Acórdão nº 159/08 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução04 de Março de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 159/2008

Processo n.º 731/07

2ª Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

No âmbito da acção declarativa de condenação proposta por A. contra o Estado Português, que corre os seus termos sob o n.º 27/04.3 TTBGG, no Tribunal do Trabalho de Bragança, foi conhecida e decidida incidentalmente a impugnação judicial intentada pela ali Autora relativamente à decisão negativa proferida pelos serviços de segurança social em matéria de concessão do benefício do apoio judiciário.

A impugnação judicial em questão foi julgada improcedente nos seguintes termos:

“1. A A. A. requereu perante o Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Segurança Social de Bragança o benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

O C.D.S.S. de Bragança notificou a requerente da sua intenção de indeferir o apoio judiciário na modalidade solicitada, porquanto, dispondo de um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica de € 677,64, apenas teria direito à modalidade de pagamento faseado com periodicidade mensal, sendo o valor da prestação de € 160,00. Mais informou a requerente, além do mais, de que deveria declarar expressamente se aceitava o benefício nesta modalidade (pagamento faseado).

A requerente nada disse.

Por decisão de 6/3/2007, notificada à requerente por carta datada de 7/3/2007, foi indeferido o benefício de apoio judiciário na modalidade solicitada, isto é, de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, considerando que a requerente não aceitou a modalidade de pagamento faseado.

A requerente veio agora impugnar judicialmente essa decisão, alegando, em síntese, a inconstitucionalidade material das normas previstas no Anexo à Lei 34/2004 de 27/7 e na Portaria 1085-A/2004 de 31/8, já declarada pelo Ac. nº 840/05 do Tribunal Constitucional, bem como do art. 29º nº 5 al. b) da Lei 34/2004, também declarada no Ac. nº 420/06 do mesmo Tribunal, por violação do art. 20º da Constituição, com os argumentos de que a decisão impugnada não ponderou o valor que entretanto foi fixado à acção, que é de € 610.219.75 e as repercussões de tal circunstância na taxa de justiça inicial e subsequente e nas custas do processo, que litiga contra o Estado e, por isso, encontra-se numa posição de desigualdade processual, já que este beneficia de isenção de custas e elabora as leis, que a imediata exigência do pagamento das custas e encargos do processo judicial em caso de indeferimento do apoio judiciário esvazia de conteúdo útil qualquer impugnação judicial dessa decisão, pois o requerente teria de continuar a despender as taxas de justiça e encargos enquanto impugnava esse pagamento, o que contenderia com o direito ao acesso aos tribunais e justiça, na medida em que constrange o particular a acatar a decisão administrativa proferida a propósito da sua condição económica unicamente por não ter meios económicos para obter a sua reapreciação judicial e, finalmente, que apenas os seus rendimentos e não também os do seu marido, deverão contar para efeitos da insuficiência económica.

Termina pedindo a revogação da decisão impugnada e a declaração de inconstitucionalidade por violação do art. 20º da Constituição das normas previstas na Portaria 1085-A/2004 de 31 de Agosto, nomeadamente as referidas nos artigos 6º a 10º, assim como do Anexo à Lei 34/2004 de 29/7 e revogação da decisão de pagamento imediato das custas e encargos, por inconstitucionalidade, por violação da citada norma constitucional, dos artigos 29º nº 5 al. b) da Lei 34/2004 e 6º nº 1 al. o), 14º nº 1 al. a), 23º nº 1, 24º nº 1 al. e), 28º e 29º do Cod. Custas Judiciais.

O CDSS manteve a decisão impugnada.

Cumpre decidir.

  1. A requerente não põe em causa os dados de facto apurados na decisão impugnada quanto aos seus rendimentos e ao resultado matemático da aplicação dos critérios estabelecidos no Anexo à Lei 34/2004 e das fórmulas estabelecidas na Portaria nº 1085/2004, questionando, apenas, a conformidade constitucional da aplicação de tais Anexo e Portaria.

    Assim, com relevo para a decisão, importa ter presente a seguinte factualidade:

    1. a requerente é casada, sendo o seu agregado familiar constituído pela própria, pelo marido e por uma filha;

    2. a requerente e o marido são trabalhadores por conta de outrem, auferindo rendimentos mensais líquidos de € 719,18 e € 476,50, respectivamente e possuem dois veículos automóveis, bem como um prédio urbano com o valor patrimonial de € 82.734,75;

    3. a requerente e o marido são casados segundo o regime patrimonial da comunhão geral de bens (doc. de fls. 304);

    4. o valor da presente acção foi alterado para € 610.219,75 por despacho de 27/12/2006;

    5. a requerente liquidou a diferença relativa à taxa de justiça inicial resultante da alteração do valor da acção em 15/01/2007, no valor de € 1040,75, tendo pago a título de taxa de justiça inicial a quantia global de € 1152,00.

    2.1 Perante o rendimento da A., concluiu o CDSS de Bragança, por aplicação do Anexo à Lei 34/2004 e das fórmulas estabelecidas nos artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/2004 que o rendimento relevante desta para efeitos de protecção jurídica é de € 481,77, o que lhe confere o direito à protecção jurídica na vertente de apoio judiciário, não na modalidade pretendida pela requerente, de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, mas tão só na modalidade de pagamento faseado desses mesmos taxa de justiça e encargos.

    Ora, salvo melhor entendimento, tal resultado, pelo simples facto de não ter sido reconhecido à A. o direito à modalidade mais ampla de apoio judiciário, que é a dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, ao contrário do sustentado pela A., não implica a violação do seu direito constitucional de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art. 20º da Constituição. Pelo contrário, a aplicação ao caso concreto da A. dos critérios de determinação da insuficiência económica estabelecidos no Anexo à Lei 34/2004 e na Portaria 1085-A/2004 redundou no reconhecimento de que aquela está em condições de beneficiar de protecção jurídica, mas numa modalidade mais restrita, que é a de pagamento faseado dos encargos processuais, no pressuposto de que o seu rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, lhe permite custear dessa forma as despesas do processo, facto que, aliás, a A. não contesta expressamente, limitando-se a arguir a inconstitucionalidade daquelas normas. A interpretação que a A. pretende dar ao art. 20º da Constituição vai no sentido de que a justiça deveria ser gratuita para todos os que estivessem em situação de carência económica para custear as despesas do processo judicial, independentemente do grau e medida dessa insuficiência económica. Mas não é assim. O princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais apenas postula que a sua concretização não seja contrariada pela insuficiência de meios económicos. Daí que, como diz o Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira, na declaração de voto aposta no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 420/2006, in D.R. II Série. Parte D, de 19/10/2006, “o apoio judiciário não é um pressuposto primário de acesso ao direito e aos tribunais, antes constitui um remédio de carácter excepcional destinado a permitir aquele acesso aos interessados que comprovadamente dele necessitam”.

    Quanto ao argumento do valor da acção, não se vislumbra qualquer relevância deste na situação concreta da A., uma vez que o cálculo da prestação mensal a que a A. estaria obrigada caso tivesse aceite a modalidade de pagamento faseado é efectuado com referência ao rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica e ao valor do salário mínimo nacional. Quer isto dizer que o montante da prestação é sempre o mesmo, independentemente do valor da acção, apenas podendo variar o número de prestações a pagar, sendo certo que este sempre estaria limitado pelo disposto no art. 13º da Portaria 1085-A/2004: se o somatório das prestações pagas pelo beneficiário de apoio judiciário exceder em dado momento em quatro vezes o valor da taxa de justiça inicial, o beneficiário pode suspender o pagamento das restantes prestações, sem prejuízo do seu pagamento poder ser retomado caso venha a apurar-se, na conta final, haver quantias em dívida pelo beneficiário.

    Igualmente inócuo é o argumento de que a A. está em situação de desigualdade processual relativamente ao R. Estado, pelo facto deste beneficiar de isenção de Custas. Por um lado, nos tribunais da jurisdição comum, este apenas beneficia de dispensa do pagamento prévio de taxa de justiça inicial e subsequente quando litigue na qualidade de réu, requerido ou executado, não estando, por isso, isento de custas, como alegou a A.. Por outro lado, tal dispensa em nada onera a A. no que respeita aos encargos processuais, pelo que não constitui qualquer violação do princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais.

    É certo que o Tribunal Constitucional, no recente Acórdão nº 654/2006 (Processo nº 840/2005), publicado no D.R., 2ª Série de 19/1/2007, se pronunciou pela inconstitucionalidade das normas supra referidas, mas apenas na parte em que impõem que o rendimento relevante para efeitos de concessão do beneficio do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente do requerente de protecção jurídica fruir de tal rendimento. Mas não é esse o caso da A., já que esta, por força do regime de bens do seu casamento, é, juntamente com o seu marido e em igual medida, titular de todos os rendimentos de que beneficia o seu agregado familiar. Ou seja, o rendimento considerado no caso concreto é o efectivamente auferido e fruído pela A, uma vez que tanto o seu salário, como o do seu cônjuge se integram no património comum do casal.

    2.2 No que toca ao disposto no art. 29º nº 5 al. b) da...

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