Acórdão nº 2950/10.7TBPRD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Setembro de 2014

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução08 de Setembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 2950/10.7TBPRD.P1*Sumário do acórdão: I. Revela-se pacífico na jurisprudência o entendimento de que a decisão arbitral tem natureza jurisdicional, funcionando como tribunal arbitral necessário, daí decorrendo como corolário lógico a conclusão de que ao acórdão arbitral são aplicáveis em sede de recurso as normas do CPC, sendo o poder de cognição do juiz delimitado pela alegação do recorrente e transitando em julgado tudo o que se revelar desfavorável para a parte não recorrente.

  1. A mesma unanimidade não se verifica quanto ao âmbito do caso julgado, confrontando-se na jurisprudência três orientações: i) a que defende a ocorrência do trânsito em julgado apenas relativamente ao valor da indemnização; ii) a que defende que também transitam em julgado os parâmetros que suportam o cálculo da indemnização, nomeadamente a qualificação do solo; iii) a que defende que a classificação do solo, bem como outros parâmetros de avaliação, constituirão caso julgado apenas e na medida em que sejam pressuposto ou antecedente lógico da decisão.

  2. No que respeita especificamente à classificação dos solos, há ainda quem considere que envolve um juízo de “qualificação jurídica” insusceptível de vincular o julgador, tornando legítima, em sede de recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º do CPC, a alteração de tal classificação pelo tribunal.

  3. Deverá entender-se, no que concerne aos critérios que suportam a conclusão jurídica em que se traduz a justa indemnização, que o caso julgado da decisão arbitral apenas abrange os fundamentos que constituem pressuposto ou antecedente lógico da mesma.

  4. Em suma, a questão resume-se a averiguar se determinado factor analisado no acórdão arbitral constitui ou não pressuposto necessário e fundamentador da decisão, ou premissa essencial da conclusão jurídica em que se traduz a parte dispositiva da sentença.

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório No processo de expropriação litigiosa, por utilidade pública urgente, com vista à implementação da B…, em que é expropriante o Município … e expropriadas C… e de D…, promoveu-se a expropriação da parcela com a área de 4835m², destacada do prédio com a área de 73.000m², denominado “E…”, confrontando, o dito prédio, a norte com F…, a sul com junta de Freguesia, a nascente com herdeiros de G… e a poente com herdeiros de H…, inscrito na matriz predial rústica da freguesia … sob o artigo 146 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º 002197/150199, cuja declaração de utilidade pública foi publicada no DR n.º 189, II Série, de 30/09/2009.

    Por despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local n.º 333/2008, de 27/08/2008, publicado no Diário da República n.º 189, II Série, de 30/09/2008, foi declarada de utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação da referida parcela.

    A entidade administrativa entrou na posse administrativa da parcela em 11/03/2009 (fls. 24/25).

    Realizada a arbitragem, foi proferido acórdão no qual se considerou por unanimidade que a justa indemnização correspondente à parcela expropriada se deverá fixar em 10.637€ (fls. 11 - 14).

    Consta do referido acórdão: “De acordo com o PDM – Plano Director Municipal … o terreno encontra-se inserido em área classificada como “Reserva Ecológica Nacional (Áreas com Risco de Erosão), Floresta Complementar, Floresta Condicionada e Zona Industrial”.

    Remetido o processo ao tribunal, foi proferida decisão adjudicatória em 15/10/2010 (fls. 49).

    Inconformadas com a decisão arbitral, vieram as expropriadas C… (entretanto falecida) e D… interpor recurso da mesma, com os seguintes fundamentos: requerem a expropriação total da parte sobrante a norte do prédio; preconizam a avaliação da parcela tendo por base a sua aptidão de zona de ocupação industrial, sendo de 23% a taxa a aplicar nos termos do n.º 7 do artigo 26.º do CE e 300€ o valor atribuído para a construção de naves industriais; alegam que é possível executar na parcela expropriada quatro lotes com a área de 1.208 m²; pugnam pela fixação da indemnização em 66.723€ referente à parcela expropriada e pela atribuição do valor de 24.784,80€ referente à parcela sobrante; concluem pela atribuição do valor global de 91.507,80€.

    Nas alegações de recurso, referem as expropriadas, nomeadamente: «[…] 8.º Aceita-se que a parcela expropriada tenha a área de 4.835 m², incidindo esta sobre um prédio com a área de 76.446,00 m2, tratando-se por esta via de uma expropriação parcial.

    9.º Aceita-se, também, que o prédio expropriado confina a Norte com F…, a Sul com Junta de Freguesia, a Nascente com Herdeiros de G… e a poente com Herdeiros de H….

    10.º Concorda-se que a parcela expropriada está inscrita na matriz rústica n.º 146 da freguesia … e descrita na respectiva conservatória com o n.º 002197/150199.

    11.º É igualmente verdade que a parcela expropriada possua uma configuração irregular com uma inclinação descendente de Norte para Sul.

    12.º Aceita-se também, como referem os Senhores Árbitros, que o prédio e parcela expropriada, que o PDM de Paredes em vigor à data da DUP, caracterize a zona da parcela, como Reserva Ecológica Nacional, Floresta Complementar, Floresta Condicionada e Zona Industrial.

    Com tudo isto se concorda. […]».

    A expropriante respondeu pugnando pelo indeferimento da expropriação total e alegando que a parcela não pode ser classificada como pretendem as expropriadas, uma vez que está inserida em zona de reserva ecológica (Áreas em risco de erosão) e não tem qualquer confrontação com via pública.

    Por decisão de 4/04/11 (fls. 89), foi indeferida a requerida expropriação total.

    Procedeu-se à avaliação da parcela expropriada, com a intervenção de cinco peritos, tendo sido apresentados dois laudos: i) um subscrito por quatro peritos (pelos 3 peritos do Tribunal e pelo perito das expropriadas), que atribui à parcela expropriada o valor de 24.156,72€; ii) outro subscrito pelo perito da entidade beneficiária da expropriação, que atribui à parcela expropriada o valor de 14.967,30€.

    Ambas as partes apresentaram alegações.

    Tendo ocorrido o falecimento da expropriada C… foi proferida decisão que habilitou D… como sua única herdeira.

    Em 11.02.2014 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo o recurso interposto pela expropriada parcialmente improcedentes e, em consequência, fixo a indemnização a pagar pela entidade expropriante à expropriada D… em 13.626€ (treze mil, seiscentos e vinte e seis euros), quantia acrescida, em cada ano decorrido desde a declaração de utilidade púbica até à presente data, calculada de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação publicado pelo Instituto Nacional de Estatística».

    Não se conformou a expropriada D… e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações (fls. 178) onde formula as seguintes conclusões: 1) A sentença a quo considerou erradamente que parte do Acórdão Arbitral tinha transitado em julgado; 2) Tendo erradamente afirmado que havia trânsito em julgado da classificação dada ao solo em parte do terreno, como também, e por consequência, o correspondente valor por metro quadrado desse solo conforme definido em 3) A sentença é contrária à lei, é contrária aos princípios basilares de processo civil, e é absolutamente violadora do disposto no art. 62.º da C.R.P porque se afasta do fim do processo de expropriação que é o de fixar a justa indemnização.

    4) Como sempre se tem entendido a decisão dos árbitros no processo de expropriação por utilidade pública é uma primeira decisão judicial, suscetível de formar caso julgado sobre o valor da indemnização devida ao expropriado, salvo se não for, como foi adequada e tempestivamente impugnada.

    5) A Expropriada recorreu da decisão arbitral delimitando o objeto global do mesmo e opondo-se ao valor indemnizatório dado em arbitragem apresentando, em alternativa, os métodos de cálculo que entendia corretos, e que vieram a ser parcialmente atendidos em avaliação.

    6) Havendo recurso global sobre o montante indemnizatório ("não se conformam com a indemnização") atribuído ao terreno expropriado, não há trânsito em julgado de nada enquanto não for proferida decisão em segunda instância.

    7) O recurso apresentado pressupõe discordância quanto a toda a matéria que irá influenciar na atribuição do montante indemnizatório.

    8) Se a Expropriada recorreu do valor atribuído ao terreno, é óbvio que recorreu de todas as matérias que irão influenciar na atribuição desse valor, 9) A classificação dada ao terreno não é um facto em si mesmo, mas uma qualificação jurídica atribuída pelos árbitros em face dos critérios que entenderam aplicar.

    10) O acórdão arbitral determinou que o solo da...

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