente de viação, mas antes uma actuação do Réu CC, condutor do QM, assim se descaracterizando e retirando tais factos do conceito de acidente de viação.

21.Ao contrário do que considera o acórdão recorrido, o entendimento de que a garantia do contrato de seguro celebrado com a Recorrente não abrange os danos causados ao Autor, não é afastado pelo D.L.522/85 de 31 de Dezembro, nomeadamente pelo n°2 do seu artigo 8º.

22.Já que, dispõe o artigo 1º do referido D.L. 522/85 que "toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veículo terrestre a motor, seus reboques ou semi-reboques...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
2 temas prácticos
2 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT