Acórdão nº 07S4745 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução23 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

No dia 13 de Novembro de 2003, AA participou, no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Famalicão, que tinha sido vítima de um acidente de trabalho, em 16 de Janeiro de 2003, quando prestava a sua actividade sob a ordens, direcção e fiscalização do Matadouro Central (BB), cuja responsabilidade por acidentes de trabalho estaria transferida para a Companhia de Seguros LL Portugal, S. A..

Após várias e demoradas diligências, veio a apurar-se que a entidade empregadora da sinistrada, à data do acidente, era a sociedade MP - Comércio de Carnes, L.da que, entretanto, havia sido extinta, em consequência de ter sido dissolvida por deliberação dos seus dois sócios.

Face à extinção daquela sociedade, o M.º P.º mandou chamar o Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT), para intervir na tentativa de conciliação, juntamente com a sinistrada, a companhia de seguros e os sócios da dita sociedade.

Frustrada a tentativa de conciliação, a acção passou à fase contenciosa, com a apresentação da petição inicial, em 23.5.2005, tendo a sinistrada/autora demandado, como réus, a MP - Comércio de Carnes, L.da, a Companhia de Seguros LL, S. A.

, o Fundo de Acidentes de Trabalho e os sócios da primeira ré, CC e DD.

A autora pediu que lhe fosse fixada uma IPP nunca inferior a 26%, com incapacidade para o exercício da profissão habitual, requerendo, para tal, a realização de exame por junta médica, e pediu que os réus fossem solidariamente condenados a pagarem-lhe: (i) € 11.126,96, a título de indemnização por incapacidade temporária; (ii) uma pensão anual e vitalícia, em montante nunca inferior a € 4.131,86, por incapacidade permanente para o trabalho habitual, com efeitos a partir de 29.1.2005; (iii) um subsídio de elevada incapacidade, em montante nunca inferior a € 4.279,20; (iv) as quantias de € 20,00 e de € 150,00, a título, respectivamente, de despesas com transportes e com uma consulta médica na especialidade de ortopedia.

E fundamentando o pedido, a autora alegou, em resumo, que foi vítima de um acidente de trabalho, em 16.1.2003, quando, remuneradamente, prestava a sua actividade, sob as ordenes e direcção da primeira ré, cuja responsabilidade por acidentes de trabalho havia sido transferida para a segunda ré; que o pagamento da indemnização que lhe é devida sempre se encontra assegurado pelo FAT, nos termos do art.º 305.º do Código do Trabalho e do art.º 317.º do respectivo regulamento; que, dada a dissolução da primeira ré, em data posterior à ocorrência do acidente, e a inexistência de património por parte da referida ré para garantir a satisfação dos créditos da autora, a responsabilidade pela reparação do acidentes recai sobre os respectivos sócios (CC e DD), nos termos do art.º 78.º do CSC.

Contestaram a companhia de seguros, o FAT e os réus CC e DD.

A companhia de seguros alegou que não tinha legitimidade para a acção, por entre ela e a 1.ª ré não existir qualquer contrato de seguro de acidentes de trabalho, e, sem prescindir, impugnou os factos alegados pela autora, uns por não serem factos pessoais ou de que ela devesse ter conhecimento e outros por não corresponderem à verdade.

O FAT defendeu-se por excepção e por impugnação. Em termos exceptivos, alegou que era parte ilegítima, com o fundamento de que a sua intervenção pressupõe, em primeiro lugar, que já esteja apurado quem é a entidade responsável pela reparação do acidente e, em segundo lugar, que já esteja demonstrado que a mesma não pode pagar as prestações por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação da mesma, o que, no caso, ainda não sucedia. E em termos de impugnação, alegou que desconhecia, nem podia conhecer, os factos articulados pela autora.

Por sua vez, os réus CC e DD excepcionaram a ilegitimidade do réu DD, alegando que o mesmo nunca foi gerente da 1.ª ré, e enjeitaram a sua responsabilidade pela reparação do acidente, alegando que a sociedade foi dissolvida porque não exercia qualquer actividade, que a mesma não tinha activo nem passivo e que, por isso, a sua dissolução não consubstancia qualquer diminuição do património, inexistindo a culpa que nos termos do art.º 78.º do CSC é pressuposto da sua responsabilidade. E, sem conceder, alegaram que, quando ocorreu o acidente, a autora já não trabalhava para a 1.ª ré, pois tinha abandonado o seu posto de trabalho, em Dezembro de 2002 e que, devido a essa cessação unilateral do contrato, a 1.ª ré tinha contratado, em 2 de Janeiro de 2003, um outro trabalhador (MF), para a substituir, sabendo os réus que no dia acidente, a autora, por sua iniciativa e sem o conhecimento da 1.ª ré, tinha ido substituir o referido trabalhador, que é seu cunhado.

No despacho saneador julgaram-se improcedentes as excepções de ilegitimidade, seleccionaram-se os factos admitidos por acordo, organizou-se a base instrutória e ordenou-se a abertura de apenso para fixação do grau de incapacidade.

Realizada que foi a junta médica, no apenso referido, aí foi proferido despacho no qual se decidiu que a autora esteve com incapacidade temporária absoluta (ITA) desde 17.1.2003 até à data da alta, em 17.7.2003, e que, a partir desta data, tinha ficado com uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 24,9%.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença condenando o FAT a pagar à autora a quantia de € 2.477,22, a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta, e a pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, de € 1.220,10, com início em 18.7.2003, a que corresponde o capital de remição de € 19.168,99, deduzindo-se a esta quantia os valores que o FAT havia já pago à autora a título de pensão provisória, e absolvendo os demais réus do pedido.

O FAT recorreu, por entender que quem devia ter sido condenado era a ré MP - Comércio de Carnes, L.da, uma vez que, à data do acidente, ainda não tinha sido dissolvida e por entender que, atendendo à data da dissolução, os sócios também deviam ser condenados, pelo menos até ao limite do capital social, respondendo cada um deles pelo valor da sua quota, não podendo, por essa razão, o FAT ser condenado a título principal.

O Tribunal da Relação do Porto, julgando procedente o recurso, absolveu o FAT do pedido e condenou os réus CC e DD a pagarem, solidariamente, à autora a quantia de € 2.490,83, a título de indemnização por ITA, bem como a pensão anual, obrigatoriamente remível, de € 1.220,10, com início em 18.7.2003, e os juros de mora sobre as prestações pecuniárias em atraso.

Inconformados com aquela decisão, dela recorreram a autora e os réus CC e DD, formulando as seguintes conclusões: Conclusões da autora: I - O fundamento do presente recurso é a violação, por errada interpretação, do artigo 39.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97 e do artigo 1.°, n.º 1, al. a), do DL n.º 142/99.

II - Está assente, neste processo, a existência e caracterização do acidente como de trabalho e a possibilidade de identificação da entidade responsável, factos estes que permitem concluir que a responsabilidade da entidade patronal decorre directamente do disposto no art. 1.°, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 142/99; por outro lado, também está assente que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo equivalente a processo de insolvência - como é o caso de extinção por dissolução e liquidação -, não pode a entidade responsável pagar as prestações devidas.

III - Nesta conformidade, o tribunal recorrido opera uma interpretação restritiva do art. 1.°, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 142/99, dessa forma prejudicando gravemente a sinistrada.

IV - A extinção de uma sociedade comercial, condenada como entidade responsável na reparação de um acidente de trabalho, enquadra-se no conceito de desaparecimento.

V - Pelo que, sempre o FAT teria de ser responsabilizado, nos próprios autos, quer a título principal quer a título subsidiário ou derivado.

VI - Aliás, como também refere o Acórdão recorrido: "E só perante a responsabilização (originária) destes réus em condenação solidária, inexistindo seguro de acidentes de trabalho - o posterior incumprimento das prestações infortunísticas devidas, com fundamento em incapacidade económica daqueles responsáveis averiguado a jusante em previsto esquema processual, se perfectibilizam os pressupostos necessários para o F A T assumir ou garantir o referido pagamento - o que ocorre, não a título principal, mas subsidiário ou derivado." VII- Sendo o Direito adaptável e adaptado através da designada interpretação realista e actualista, e tratando-se de actividade que tem vindo ao longo do tempo a mostrar-se cada vez mais perigosa, o tribunal a quo, que está apenas sujeitos à lei, não fez uma interpretação realista da mesma.

VIII - Assim não se entendendo, e atendendo a que, consoante art.º 18°, n.º 2, CRP, a lei só pode restringir os direitos constitucionais das pessoas quando estão em causa outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos - o que não parece aplicar-se ao caso concreto - haveria necessidade de intervenção do Estado para garantir a protecção de bens jurídicos consagrados na Constituição.

IX - A desconsideração dos direitos e garantias dos trabalhadores, como a ora Recorrente, significa negar ao particular os direitos constitucionais de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, à integridade física, à segurança no emprego, à assistência e justa reparação quando vítimas de acidentes de trabalho e à igualdade, respectivamente previstos nos art.os 20.°, 25.°, 53.°, 59.°, n.º 1, al. c), e 13.º da Lei Fundamental.

X - Assim, violado o princípio da igualdade consagrado no art. 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e os arts.8.º, n.º 2, e 13.º da lei fundamental, consagrado que está neste último o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, a...

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