Acórdão nº 125/08 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 125/2008 Processo n.º 1071/07 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional.

1. Relatório

O representante do Ministério Público junto dos Juízos Cíveis de Coimbra interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o despacho de 2 de Outubro de 2007 do Juiz do respectivo 5.º Juízo, que recusou, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), a aplicação da “norma extraída do ponto 1. do Anexo I à Lei n.º 34/2004 [por manifesto lapso refere 43/2004], de 29 de Julho, entendida em conjugação com o disposto nos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, na redacção emergente da Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício de apoio judiciário seja necessariamente determinado em função de tais normas”, e, consequentemente, julgou procedente o recurso interposto por A., revogando a impugnada decisão do Centro Distrital de Segurança Social de Coimbra, de 6 de Julho de 2007, que indeferira pedido de concessão de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e dos demais encargos do processo e de nomeação e pagamento de honorários de patrono, formulado pelo impugnante com vista a instaurar acção de partilhas judiciais.

É o seguinte o teor da decisão recorrida, na parte que releva para a apreciação do presente recurso:

“III – Apreciando:

De acordo com o disposto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e em concretização do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos (neste sentido, cf. Acórdão do STJ, de 21 de Outubro de 1993, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1993, tomo III, pág. 76).

A legislação ordinária que concretiza e regulamenta o acesso ao direito e à tutela jurisdicional, constitucionalmente consagrado, aplicável no caso, consubstancia-se actualmente na Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, cujos objectivos constam do seu artigo 1.º, n.º 1, que estabelece «O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos».

Com vista à concretização de tais objectivos, foram desenvolvidos no aludido diploma acções e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de protecção jurídica.

A protecção jurídica reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário, sendo certo que têm direito a tal protecção os cidadãos nacionais e da União Europeia que demonstrem não dispor de meios económicos bastantes para suportar os honorários dos profissionais forenses, devidos por efeito da prestação dos seus serviços, e para custear, total ou parcialmente, os encargos normais de uma causa judicial (artigos 6.º e 7.º da aludida Lei).

Na definição apresentada pelo legislador, no seu artigo 8.º: «Encontra-se em situação de insuficiência económica aquele que, tendo em conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo» (n.º 1); «A prova e a apreciação da insuficiência económica devem ser feitas de acordo com os critérios estabelecidos e publicados em anexo à presente lei» (n.º 5).

O novo diploma (Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho) eliminou as presunções de insuficiência económica estabelecidas em anteriores regimes, procedendo a alterações profundas no regime de acesso ao direito e aos tribunais com o fito de introduzir um maior rigor na concessão da protecção jurídica.

A concessão do benefício passou agora a depender da apreciação da situação de insuficiência económica do requerente, efectuada de acordo com critérios objectivos previstos no referido diploma.

Procurou-se restringir a disparidade de resultados na avaliação dos requerimentos e garantir que o benefício seja concedido a todos os que dele carecem, mas só aos que realmente precisam e na medida da sua necessidade.

Em anexo a este diploma, e sob a epígrafe «apreciação de insuficiência económica», estatui o legislador:

«a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os custos de um processo;

b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do valor do salário mínimo nacional considera-se que tem condições objectivas para suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar de consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do beneficio de apoio judiciário;

c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 16.º da presente lei;

d) Não se encontra em situação de insuficiência económica o requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a duas vezes o valor do salário mínimo nacional.

2 – …

3 – Para os efeitos desta lei, considera-se que pertencem ao mesmo agregado familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção jurídica.»

A Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, com as alterações resultantes da Declaração de Rectificação n.º 91/2004 e da Portaria n.º 288/2005, de 21 de Março, procedeu à concretização dos critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica, enumerando, por um lado, os documentos que devem acompanhar o requerimento de protecção jurídica e concretizando a fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica a que se refere o critério de avaliação da insuficiência económica do requerente previsto na lei.

Prevê tal Portaria a possibilidade de ser concretamente apreciada a situação económica dos requerentes de protecção jurídica, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 20.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho – hipótese em que os serviços de Segurança Social enviam para uma comissão especial a decisão do caso.

Por outro lado, estabelece rígidas fórmulas matemáticas para decisão da atendibilidade da pretensão.

Considerando que o regime jurídico do apoio judiciário se funda no princípio-base de aplicação a pessoas que não tenham possibilidades económicas para suportar os custos de um processo judicial e/ou os honorários e despesas de um advogado, suportando o Estado tais custos, cabe ao requerente demonstrar a ausência de disponibilidades económicas.

No que diz respeito às provas em geral, a sua função consiste na demonstração da realidade dos factos, sendo que, regra geral, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, competindo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação é feita (cf. artigos 341.º e 342.ºdo Código Civil).

Entrando no caso em apreço, é apenas uma a questão suscitada:

a) a da conformidade constitucional do regime do apoio judiciário, considerando o caso concreto.

O mérito da impugnação deve ser aferido pelos factos relativos à situação económico financeira. E aos encargos prováveis da demanda, se for caso disso, tendo em conta o disposto no artigo 8.º da Lei e seu Anexo, bem como o disposto na Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, na redacção da Portaria n.º 288/2005.

Tendo em conta as fórmulas legais de determinação da insuficiência económica, fica à partida reduzida (ou mesmo eliminada) a margem de apreciação dos órgãos administrativos decisores.

Compulsados os autos, partimos dos seguintes factos:

– O requerente aufere mensalmente o valor aproximado de € 698,83;

– O agregado familiar é constituído pelo requerente, a esposa doméstica e seis filhos, quatro dos quais estudantes.

Com fundamento nos factos acima exarados, teremos de concluir que os critérios e fórmulas decorrentes dos diplomas enunciados produzem resultado miserabilista, considerando os valores de referência, sendo certo que mais uma vez se penaliza quem tem a sua situação fiscal contributiva, laboral ou assistencial regularizada, não sendo o concreto juízo de insuficiência efectivamente consentâneo com o custo de vida.

Mas mais. Em aresto do Tribunal Constitucional n.º 654/2006, de 28 de Novembro de 2006, sublinhou-se: «(…) a norma que constituía o artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e que era preenchida em face do caso concreto, passou a ser uma norma preenchida legislativamente. O que era antes uma norma aberta à ponderação do caso concreto passou a ser uma norma fechada, ponderando estritos aspectos económico-financeiros, como resulta claro da adopção de uma fórmula...

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