Acórdão nº 461/11 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelCons. Catarina Sarmento e Castro
Data da Resolução11 de Outubro de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 461/2011

Processo n.º 366/11

  1. Secção

Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, A., Lda., veio apresentar vários recursos de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).

    Proferida Decisão Sumária de não conhecimento, relativamente a algumas das questões suscitadas, posteriormente confirmada por Acórdão, em conferência, a 14 de Julho de 2011, foi determinado o prosseguimento dos autos e consequente produção de alegações, no tocante a duas questões, enunciadas pela recorrente, nos seguintes termos:

  2. “A inconstitucionalidade normativa que resulta da interpretação conjugada dos artigos l7.º, n.° 1, alínea a), 18.° e 43.°, n.° 3, da Lei n.° 18/2003, no sentido de obrigar o Arguido a revelar, com verdade e de forma completa, sob pena de coima, determinadas informações e documentos à Autoridade da Concorrência.”

    Tal inconstitucionalidade resulta, na perspectiva da recorrente, da violação dos artigos 1.º, 2.°, 20.°, n.° 4, e 32.°, n.ºs 1, 2, 8 e 10, todos da Constituição da República Portuguesa.

  3. “(…) a inconstitucionalidade da norma que resulta da interpretação do artigo 51.°, n.° 1 da Lei n.° 18/2003, bem como a inconstitucionalidade da norma que resulta da interpretação do artigo 311.°, n.° 1 e 312.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, em conjugação com o artigo 41.° do Regime Geral das Contra-Ordenações e artigo 51.°, n.° 1 da Lei n.° 18/2003, segundo a qual o arguido em processo de contra-ordenação não tem de ser notificado das contra-alegações da Autoridade da Concorrência e não pode responder a essas mesmas contra-alegações.

    (…) Tal inconstitucionalidade resulta da violação dos princípios do contraditório e da igualdade de armas e dos direitos de audiência e defesa, consagrados nos artigos 20.º, n.º 4, e 32.°, n.° 1, 2, 5 e 10,” ambos da Constituição da República Portuguesa.

  4. A presente acção teve início em processo contra-ordenacional, que redundou na condenação da recorrente, por decisão do Conselho da Autoridade da Concorrência.

    Inconformada, a recorrente apresentou recurso de impugnação judicial.

    Por despacho de 8 de Abril de 2008, o Tribunal do Comércio de Lisboa decidiu várias questões prévias, relegando para final o conhecimento de “todas as questões referentes ao mérito do processo”, nomeadamente as questões “relativas à aplicação das coimas.” Simultaneamente, designou data para realização do julgamento.

    A recorrente reagiu, de várias formas, nomeadamente arguindo a nulidade do despacho de 8 de Abril de 2008, por ter sido proferido sem que a recorrente tenha sido notificada das alegações da Autoridade da Concorrência para que, querendo, exercesse o seu direito ao contraditório.

    O Tribunal do Comércio de Lisboa, por despacho de 1 de Julho de 2008, julgou improcedente a arguição de nulidade apresentada pela recorrente.

    O processo prosseguiu para julgamento, tendo sido proferido acórdão, pela Relação de Lisboa, em 15 de Dezembro de 2010 e, posteriormente, novo acórdão, em 30 de Março de 2011, em virtude da arguição de vícios relativamente àquele primeiro aresto.

  5. As decisões recorridas correspondem ao despacho de 8 de Abril de 2008, no tocante à primeira questão, e ao despacho de 1 de Julho do mesmo ano, relativamente à segunda.

    O despacho de 8 de Abril de 2008 pronuncia-se, quanto à questão de constitucionalidade colocada pela recorrente, nos seguintes termos:

    “(…) Violação do direito ao silêncio das arguidas: o direito ao silencio consignado no Processo Penal não tem a amplitude pretendida pela arguida, mas tão só a constante do art° 61°, n° 1, al. c), ou seja, o arguido goza do direito de não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe são imputados, pelo que a notificação para juntar documentos não colide com tal direito ao silêncio. Acresce que a prova obtida mediante notificação da arguida para juntar documento, sob pena de contra-ordenação e subsequente coima, é legalmente admissível, por tal constar expressamente dos artigos 17°, n° 1, al. a), 18° e 43°, n° 3, da Lei 18/2003, daí que também não se possa considerar como nula; resta referir, finalmente, que inexiste qualquer inconstitucionalidade - artigos 1º, 2°, 20º, n° 4 e 32°, da CRP - nas normas aplicadas pela AdC, porque (i) a menor ressonância ética do ilícito de mera ordenação social subtrai-o às mais “rigorosas exigências de determinação válidas para o ilícito penal” — Fernanda Palma e Paulo Otero, Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, Vol. XXXVII 2, pg. 564 — sem prejuízo da necessidade de serem observados determinados princípios comuns que o legislador contra-ordenacional será chamado a concretizar dentro de um poder de conformação mais aberto do que aquele que lhe caberá em matérias de processo penal (acórdão do TC n° 469/97, publicado no DR II Série, de 16.10.1997), (ii) porque as normas em crise não afastam a efectividade do direito de defesa, bem como os princípios do contraditório e da igualdade processual, tendo em atenção que esta última não é absolutamente incompatível com a atribuição ao Estado ou aos poderes públicos de um tratamento processual diferenciado relativamente às partes processuais em geral, desde que essa diferenciação não seja arbitrária, irrazoável ou infundada e não envolva um compressão excessiva do princípio da igualdade de armas (acórdãos do TC n°s. 516/94, 616/98 e 153/02), e (iii) porque as normas referidas da lei da concorrência, por si só, não são violadoras do princípio da presunção da inocência, dos meios de obtenção de prova ou dos direitos específicos, nos termos consagrados no n° 10, do art° 32°, da CRP; Improcedem estas questões.”

    É do seguinte teor o despacho de 1 de Julho de 2008:

    “Requerimento de fls. 15412 a 15424:

    Dispõe o artigo 311.º, nº 1, do Código do Processo Penal — aplicável ex vi artigo 41°, do RGCO — que recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer.

    E foi isso que este Tribunal fez. Nada Mais.

    O despacho proferido a fls. 15402 a 15406 é o previsto no artigo 311º, do Código do Processo Penal. E, assim sendo, o Tribunal conheceu das questões prévias suscitadas pelas arguidas que obstavam à apreciação do mérito da causa.

    Não se vislumbra qualquer violação do contraditório, nem nulidade.

    Tais questões foram invocadas pelas arguidas na motivação do recurso, o contraditório foi oferecido pela Autoridade da Concorrência em sede de alegações, e o Tribunal decidiu.

    Não houve nem violação do contraditório, nem excesso de pronúncia.

    O Tribunal limitou-se a proferir o primeiro despacho legalmente previsto neste tipo de recurso jurisdicional, não tendo conhecido qualquer questão sem que as partes — arguidas e AdC — se pronunciassem sobre as mesmas.

    Improcede assim na íntegra, e sem mais considerações, o requerimento de fls. 15412 a 15424.”

  6. A recorrente apresentou alegações, onde conclui, nos termos seguintes:

    “I - A (in)constitucionalidade da norma que resulta da interpretação conjugada dos artigos 17.°, n.° 1, alínea a), 18.° e 43.°, n.° 3, da Lei n.° 18/2003

    1) A interpretação conjugada dos artigos 17.°, n.° 1, alínea a), 18.° e 43.°, n.° 3, da Lei n.° 18/2003, no sentido de obrigar o Arguido em processo contra-ordenacional a revelar, com verdade e de forma completa, sob pena de coima, determinadas informações e documentos à autoridade da concorrência no âmbito de um processo de contra-ordenação, redunda em norma materialmente inconstitucional, por violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, do Estado de Direito Democrático, da proporcionalidade, do processo equitativo e das garantias fundamentais do Arguido em processo sancionatório, previstos nos artigo 1.º, 2.°, 18.°, n.° 2, 20.°, n.° 4, e 32.°, n.os 2, 8, e 10 da Lei Fundamental.

    2) A mesma norma, interpretada nos termos expostos, viola o direito (ou a garantia) fundamental à não auto-incriminação ou nemo tenetur se ipsum accusare, enquanto direito que se pode definir como o direito do arguido a não ser obrigado a contribuir para a sua própria incriminação.

    3) O direito à não auto-incriminação encontra amplo fundamento constitucional, seja por via do desenvolvimento dos conceitos do Estado de Direito democrático ou da dignidade da pessoa humana, seja por incluir o núcleo das garantias essenciais do processo equitativo ou, em especial, o núcleo das garantias de defesa do arguido em processo penal.

    4) A norma do artigo 32.°, n.° 10, da Constituição, ao atribuir direitos de defesa ao arguido em processo contra-ordenacional, confere por si só dignidade constitucional, no âmbito do processo de contra-ordenação, a um conjunto de princípios fundamentais, como sejam as garantias basilares do processo justo e equitativo (cfr. artigo 20.°, n.° 4, da Constituição, artigo 6.° da CEDH e 14.° do PIDCP), a garantia da presunção da inocência, o direito ao silêncio e à não auto-incriminação.

    5) Mesmo que se entenda que a norma ínsita no artigo 32.°, n.° 10, da CRP não inclui ou pressupõe o assegurar das garantias fundamentais do processo penal, sempre as mesmas devem ser consideradas no âmbito do direito e processo contra-ordenacional, tendo em conta, designadamente, a equiparação entre os dois ordenamentos, ao abrigo de outras normas constitucionais, designadamente as que constam dos artigos 1., 2.°, 20.°, n.os 1 e 4, 32.°, n.os 1 e 5, da Constituição.

    6) A aproximação entre o Direito Penal e Processual Penal e o Direito contra-ordenacional é inquestionável, constatando-se uma tendencial equiparação entre ambos no que concerne aos respectivos regimes adjectivos, ao seu carácter sancionatório e à sua dimensão retributiva, pelo que deve fazer-se uma interpretação...

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