Acórdão nº 760/19 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Dezembro de 2019

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução11 de Dezembro de 2019
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 760/2019

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que são recorrentes A., B., C. e D. e recorridos o Ministério Público, E., F., G. e H., o quarto recorrente D. interpôs recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), do acórdão proferido por aquele Supremo Tribunal em 19/6/2019, que negou provimento ao recurso interposto pelos arguidos, ora recorrentes, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto (TRP) em 17/10/2018 – o qual, entre o mais, julgou improcedente o recurso interposto por D. da decisão condenatória do Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 6.

2. Através da Decisão Sumária n.º 727/2019 decidiu-se não conhecer do objeto do recurso interposto por não estarem preenchidos vários pressupostos, cumulativos, de que depende tal conhecimento, nos seguintes termos (cfr. II – Fundamentação, n.º 7 e ss.):

«II – Fundamentação

7. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, com fundamento no artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75.º-A e 76.º, n.º 2, da LTC.

Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

8. Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

9. Cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (supra transcrito em I, 3.) e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso (cfr. idem) e que fixa o respetivo objeto – in casu, o Acórdão do STJ de 19/06/2019.

10. Resulta dos autos, desde logo, que não se encontra preenchido o pressuposto relativo ao esgotamento dos recursos ordinários, pelo que o presente recurso se afigura extemporâneo.

Com efeito, por opção processual do ora recorrente, foi apresentada, em simultâneo com o recurso para o Tribunal Constitucional, uma reclamação do Acórdão do STJ de 19/06/2019, ora recorrido (cfr. supra, I, 4), que viria a ser decidida no Acórdão prolatado a 11/09/2019 (cfr. supra, I, 6).

Deste modo, à data da interposição de recurso para este Tribunal (4/07/2019) ainda não se encontrava consolidada na ordem jurídica a decisão ora recorrida para este Tribunal, não se mostrando assim cumprido o requisito de admissibilidade respeitante à definitividade da decisão judicial impugnada (por prévio esgotamento prévio dos recursos ordinários, como previsto no artigo 70.º, n.º 2, da LTC), afigurando-se intempestivo o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional.

Tendo o recorrente utilizado um dos meios impugnatórios normais ou ordinários, não pode «na pendência do procedimento que a ele se seguiu, impugnar a decisão jurisdicional anteriormente proferida, já que esta deixou de constituir a decisão definitiva, a “última palavra” da ordem jurisdicional respetiva sobre o litígio, cabendo-lhe aguardar que a reclamação ou arguição sejam dirimidas, e só então podendo tempestivamente interpor recurso de fiscalização concreta, fundado nesta alínea b) – cfr. Acórdãos n.ºs 534/04, 24/06, 268/08 e 331/08.

Não é, pois, admissível a interposição simultânea de recurso de constitucionalidade “à cautela” e a dedução de reclamação ou arguição no âmbito da ordem jurisdicional em causa – sendo naturalmente oponível à parte que “antecipa” o momento do recurso para o Tribunal Constitucional a objeção decorrente de estar, afinal, a impugnar, em fiscalização concreta, uma decisão judicial, que nesse momento, ainda carecia de “definitividade” » (Cfr. Carlos Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, Coimbra, 2010, p. 115).

Assim, e resultando com evidência dos autos que, à data da interposição do recurso de constitucionalidade (4/07/2019), não estava a decisão recorrida «consolidada no âmbito da ordem jurisdicional respetiva», não se mostra observado o requisito de admissibilidade do recurso imposto pelo n.º 2 do artigo 70.º da LTC.

Tanto basta para não se poder conhecer do objeto do presente recurso.

11. Em qualquer caso, igualmente se verifica que não se mostram observados outros requisitos essenciais – e cumulativos – de admissibilidade do presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade.

Com efeito, não se encontra preenchido, no caso em apreço, um pressuposto essencial de admissibilidade de todos os recursos de fiscalização concreta – o pressuposto relativo à dimensão normativa da questão de constitucionalidade colocada no presente recurso.

Resulta, com evidência, da leitura do requerimento de interposição de recurso, acima transcrito – e bem assim da enunciação da questão junto do STJ, em sede das alegações do recurso interposto do Acórdão do TRP, que viria a ser decidido pelo STJ no acórdão de 19/06/2019, ora recorrido – que a questão erigida como objeto do recurso não detém verdadeira dimensão normativa, não correspondendo a interpretações extraíveis dos preceitos indicados como seu suporte e suscetíveis de aplicação a outras situações, pelo que, faltando um objeto normativo idóneo para a requerida fiscalização do Tribunal Constitucional, o presente recurso é inadmissível.

O recorrente não está verdadeiramente a pretender sindicar qualquer norma (ou interpretação normativa), mas o acerto (correção) das decisões das instâncias, em si mesmas consideradas.

A discordância do ora recorrente é dirigida ao juízo subsuntivo feito pelo Tribunal de 1ª instância, em face das circunstâncias concretas dos autos, discordando do juízo que recaiu sobre a admissibilidade e a valoração das provas trazidas ao processo feito pela decisão condenatória – e mantido no acórdão da Relação do Porto.

De facto, aquilo que o recorrente verdadeiramente contesta são as decisões judiciais proferidas nos autos, especialmente em sede de julgamento da matéria de facto – e não qualquer norma ou dimensão normativa retirada do artigo 343.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – em face das circunstâncias concretas dos autos, discordando da forma como alegadamente foi valorado o seu silêncio na decisão da matéria de facto feita pelas instâncias, «nomeadamente porque desse silêncio se deduz o seu não arrependimento» (cfr. requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, supra transcrito em I, 3.) para os efeitos da sua condenação e determinação da medida da pena. E o Acórdão do STJ de 19/06/2019 decidiu rejeitar os recursos «relativamente a questões circunscritas a âmbito da matéria de facto» (cfr. Acórdão do STJ de 19/06/2019, pág. 455, fls. 19997).

Deste modo, pese embora formalmente seja requerida ao Tribunal Constitucional a apreciação de uma «norma», o recorrente efetivamente imputa as inconstitucionalidades à decisão em si mesma considerada.

Ora, no âmbito do recurso de constitucionalidade cabe apenas, como se sabe, o escrutínio da constitucionalidade de normas e não de quaisquer outras operações, designadamente o modo como o tribunal recorrido interpretou ou aplicou o direito infraconstitucional. Não compete ao Tribunal Constitucional sindicar o juízo subsuntivo seguido nas instâncias, em face dos concretos elementos trazidos aos autos sub judice, para apreciar da justeza ou correção da decisão recorrida. Essa é matéria de direito comum, para a qual são competentes os tribunais comuns.

Deste modo, terá de se concluir pela ausência de objeto normativo idóneo da questão de constitucionalidade colocada pelo ora recorrente, em termos que obstam ao seu conhecimento.

12. Por fim, ainda que, por mera hipótese, se procurasse vislumbrar uma dimensão normativa idónea na questão de constitucionalidade enunciada pelo recorrente – o que, manifestamente, não se verifica no caso dos autos –, ainda subsiste uma terceira razão pela qual não se pode conhecer do objeto do recurso: a não...

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