Acórdão nº 10641/07.0TBMAI.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução27 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Nos presentes autos de expropriação em que é Expropriante EP - Estradas de Portugal, E.P.E., com sede na Praça da Portagem, 2805-030, Pragal, Almada, e expropriados AA e BB, residentes na Rua ......, ....., Matosinhos, por despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas de 22 de Dezembro de 2004, publicado no Diário da República II Série n.° 17, de 25 de Janeiro de 2005, foi declarada, com carácter de urgência, a utilidade pública da expropriação da parcela de terreno, identificada com o n.º 30, com a área de 682 m 2, a destacar do prédio sito na freguesia de Moreira, inscrito na matriz sob o artigo 6915º e descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º 000000000000.

Da deliberação arbitral, que fixou em € 29.384 o valor da indemnização, recorreram expropriante e expropriados, pretendendo estes que a indemnização fosse fixada em € 157.120 e defendendo aquela que a indemnização deveria ser fixada em € 10.340.

Procedeu-se a avaliação. Os peritos do tribunal fixaram o valor da indemnização em € 71.762,80. O perito dos expropriados entendeu fixar a indemnização em € 99.279,98 e o perito da expropriante fixou a indemnização em € 4.092.

A sentença (fls. 401/410), julgando totalmente improcedente o recurso interposto pela expropriante e parcialmente procedente o recurso apresentado pelos expropriados, fixou em € 62.143,06 o valor da indemnização a pagar pela expropriante aos expropriados, sendo “o montante indemnizatório actualizável, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, relativamente ao local da situação dos bens ou da sua maior extensão, desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até à disponibilização aos expropriados de parte do depósito da entidade expropriante e, quanto ao restante, até à data do trânsito desta decisão”.

Expropriante e expropriados recorreram da sentença para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 17/01/2012, (i) na procedência do recurso da expropriante, fixou em 10.340 € a indemnização a pagar aos expropriados, actualizada conforme o estabelecido na decisão recorrida e (ii) na procedência do recurso dos expropriados, condenou a expropriante a pagar-lhes juros de mora, à taxa legal, sobre 13.840 €, desde 26/05/2005 até 2/02/2006 e, sobre 29.384 €, desde 3/02/2006 até 29/01/2008.

Notificados do acórdão, vieram os expropriados, invocando manifesto lapso dos seus subscritores na determinação e/ou interpretação das normas aplicáveis, pedir a respectiva reforma, tendo a Relação, depois de ouvida a expropriante, proferido, em 17/01/2012, o acórdão de fls. 537 a 539, indeferindo a requerida reforma.

Notificados deste acórdão, vieram agora os expropriados interpor recurso de revista, com fundamento na oposição de acórdãos, nos termos do disposto nos artigos 678º, n.º 4 e 721º, ambos do Código de Processo Civil, finalizando as alegações com as seguintes conclusões: 1ª - O acórdão recorrido, no âmbito do julgamento que efectua, a propósito da fixação de uma justa indemnização, por consequência da expropriação por utilidade pública, não seria, à partida, sindicável, não fora o mesmo acabar por ser contraditório a outros anteriormente havidos sobre a mesma questão de direito e no âmbito de um mesmo quadro de facto.

  1. - Primeiramente se diga que o acórdão recorrido conclui que o solo expropriado não pode ser classificado como “solo apto para a construção”, partindo para a realização dessa tarefa exegética colocando o enfoque sobre a parcela expropriada e as suas características intrínsecas, omitindo por completo a sua referência a um prédio de maiores dimensões e com características relevantes para aquele fito.

  2. – O legislador ordinário, ao estabelecer um critério dicotómico de classificação dos solos, teve em vista a consideração do prédio de que o expropriado é proprietário, considerado em si como uma unidade, ainda que em vista esteja sempre a fixação de uma justa indemnização pela ablação da parcela.

  3. - Efectivamente, o conceito de justa indemnização, porque visa concretizar-se numa full composition ou reparação integral do prejuízo/dano provocado na esfera jurídica do expropriado, não encerra apenas a compensação económica pela perda da parcela expropriada (isto é, o valor pecuniário pela sua privação), mas comporta igualmente outras dimensões que inculcam, na perspectiva do legislador, a assunção de todos os prejuízos advenientes ao prédio (seja pela destruição de benfeitorias, pela cessação de actividades ou pela perda de valor na parte sobrante).

  4. - E se vale este princípio base para a determinação da justa indemnização, e sendo o valor de mercado do bem o resultado da ponderação das valências e aptidões reconhecidas ao solo visto na sua globalidade, por maioria de razão importa considerar, à luz de resto do critério firmado no n.º 1 do artigo 26º do CE, a capacidade construtiva que era reconhecida pelo P.D.M. vigente ao solo, na sua integralidade, e não apenas à que era reconhecida - ou não era de todo - quanto à parcela afectada.

  5. - Este vem sendo, de resto, o sentido interpretativo acometido pela nossa jurisprudência que, nos termos do acórdão invocado, e opondo-se ao juízo recorrido, “se é verdade que o Plano Director Municipal classifica a zona onde se situa o prédio a que pertence a parcela expropriada como «áreas agrícolas e florestadas a preservar», esse facto não impede que, para efeitos do cálculo do indemnização por expropriação, o prédio possa ser classificado como solo apto para construção. Basta que, para tanto, preencha os requisitos previstos em alguma das alíneas do n.º 2 do artigo 25º do Código das Expropriações”.

  6. - Ora, e desconsiderando o erro manifesto em que incorre o próprio acórdão recorrido, a propósito da caracterização do prédio de que a parcela é destacada (erro por violar ostensivamente o objecto do recurso submetido à sua apreciação e a livre apreciação da prova, não impugnada, havida em 1ª instância), a não atender-se à realidade do prédio havido em termos globais, mais do que se violar ostensivamente as normas dos artigos 23º, n.º 1, 25º, n.

    os 2 e 3, e 26º, n.º 1, todos do CE, estar-se-á a beneficiar indevidamente a expropriante que, neste âmbito, goza de discricionariedade alargada não só ao momento da expropriação, mas também ao seu objecto, configuração e alcance da produção de efeitos.

  7. - Acarretando, pois, a invocação da inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 23º, dos n.

    os 2 e 3 do artigo 25º e do n.º 1 do artigo 26º do C E, quando interpretados no sentido de que, para efeitos de classificação e avaliação do solo expropriado, deverá apenas e só considerar-se a parcela expropriada e os factos que a caracterizam, e não já o solo de que aquela foi destacada, por manifesta violação dos princípios da igualdade, na sua vertente externa, e da justa indemnização, contendendo com as normas dos artigos 13º e 62º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, conforme supra demonstramos.

  8. - De outro prisma será criticável o acórdão recorrido, a saber, quanto à desconsideração da desvalorização formada sobre a parte sobrante, ainda que a causa determinante do seu conhecimento nesta sede seja comum à anteriormente invocada, ou seja, a oposição de um tal entendimento com jurisprudência firmada.

  9. - Valendo aqui, necessariamente, a crítica efectuada quanto ao paradigma, sob que perspectivou o acórdão recorrido a parte sobrante não expropriada do prédio, porque - repita-se - assente numa premissa ilegal e que ofende regras base da valoração da prova e da delimitação do objecto de recurso, o Tribunal “a quo” acometeu a apreciação da questão da indemnização da desvalorização havida sobre a parte remanescente do prédio à da classificação que formou sobre a parcela expropriada.

  10. - Tratam-se, claro está, de questões autónomas e independentes, que o legislador ordinário expressamente fez questão de distinguir (atente-se nos artigos 26º e 27º, por um lado, e no artigo 29º, do outro), ainda que seja consabido que ambas compõem, em conjunto, e sendo o caso, o valor global da justa indemnização a fixar.

  11. - Sendo reconhecida capacidade edificativa concreta à parte sobrante do prédio, na medida em que, por via da execução de uma infra - estrutura rodoviária, se crie ou aumente a faixa de protecção daquela (em abono das regras da segurança rodoviária, nos termos do DL n.º 13/94), privando, em termos definitivos e perpétuos, a capacidade mencionada, até aí reconhecida, importará sempre indemnizar o expropriado, com vista a colocá-lo em igualdade com os não expropriados, pela perda de valor acometida a esta parte do solo.

  12. - É hoje comummente aceite (muito por força do Assento nº 16/94, e posteriores juízos de inconstitucionalidade formados sobre o artigo 8º do C.E.) que, no âmbito de protecção das normas dos artigos e 29º do C.E., consagram-se situações, como a dos autos, em que o solo sobrante (e não expropriado) de um prédio, no qual era reconhecida aptidão edificativa e que, por via da causa expropriandi, a perde, ou é limitada, tem direito a ser indemnizado ao abrigo dos citados preceitos legais, desde que demonstre a especial onerosidade criada (expropriação por sacrifício) formada em benefício do interesse geral.

  13. - Daí que avancem os Arestos invocados, distanciando-se do acórdão recorrido, que "(...) é evidente que depois da expropriação, o potencial económico da parte sobrante do prédio, por ficar abrangida pela zona de servidão “non aedificandi” da auto - estrada, sofreu importante depreciação, a qual os peritos, ao que julgamos, correctamente, avaliaram em 25% do seu valor, tendo o expropriado direito a ser ressarcido desse prejuízo, garantindo-se assim que, pela expropriação, lhe é atribuída, como é seu direito, uma “justa indemnização”.

  14. - De outro modo não estaria o ordenamento jurídico em condições de compensar adequada e integralmente...

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