Acórdão nº 201/08 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Maria Lúcia Amaral
Data da Resolução02 de Abril de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 201/2008

Processo nº 424/2007

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. A. foi condenado, por sentença do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde com data do dia 21 de Novembro de 2006, pela prática de um crime de desobediência qualificada, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º 2, do Código Penal, e 138.º, n.º 2, do Código da Estrada, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de € 3,00 (três euros).

    Na fundamentação desenvolvida ponderou-se, após enunciar a matéria de facto considerada provada:

  2. FUNDAMENTAÇÃO

    A convicção do Tribunal alicerçou-se nas declarações do arguido, que admitiu saber que não podia conduzir, tendo também informado acerca da sua situação familiar, social e económica; e nos seguintes documentos – decisão da autoridade administrativa, de fls. 13 e 17, auto de entrega da carta de condução, de fls. 4, certificado de registo criminal, de fls. 7.

  3. DIREITO

    Atentos os factos descritos, mostra-se preenchida, objectiva e subjectivamente, o tipo legal do crime de desobediência qualificada, previsto e punível pelo art. 348°, n.° 2, do CP, e 138°, n.° 2, do Código da Estrada, o qual prevê uma moldura legal abstracta de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.

    Cumpre, então, proceder à escolha da pena segundo o critério estabelecido no art. 70°, n.° 1, do CP.

    Assim, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, manda a norma citada que o tribunal opte por uma pena não detentiva da liberdade, se esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

    Ora, o arguido não tem antecedentes criminais, pelo que, atenta essa circunstância e o tipo de crime em causa, é suficiente a aplicação de uma pena de multa, que funcionará como advertência ao arguido quanto à sua futura conduta, confiando o Tribunal que determinará a sua conduta de acordo com os valores tutelados pela Ordem Jurídica.

    Em face do grau de ilicitude e de culpa do agente, da sua confissão dos factos e das suas condições económicas e sociais, e ainda das exigências de prevenção geral e especial, julgamos adequado aplicar-lhe a pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de €: 3,00 (três euros) – cfr. art°s 47º, 70° e 72° do C. Penal.

  4. A., por considerar que o tribunal a quo “aplicou, na decisão dos presentes autos, uma norma – o art.º 138.º, n.º 2 do D.L. 44/2005, de 23 de Fevereiro – já anteriormente julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 574/06, datado de 18 de Outubro de 2006, disponível in www.pgdlisboa.pt”, recorreu da mesma para este Tribunal, ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional).

    Admitido o recurso, o recorrente apresentou antecipadamente alegações, que concluiu da seguinte forma:

    1 – Na sentença de que se recorre, o Tribunal a quo, condenou o arguido, ora recorrente, pela prática do crime de desobediência qualificada previsto e punível pelo art. 348, n.° 2 do Código Penal e pelo art. 138, n.° 2 do actual Código da Estrada.

    2 – O art. 138, n.° 2 do actual Código da Estrada foi já, em 18 de Outubro de 2006, julgado organicamente inconstitucional por este Venerando Tribunal pelo douto Acórdão. n.° 574/06 (Processo nº 438/2006).

    3 – Porque é da competência exclusiva da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre definição de crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, bem como processo criminal – art. 165, n.º 1 al c) da Constituição da República Portuguesa.

    4 – E a lei de autorização com base na qual o governo aprovou do Código da Estrada – a Lei 53/2004, de 4 de Novembro – não concedeu ao governo autorização para tipificar algum tipo de crime nem para alterar os pressupostos objectivos do tipo legal de crime de desobediência qualificada, que anteriormente estava previsto nas disposições conjugadas do art. 348°, n.° 2 do Código Penal e do art. 139°, n.° 4 do Código da Estrada.

    5 – No entanto, com a redacção actual do art. 138, n.° 2 do Código da Estrada, verifica-se uma intenção do legislador de estender a cominação por desobediência qualificada não só à conduta do indivíduo que conduza estando inibido de o fazer por força de decisão administrativa, como também à conduta do indivíduo que conduza um veículo automóvel estando proibido de o fazer por força de pena acessória aplicada por sentença criminal.

    6 – Enquanto que, no domínio da anterior redacção do Código da Estrada, dispunha o art. 139, n.° 4 do referido código que quem conduzisse veículo a motor estando inibido de o fazer por sentença transitada em julgado ou por decisão administrativa era punido por desobediência qualificada.

    7 – Concluindo-se, pois, que o actual art. 138, n.º 2 do diploma legal em causa, define os pressupostos objectivos de um tipo legal de crime – o de desobediência qualificada.

    8 – E isto quando não se vislumbra da lei de autorização – a Lei 53/2004, de 4 de Novembro – qualquer permissão da Assembleia da República para que o governo legislasse nesse sentido.

    9 – Pelo que se requer a este Venerando Tribunal se digne apreciar e julgar, no caso concreto, a inconstitucionalidade orgânica da norma constante no art. 138, n.° 2 do Decreto-Lei 44/2005, 23 de Fevereiro.

    Notificada da interposição de recurso, a representante do Ministério Público junto do tribunal a quo respondeu, invocando o seguinte:

    Não obstante e salvo o devido respeito, entendemos não dever ser conhecido o objecto do presente recurso por extemporâneo.

    Com efeito, à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional, designadamente no que respeita ao prazo de interposição, é subsidiariamente aplicável a lei processual civil por remissão directa da lei do processo constitucional – cfr. o artigo 69° da Lei do Tribunal Constitucional.

    Ora, nos termos da lei processual civil, o prazo para interposição dos recursos é de 10 dias, contados da notificação da decisão, nos termos do disposto no artigo 685°, n°1, do Código de Processo Civil.

    Sucede que o arguido foi pessoalmente notificado do teor da decisão em causa nos autos, ditada para a acta, no dia 21 de Novembro de 2006, sendo que dela interpôs recurso apenas no dia 05 de Dezembro de 2007, ou seja, 11 dias depois, contados daquela notificação.

    Mas, a não se entender assim, V.Exas. ajuizarão da alegada inconstitucionalidade orgânica da referida norma do Código da Estrada, uma vez que o Governo legislou sobre a matéria, a que alude a alínea c), do artigo 165°, n° 1, da CRP, não tendo, para tanto prévia autorização legislativa,

    Assim fazendo a habitual e esperada

    Justiça!

    Determinada a produção de alegações, o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional contra-alegou, concluindo:

    1. É organicamente inconstitucional a norma do n° 2 do artigo 138° do Código da Estrada, na redacção resultante do Decreto-Lei n° 44/2005, de 23 de Fevereiro, uma vez que o Governo legislou sobre matéria, a que alude a alínea c) do artigo 165°, n° 1 da Constituição, não tendo para tanto prévia autorização legislativa.

    2. Termos em que deverá proceder o presente recurso.

    Após ter sido determinada a audição das partes “sobre a eventualidade de o Tribunal Constitucional não poder tomar conhecimento do recurso, com fundamento em inutilidade, dada a identidade dos conteúdos entre o segmento normativo do artigo 139.º, n.º 2, do Código da Estrada em causa nos presentes autos e o artigo 139.º, n.º 4, do mesmo Código, na versão anterior à que o Decreto-Lei n.º 44/2005 deu corpo – norma esta a repristinar em consequência de um hipotético juízo de inconstitucionalidade”, o recorrente veio, nomeadamente, dizer que “salvo respeito por melhor opinião, entende o recorrente que há interesse e utilidade jurídica em indagar da inconstitucionalidade da norma em mérito, no caso concreto – o art.º 138.º, n.º e do actual Código da Estrada”, “norma que, num outro caso de fiscalização concreta, que esteve na base do douto Acórdão acima referido” – Acórdão n.º 574/2006 -, “foi declarada organicamente inconstitucional”, requerendo, a final, “a este Venerando Tribunal se...

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