Acórdão nº 41/21.4T8ENT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução26 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.

Nos presentes autos de recurso de contraordenação que correm termos no Juízo de Competência Genérica do Entroncamento, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, com o n.º 41/21.4T8ENT, foi a arguida (…), com sede na Rua (…), condenada pela prática de duas contraordenações: - Uma contraordenação ambiental muito grave relativa ao incumprimento das condições impostas no título, prevista e punida pelo artigo 81.º n.º 3, al. c) do DL n.º 226-A/2007 de 31 de Maio, sancionável mos termos da al. b) do n.º 4 do artigo 22º da Lei 50/2006 de 29 de Agosto, republicada pela Lei n.º 114/2015 de 28 de Agosto.

- Uma contraordenação ambiental grave relativa ao funcionamento de uma instalação abrangida pelo DL n.º 127/2013 de 30 de Agosto, sem as licenças previstas no presente DL previsto e punido pela al. e) do n.º 2, do artigo 111º do DL n.º 127/2013 de 30 de Agosto, sancionável nos termos da al. b) do n.º 3 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto, republicada pela Lei n.º 114/2015 de 28 de Agosto.

*Inconformada com tal decisão, veio a arguida interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “1.ª No pretérito dia 8-06-2021 a Recorrente foi notificada da sentença proferida no processo n.º 41/21.4T8ENT, que a condenou na coima única de € 30.000,00, pela prática de duas contraordenações ambientais, a saber, uma contraordenação ambiental muito grave relativa ao incumprimento das condições impostas no título, prevista e punida pelo artigo 81.º n.º 3, al. c) do DL n.º 226-A/2007 de 31 de Maio, sancionável nos termos da al. b), do n.º 4, do artigo 22.º, da Lei 50/2006 de 29 de Agosto republicada pela Lei n.º 114/2015 de 28 de Agosto, e uma contraordenação ambiental grave relativa ao funcionamento de uma instalação abrangida pelo DL n.º 127/2013 de 30 de Agosto, sem as licenças previstas no presente DL, previsto e punido pela al. e), do n.º 2, do artigo 111.º do DL n.º 127/2013, de 30 de Agosto sancionável nos termos da al. b), do n.º 3, do artigo 22.º, da Lei n.º 50/2006 de 29 de Agosto republicada pela Lei n.º 114/2015 de 28 de Agosto; 2.ª A sentença recorrida pouco ou mais nada diz que a decisão administrativa impugnada; 3.ª Escamoteado o seu conteúdo, verifica-se que começa por reproduzir a decisão administrativa (que por sua vez reproduz o auto de notícia); 4.ª Após o que, decide tabelarmente julgar improcedentes todas as nulidades invocadas pela Recorrente, dá como provados os factos constantes da decisão administrativa e, em sede de motivação de direito, a decisão recorrida limita-se a transcrever os preceitos jurídicos aplicáveis, sem qualquer subsunção ao caso concreto, e repete a nulidade assacada à decisão administrativa no que tange à falta de fundamentação da determinação da coima concreta, sendo por essa razão também ela própria nula, nos termos dos arts. 374.º, n.º 2 e 3/b), 375.º, n.º 1, e 379.º do Código de Processo Penal.

  1. A sentença recorrida socorre-se de provas proibidas, porque recolhidas em manifesta violação do princípio da proibição da autoincriminação, para condenar a Recorrente pela contraordenação ambiental muito grave relativa ao incumprimento das condições impostas no título, prevista e punida pelo artigo 81.º n.º 3, al. c) do DL n.º 226-A/2007 de 31 de Maio.

  2. Com efeito, a sentença recorrida justifica a improcedência da nulidade já invocada em sede de impugnação judicial com apelo a alguma jurisprudência, baseada na jurisprudência Orkem do TJUE, e ainda no art. 18.º da LQCA, culminando a afirmar que a Recorrente está obrigada à participação dos resultados laboratoriais em face da necessidade imposta legalmente de controlo e monitorização, da sua actividade; 7.ª Sucede que, como já é apanágio, o Tribunal a quo limita-se a expor as conclusões dos acórdãos sem densificar a sua posição e sem a subsunção das mesmas ao caso sub judice. Isto porque: 8.ª A atuação da entidade inspetiva anulou por completo as garantias de defesa da Recorrente, não existindo qualquer ponderação ou concordância prática entre os interesses conflituantes em presença; 9.ª A ter em conta, desde logo, que a IGAMAOT não se socorreu dos resultados que mensalmente são reportados, em observância da obrigação de reporte e monitorização; 10.ª Ao invés, a inspecção solicitou, em plena inspecção, essas análises a uma pessoa que não tem poderes de vinculação da Recorrente, ignorando ou anulando a vontade desta, porque incapaz de se vincular através de terceira pessoa; 11.ª Para além disso, essa pessoa não foi informada de que a prestação de informações e, muito em concreto, o fornecer dos resultados laboratoriais, poderia culminar na aplicação de uma coima à Recorrente; 12.ª A forma de atuação da IGAMAOT corresponde a uma total privação das garantias de defesa da Recorrente no processo sancionatório, o qual ocorreu sem que tenha existido qualquer ponderação e limitação ao estritamente necessário, compensado com um acrescido dever de informar, de garantir que os elementos são fornecidos por pessoa com idoneidade para vincular a pessoa colectiva e, sobretudo, que impliquem uma possibilidade posterior de exercício do contraditório; 13.ª Isto na medida em que o Tribunal a quo se limitou a concluir, com base nos resultados das análises, que os VLE tinham sido ultrapassados, não obstante a justificação – técnica – da testemunha da Recorrente para explicar essa ultrapassagem.

  3. Na verdade, o Tribunal entrou já convencido na sala de audiência que a Recorrente havia praticado a infracção (arrogando-se até que já não é a primeira vez que a julga…), suportando-se cegamente nos documentos/relatórios recolhidos em sede de inspecção, e sem qualquer possibilidade de contraditório, como é de resto patente pelo texto da decisão recorrida.

  4. Ora, tal como entendido pela Jurisprudência (cfr. entre outros Ac. de 17-04-2012, Proc. 594/11.5TAPDL.L1-5, do Tribunal da Relação de Lisboa), o respeito pelos direitos da arguida exigiria que, no mínimo, a entidade administrativa referisse à arguida que os elementos que remeteu podiam servir para a instauração de um processo de contra-ordenação, o que não se verificou.

  5. Para além dessa ausência de informação, a inspeção “solicitou” os relatórios a alguém que no dia estava a trabalhar na sede da Recorrente, sem sequer indagar se esse alguém vinculava, ou não, a Recorrente.

  6. Pelo que – consequência direta e necessária – a Recorrente nem sequer teve possibilidade de se auto-vincular a tal prestação de informações, de forma elucidada e consciente.

  7. Como é bom de ver, a Inspecção não usou de meios que pudessem contrabalançar essa restrição dos direitos fundamentais de defesa em processo contra-ordenacional, nomeadamente, informando a Recorrente que as informações facultadas poderiam vir a ser utilizadas contra si.

  8. Não houve qualquer ponderação – ou concordância prática; ao invés, o que se assistiu foi a um total esvaziamento dos direitos de defesa da Recorrente em detrimento do poder sancionatório.

  9. Como se não bastasse, o Tribunal a quo nem sequer fez um esforço por compreender o contra-argumentos da Recorrente.

  10. Não obstante a testemunha da Recorrente ter explicado, em sede de julgamento, que no actual estado de desenvolvimento da técnica, a Recorrente não tem – como ninguém tem – meios para cumprir escrupulosamente os VLE, tendo em conta que o nível de eficácia actual da remoção dos componentes físico-químicos alcança entre os 95% e os 97% e que procuram diariamente soluções para o cumprimento dos mesmos.

  11. A preterição da prerrogativa da não auto-incriminação tem como consequência que os relatórios de análises constantes dos autos, juntas ao relatório de inspecção, não podiam ter sido utilizados como prova para fundamentar a decisão condenatória; 23.ª Nesta sede, são aplicáveis as proibições de prova previstas no art.º 126º do C.P.Penal, cujo n.º 1 prevê que as provas obtidas mediante coação ou ofensa da integridade moral das pessoas são nulas.

  12. Sendo que o n.º 2 especifica que serão ofensivas da integridade moral das pessoas, as provas obtidas mediante perturbação da liberdade da vontade ou de decisão através, designadamente, da utilização de meios enganosos.

  13. No caso que nos ocupa, os elementos fornecidos por pessoa sem poderes de vinculação da Recorrente, foram obtidos sem que lhe tivesse sido transmitido pela IGAMAOT que tinha o direito ao silêncio e à não auto-inculpação.

  14. A Recorrente, em momento algum do processo de inspeção, teve oportunidade de actuar de acordo com a sua vontade, sofrendo as consequências de uma actuação, desinformada, de terceiro.

  15. No caso concreto, simplesmente não foi dada à Recorrente a possibilidade, sequer, de recusar a colaboração.

  16. Desta forma, impõe-se concluir que a utilização destes meios de prova, através dos quais se obteve a prova junto da Recorrente, perturbou a liberdade de os representantes legais da Recorrente decidirem, pois não foram informados que poderiam não o fazer ou, pelo menos, que ao fazerem-no corriam o risco de ser sancionados,… 29.ª … pelo que são ofensivas da integridade moral das pessoas, sendo, por isso, nulas as provas consubstanciadas no procedimento administrativo e utilizadas pelo Tribunal a quo, que culminou com a decisão recorrida, e, consequentemente, nula também esta decisão, nulidade esta que desde já se requer que seja declarada, ao abrigo do art. 126.º, n.ºs 1 e 2 do CP, aplicável ex vi do art. 32.º do RGCO, e decorrência directa do art. 32.º, n.º 10, da CRP.

  17. Sem prescindir, a sentença recorrida é igualmente nula porque os factos provados são insuficientes para imputar, ainda que forma negligente, as duas contra-ordenações à Recorrente; 31.ª A decisão recorrida limita-se a concluir que a Recorrente agiu com culpa, sem, no entanto, explicar tal conclusão, de tal forma que esta não percebe porquê, e em que grau, pois desse grau resultará a medida da coima a aplicar.

  18. O...

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