Acórdão nº 4/10.5FBPTM.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução12 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO Por acórdão de 1.4.2011 do Tribunal Coletivo do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos foram condenados, como coautores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21º e 24º, c), do DL nº 15/93, de 22-1, os arguidos: AA, na pena de 11 anos de prisão; BB, na pena de 9 anos de prisão.

[1] Recorreram os arguidos dessa decisão para o Tribunal da Relação de Évora.

[2] Por acórdão de 28.2.2012, este Tribunal concedeu provimento parcial aos recursos, modificando a subsunção jurídica dos factos, que integrou no art. 21º do mesmo diploma, e reduzindo as penas da seguinte forma: AA: 8 anos e 6 meses de prisão; BB: 8 anos de prisão.

Deste acórdão recorrem novamente os arguidos, agora para este Supremo Tribunal.

Alega o arguido AA: 1. Decidiu o Venerando Tribunal da Relação de Évora, após alteração do enquadramento jurídico dos factos provados em primeira instância, (enquadramento jurídico nos termos do art.° 21.° DL 15/93 de 22 de Janeiro) aplicar uma pena de prisão ao recorrente de oito anos e seis meses, pela prática em coautoria material de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes p. e p. no art.° 21.° n.° l do DL 15/93 de 22 de Janeiro, revogando assim o acórdão da primeira instância.

  1. Pese embora o Venerando Tribunal da Relação de Évora tenha, em virtude do desagravamento do crime pelo qual o recorrente foi condenado em primeira instância, reduzido a pena de prisão aplicada, à luz da moldura penal prevista no art.° 21.° n.°l da DL 15/93 de 22 de Janeiro, o recorrente não concorda com o doutamente decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, por entender que a mesma é manifestamente excessiva, atendendo-se à moldura penal aplicável bem como às suas condições pessoais.

  2. O recorrente não concorda com a medida da pena que lhe foi aplicada, seis meses acima do meio da moldura abstratamente aplicável, porquanto, o quantum da pena que lhe foi aplicada viola os princípios orientadores da teoria dos fins das penas, e o disposto no art.° 71.° do Código Penal.

  3. Fundamenta o Venerando Tribunal da Relação de Évora a aplicação de uma pena de prisão de 8 anos e 6 meses, em cumprimentos dos critérios plasmados no art.° 71.° do Código Penal, na seguinte factualidade: "Da factualidade constante do acórdão recorrido resulta: • relativamente a ambos os Arguidos, que - lidaram com quantidade significativa de droga - cerca de 4.000 (quatro mil) quilogramas resina de haxixe; - revelam atuação dominante nas operações de descarregamento de tal droga; - agiram com dolo direto; - não têm antecedentes criminais; - não demonstraram arrependimento: - não revelam ter interiorizado a gravidade dos factos.

  4. À semelhança do que sucedeu em primeira instância, também o Venerando Tribunal da Relação de Évora, entendeu que o silêncio do recorrente em sede de audiência e julgamento (valendo-se de um direito que lhe assiste), demonstrou falta de arrependimento e por conseguinte os sentimentos demonstrados no cometimento do crime não se coadunam com a interiorização da gravidade dos factos praticados.

  5. Ora é notório que tal consideração depôs contra o recorrente para determinação da medida da pena a aplicar-lhe, pois tal foi ponderado nos termos do disposto no art.° 71.° n.° 2 do Código Penal.

  6. Para determinação da medida da pena a aplicar ao recorrente, foi ponderado em seu prejuízo o facto do recorrente alegadamente não demonstrar arrependimento.

  7. Conclusão extraída pelo Tribunal de primeira instância, à qual o Tribunal da Relação de Évora acedeu, e como resulta claro da diferenciação da pena aplicada ao co-arguido que viu a sua pena igualmente reduzida, valorou assim negativamente o silêncio do recorrente, em contradição com os factos provados e a motivação dos factos não provados, o direito ao silêncio.

  8. Desta forma e porque o recorrente não pode ser desfavorecido pelo exercício do direito ao silêncio, não pode o mesmo ser valorado como indício ou presunção de culpa, nem tão pouco como circunstância influenciadora da dosimetria concreta da pena, por conseguinte não pode tal opção apresentar-se contra o recorrente.

  9. Deveria a norma jurídica ter sido interpretada no sentido de o direito ao silêncio não poder desfavorecer o arguido, nem determinar a prova do facto de se encontrar arrependido, porém não pode presumir que não se encontre efectivamente arrependido.

  10. No que concerne à culpa do recorrente, será de entender que esta está sensivelmente diminuída pela unicidade da conduta criminosa que alegadamente praticou e bem assim pelo espaço temporal em que actuou ou que é conhecido e a forma como procedeu pelo que deve a sua culpa ser entendida como diminuída.

  11. Conforme V. Exas. podem constatar do próprio processo, não foi possível descortinar o destino a dar ao produto estupefaciente, nem o nível de envolvimento do recorrente na operação, mormente a posição que ocupava na organização da operação até porque não há notícia de qualquer outra diligência investigatória para além dos resultados da apreensão, pelo que será de qualificar a conduta do recorrente dolosa porém diminuta.

  12. Não sendo correcto no modesto entendimento do recorrente em sede de determinação da pena a aplicar ao recorrente considerar que revelou actuação dominante no descarregamento da droga.

  13. Assim, mal andou o Tribunal da Relação de Évora ao considerar tais factos (não demonstrar arrependimento; não revelar ter interiorizado a gravidade dos factos, e revelar actuação dominante nas operações de descarregamento de tal droga), para determinar a aplicação da pena de prisão ao recorrente, pois que, os mesmos não resultaram provados na audiência de julgamento, violando-se o disposto no art.° 355.° do Código de Processo Penal.

  14. É entendimento do recorrente que o Venerando Tribunal da Relação de Évora não acatou o disposto no art.° 71.° n.° 2 do Código Penal, ''atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ".

  15. Pois deveria ter ponderado a favor do recorrente, para determinação da medida da pena concretamente a aplicar: A idade do recorrente.

    O facto do recorrente não ter antecedentes criminais.

    O facto de aquele ainda ter duas filhas menores e de estes precisarem da presença e da figura paterna para o seu desenvolvimento.

    O facto de estarmos perante um individuo que sempre trabalhou, aliás desde muito jovem se demonstrou pessoa trabalhadora, ingressando no mercado de trabalho na adolescência, não estamos perante uma pessoa que não tem meios para retomar a sua vida, o trabalho a vida familiar.

  16. E, ainda, o tipo de estupefaciente em causa, pois que trata-se de uma substância que não está elencada nas chamadas drogas duras, não sendo prejudicial para a saúde a par daquelas.

  17. Refira-se que o consumo de Haxixe é aceite e liberalizado em vários países da União Europeia, por não ser considerada substância maléfica para a saúde.

  18. Face ao que, deverá aqui ser tomada em linha de conta a ressocialização do recorrente, a sua inserção familiar, e a possibilidade de regressar ao seu meio laboral e social com o menor dano possível, impedindo-se dessa forma que volte a trilhar o caminho do crime, não esquecendo que esta é uma das finalidades primordiais das penas.

  19. Veja-se neste que o Tribunal deu como provado a seguinte matéria: “10. O arguido AA é o segundo descendente de um agregado familiar de estrato sócio-económico médio/alto.

  20. Após dez anos de escolaridade, terminou o seu percurso escolar aos 15 anos de idade, altura em que integrou o mercado de trabalho, começando a coadjuvar os pais na gestão dos negócios de família, na área do comércio, restauração e compra e venda de cavalos.

  21. Há cerca de 25 anos estabeleceu uma relação marital com o actual cônjuge, relação da qual nasceram duas filhas ainda menores.

  22. Na sequência do falecimento do pai, há 8 anos, o arguido assumiu a gestão dos negócios da família.

  23. Nos últimos anos, para além da compra e venda de cavalos, o arguido explorava directamente um estabelecimento de restauração que, após a sua prisão preventiva, teve que arrendar, pela quantia anual de € 27,000,00 (vinte e sete mil euros).

  24. O arguido denota alguns comportamentos reveladores de ansiedade, pelo risco da condenação.

  25. Não tem antecedentes criminais." 21. Bem como deverá considerar-se o relatório social do recorrente, para uma correcta apreciação da medida da pena a aplicar ao recorrente.

  26. É preciso castigar o delinquente, porém é preciso dosear esse castigo para que o delinquente se possa reabilitar.

  27. Só uma pena de prisão menos gravosa proporcionará a manutenção dos laços familiares e sociais do recorrente, que será seguramente uma mais-valia social importante que ajudará a modelar comportamentos e a prevenir recidivas.

  28. Considerando que a execução da pena é simultaneamente modesta, nobre e difícil, do que se trata verdadeiramente, é de oferecer ao delinquente o máximo de condições favoráveis ao prosseguimento de uma vida sem praticar crimes, ao seu ingresso numa vida fiel ou conformada com o dever jurídico-penal visando a prevenção da reincidência através da colaboração voluntária e activa daquele.

  29. Como refere Anabela Miranda Rodrigues (in O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena, RPCC, Ano 12.°, n.° 2, Abril - Junho de 2002, págs. 147-182), "o art 40.° do CP, após a revisão de 1995, condensa em três proposições fundamentais um programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena" (sublinhado nosso).

  30. Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada - máximo inultrapassável — certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento...

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