Acórdão nº 116/08 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Vitor Gomes
Data da Resolução20 de Fevereiro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 116/2008

Processo n.º 141/06

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. O Ministério Público interpôs, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei do Tribunal Constitucional), recurso para este Tribunal da decisão proferida em 12 de Dezembro de 2005 pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, no âmbito do procedimento cautelar intentado por A., LD.ª e B. Limited contra C., S.A., que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma decorrente do preceituado nos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa, 15.º, n.º 1, alínea m) [por lapso manifesto, a decisão diz 14.º, n.º 1, al. n)], e 18.º, n.º 2, todos do Código das Custas Judicias, por violação dos artigos 20.º e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

      Pode ler-se nessa decisão, que apreciou reclamação da conta de custas por parte das requerentes do procedimento cautelar, no que ora importa:

      (…)

      É precisamente esta a questão que se coloca nestes autos: a de saber se, face às regras aplicáveis relativas à fixação da taxa de justiça, às requerentes, empresas que têm uma capacidade económica que não lhes permite beneficiar do instituto do apoio judiciário, está efectivamente vedado o acesso ao tribunal.

      O art.º 13.º, n.º 1, do Cód. Custas Judiciais (redacção aplicável aos autos) dispõe que “[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, a taxa de justiça é, para cada parte, a constante da tabela do anexo 1, sendo calculada sobre o valor das acções, incidentes com a estrutura de acções, procedimentos cautelares ou recursos”.

      O art.º 14.º, n.º 1, al. n), do mesmo diploma estabelece que “[a] taxa de justiça é reduzida a metade, não sendo devida taxa de justiça subsequente, nos procedimentos cautelares e respectiva oposição”.

      Por seu turno o art.º 18.º, n.º 2, do referido Código estabelece que “[n]os recursos dirigidos aos tribunais da Relação a taxa de justiça é metade da constante da tabela do Anexo 1, não sendo devida taxa de justiça subsequente, não havendo lugar a reduções”.

      Estes três preceitos estão directamente relacionados com a referida tabela do anexo 1, tabela essa que fixa o montante da taxa de justiça inicial e subsequente em função do valor da acção, incidente ou recurso, em montante determinado até acções cujo valor ascenda a € 49.789,79 (redacção aplicável). De acordo com a mesma tabela, quando o valor da acção, incidente ou recurso, for superior a € 49.979,79 à taxa de justiça do processo acresce, por cada € 4.987,98 ou fracção, € 49,88 de taxa de justiça.

      É neste ponto que as reclamantes centram o seu juízo de desconformidade do Código das Custas com os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso à justiça. Entendem as reclamantes que não havendo um limite máximo para as custas a pagar, a estabelecer através da fixação de um limite para o valor da acção a considerar para efeito do cálculo da taxa de justiça, fica, na prática, vedado o acesso aos tribunais em casos como o dos autos.

      No presente caso as requerentes atribuíram à providência o valor correspondente aos prejuízos que alegaram ter em função da conduta imputada à requerida, valor esse que ascendeu a € 9 748 356,00. A providência foi julgada improcedente na 1.ª instância, as requerentes recorreram para o Tribunal da Relação que confirmou a decisão recorrida.

      Transitada esta última decisão o processo foi à conta que, elaborada de acordo com o Cód. Custas Judiciais, na redacção anterior à introduzida pelo Dec.-Lei n.º 324/2003, apurou que as custas da responsabilidade das requerentes ascendem a € 108 743,36, dos quais € 73 992,13 correspondem às taxas aplicáveis, € 21 981,36 à procuradoria e € 14 654,25 às custas de parte (fls. 1804).

      A questão que se coloca é a de saber se a taxa de justiça aplicável em função dos preceitos legais já referidos e da tabela 1 anexa ao Cód. Custas Judiciais, e que está na base do montante final apurado de custas, é adequada ao serviço prestado (administração da justiça), é a justa medida entre a exigência de pagamento da taxa e o serviço de administração da justiça, por um lado, e não é impeditiva do real acesso das responsáveis pelas custas à justiça, por outro.

      Ora a resposta não pode deixar de ser negativa para ambas as questões.

      Por um lado, a inexistência de um tecto máximo a atender para efeitos de fixação da taxa de justiça e, consequentemente, a inexistência de um limite máximo para as custas a pagar, põe em causa o equilíbrio (adequação) que tem de existir entre os dois binómios a considerar por força do princípio da proporcionalidade: exigência de pagamento de taxa versus serviço de administração da justiça. Sendo certo que a taxa de justiça é fixada em função do valor da causa, não é menos certo que o valor da taxa de justiça (e consequentemente o das custas a pagar a final) fixado em função desse valor, sem qualquer tecto máximo, possibilita a obtenção de valores, como é o caso dos autos, que saem completamente fora dos parâmetros aceitáveis dentro daquela “justa medida” a equacionar entre a exigência de pagamento da taxa e o serviço (de administração da justiça) prestado.

      Por outro lado, os montantes assim calculados mostram-se incomportáveis para a capacidade contributiva de qualquer utilizador dos serviços, designadamente se considerarmos os casos, como o dos autos, de maior incerteza sobre o resultado do processo.

      Em suma, ao não estabelecerem um limite máximo para as custas a pagar, designadamente por não estabelecerem um limite máximo para o valor da acção a considerar para efeito de cálculo da taxa de justiça, os art.ºs 13.º, n.º 1, por referência à tabela 1 anexa ao Cód. Custas Judiciais, 14.º, n.º 1, al. n), e 18.º, n.º 2, violam os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso aos tribunais.

      Nos termos do disposto no art. 204.º da Constituição “[n]os feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.

      Por força desta disposição, quando o tribunal conclui que uma ou mais disposições estão feridas de inconstitucionalidade não as pode aplicar, sucede que, no presente caso, não está em causa uma inconstitucionalidade absoluta, isto é, não se trata de uma inconstitucionalidade das normas consideradas no seu conjunto mas apenas de uma inconstitucionalidade parcial. Com efeito, não viola os princípios da proporcionalidade e do acesso aos tribunais o facto de a taxa de justiça ser fixada em função do valor da causa nem tão-pouco os concretos montantes fixados relativamente aos valores da causa especificados na tabela 1 anexa ao Cód. Custas Judiciais violam tais princípios. A violação está, no entender do Tribunal, no facto de não estar estabelecido um limite para o valor da acção a considerar para efeito do cálculo da taxa de justiça, sendo certo que o que faz com que o valor da acção a atender para efeitos de custas seja virtualmente ilimitado é o segmento final da tabela que estabelece que a partir dos € 49.979,79 por cada € 4.987,98 ou fracção, acresce € 49,88 de taxa de justiça.

      Significa isto que não se trata, neste caso, de pura e simplesmente desaplicar os art.ºs 13.º, 14.º, n.º 1, al. n), e 18.º, n.º 2, por referência à tabela 1 anexa ao Código, até porque tal implicaria na prática a desresponsabilização das requerentes pelas custas do processo. Trata-se, antes, de fazer uma interpretação do preceito de modo a adequá-lo aos princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso aos tribunais, o que passa pela consideração de um montante máximo a atender como valor da acção para efeito de custas.

      Mas esta interpretação não significa que o tribunal possa introduzir, sem mais, um valor a...

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