Acórdão nº 5608/05.5TBVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução18 de Dezembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA, residente que foi na Rua D. ............., n.º .......,....

.

, Pedrouços, Maia, por si e na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de seu marido, BB, veio intentar acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra “V.............”, associação desportiva, com sede na Rua ................, n.º 000, Vila Nova de Gaia, pretendendo que fosse declarado resolvido o contrato-promessa celebrado em 23/02/1991 entre a demandante e seu marido BB, enquanto promitentes-vendedores, e o Réu, enquanto promitente-comprador, com a restituição por si da quantia de 10.000 contos prestados por este último.

Para o efeito e em síntese, alegou ter sido celebrado o mencionado contrato-promessa de compra e venda, tendo por objecto metade indivisa do prédio melhor identificado nos artigos 2.º a 4.º da petição inicial, sendo que, apesar de ter ficado estabelecido que a celebração do contrato definitivo devia concretizar-se até 23/11/1991, o certo é que o Réu não havia providenciado, como se obrigara, pela marcação da respectiva escritura, apesar de ter sido interpelado para esse efeito, inclusive através de notificação judicial avulsa, assim entrando em incumprimento definitivo do aludido contrato-promessa, a justificar, por sua vez, o respectivo pedido de resolução.

O Réu, citado para os termos da acção, contestou, defendendo-se por excepção e impugnação. No âmbito daquela invocou a ilegitimidade da Autora para intentar a acção. No âmbito desta, alegou, além do mais, inexistir fundamento para ser decretada a resolução do mencionado contrato, quando é certo já ter sido pago integralmente a totalidade do preço convencionado pela concretização do negócio definitivo, dispor a contestante de procuração irrevogável a seu favor, possibilitando a realização de negócio consigo mesmo, bem assim não ter sido interpelada nos termos invocados no articulado inicial.

A Autora replicou, rejeitando a procedência da matéria da excepção, concluindo nos precisos termos do inicialmente peticionado.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador em que, por força de terem intervindo na acção os demais herdeiros da herança deixada por óbito do falado BB, se considerou sanada a invocada excepção de ilegitimidade activa.

Fixou-se ainda a factualidade tida como assente entre as partes e organizou-se base instrutória, peças estas que não sofreram reclamação.

Por entretanto ter ocorrido o óbito da referida AA (autora inicial e cabeça-de-casal da herança deixada por óbito do seu marido BB) vieram a ser habilitadas, como seus herdeiros e com legitimidade para prosseguirem com a lide, as várias pessoas identificadas na decisão constante de fls. 244 a 247.

Estabilizada a instância em termos subjectivos, veio a realizar-se audiência de julgamento, com gravação dos depoimentos nela prestados, tendo sido proferida decisão da matéria de facto, após o que foi a causa sentenciada, julgando-se a acção improcedente, nessa medida se absolvendo o Réu do pedido formulado contra o mesmo.

Inconformados com o decidido, interpuseram recurso de apelação os mencionados herdeiros habilitados como Autores na acção, tendo o Tribunal da Relação, por acórdão de 12 de Abril de 2012, julgado improcedente a apelação e, nessa medida, confirmado a sentença recorrida.

De novo, inconformados, recorreram de revista, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1ª - O presente recurso é admissível face ao disposto no artigo 721º do CPC vigente à data da propositura da ação; 2ª - O comportamento dos autores tem de ser apreciado à luz dos valores éticos dominantes da postura assumida pelo Réu; 3ª - De facto se é expectável que alguém, depois de ter recebido o preço dum bem prometido vender e de ter outorgado procuração a favor do promitente-comprador com poderes para fazer negócio consigo mesmo, não venha pedir a resolução do contrato promessa; 4ª - Também não é expectável que o promitente-comprador fique inúmeros anos sem celebrar a escritura de compra e venda a seu favor e que não pague a contribuição predial antes e depois do IMI; 5ª - Nem se responsabilize pelos prejuízos que a falta de conservação da propriedade causa a terceiros; 6ª - E também não é expectável que utilize o direito de não celebrar de imediato a escritura para evitar um potencial exercício do direito de preferência pelo comproprietário; 7ª - Ou para frustrar os créditos que tem (que são notórios, porque publicados na Comunicação Social) para com o Fisco e a Segurança Social; 8ª - Ponderada a atuação dos recorrentes e do recorrido constata-se que o exercício do direito de resolução do contrato por parte dos Autores foi precedido da interpelação admonitória pelo que só a conduta mal - intencionada e relaxada do Réu justificou a situação em que ficou; 9ª - Ao não ter celebrado, porque não quis, antes e depois de interpelado para tal, o recorrido é o único culpado pela situação a que forçou os Autores - a resolução do contrato; 10ª - Posição que não coloca os valores éticos dominantes bem pelo contrário - a posição do Clube é que choca os valores éticos dominantes pois é antinatural, é ilógica e move-se por razões obscuras; 11ª - Até porque é manifestamente exagerado o tempo que decorreu para o Clube regularizar e não regularizou.

12ª - A decisão impugnada violou o disposto no artigo 234º do C. Civil.

O Réu não contra – alegou.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

  1. As instâncias consideraram provados os seguintes factos: 1 - No dia 23/02/1991, AA, casada com BB (1.

    os Outorgantes) e “V.............” (2.º Outorgante) celebraram entre si um contrato que denominaram de «contrato-promessa de compra e venda», através do qual os 1.

    os declararam prometer vender ao 2.º a metade indivisa de um campo com área de 10.000 m.

    2, sito na Rua da ..............., Vila Nova de Gaia, a confrontar de Nascente com CC e outros, Poente com Rua ........, Norte com Rua .....e Sul com DD e outro, pelo preço de 10.000.000$00, a pagar da seguinte forma: a) - 1.000.000$00, no acto da celebração do contrato-promessa; b) - 1.000.000$00, a pagar no dia 23/05/1991; c) - O restante no dia da celebração da escritura pública, que será marcada pela segunda, dentro do prazo de nove meses a contar da data da celebração do contrato, tudo conforme consta de fls. 18 a 21 que aqui se dão como reproduzidas (alínea A).

    2 – Dá-se por integralmente reproduzido o teor do documento de fls. 22 e 23, datado de 18/01/1992, denominado de «procuração», onde AA e BB declaram que constituem seu procurador o aqui Réu e conferem poderes especiais para vender a si próprio, pelo preço de 10.000.000$00, a metade indivisa do terreno referido em 1 supra, conferindo poderes de administração relativamente a tal fracção a alienar (alínea B); 3 - Em 18/01/1992, AA e BB tinham recebido da Ré a quantia de 10.000.000$00 referida em 1 supra (alínea C); 4 – Dá-se por integralmente reproduzido o teor do documento de fls. 25: - certidão de notificação de EE, datada de 27/01/2005, em cumprimento de pedido de notificação judicial avulsa requerida por AAe em que é pessoa a notificar o aqui Réu (alínea D); 5 - BB faleceu em 6/03/2003, no estado de casado com AA (alínea E); 6 - BB e AA casaram um com o outro em 25/12/1944, no regime de comunhão de bens (alínea F); 7 - A Autora e seu marido perguntaram ao Réu quando iria celebrar a escritura referente ao contrato mencionado em 1º (resposta ao quesito 1º); 8 - A Autora interpelou o Réu para celebrar a referida escritura através da notificação referida em 4 (resposta ao quesito 2º); 9 - O Réu teve conhecimento da interpelação referida em 4º (quesito 3º).

  2. Por força das conclusões formuladas pelos recorrentes/autores, que afinal delimitam o âmbito e o objecto do recurso, as questões fundamentais que importa decidir são as seguintes: 1ª – Natureza do Contrato celebrado por autores e réu; 2ª - Da resolução do contrato; 3ª – Do abuso do direito.

  3. Natureza do contrato celebrado por autores e réu.

    De acordo com a definição prevista no artigo 410º, n.º 1 do Código Civil, o contrato – promessa é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar novo contrato. Estamos assim perante um contrato preliminar de outro contrato, o denominado contrato definitivo.

    O contrato promessa caracteriza-se especificamente pelo seu objecto, uma obrigação de contratar, a qual pode ser relativa a qualquer outro contrato.

    O contrato promessa será, pois, um contrato preliminar que tem por objecto a celebração de um outro contrato, o contrato prometido. Constitui, no entanto, uma convenção autónoma deste, uma vez que se caracteriza normalmente por ter eficácia meramente obrigacional, mesmo que o contrato definitivo tenha eficácia real.

    Reportando-nos ao caso dos autos, é inquestionável estarmos perante um contrato promessa de compra e venda, obrigando-se os autores a vender e a ré a comprar metade indivisa do prédio urbano, identificado no artigo 2º da petição inicial, por 10.000.000$00, a pagar da seguinte forma: (i) um milhão de escudos no acto do contrato promessa; (ii) um milhão de escudos no dia 23/05/1991; (iii) a parte restante do preço, no dia da celebração da escritura.

    Consta da cláusula 6ª do contrato que “os promitentes vendedores manterão todos os direitos e obrigações inerentes ao senhorio e proprietário até outorga da correspondente escritura, mormente quanto ao recebimento da sua parte de renda”.

  4. Resolução do contrato: Pela cláusula 5ª do contrato obrigou-se a ré a...

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