Acórdão nº 1241/07.5TBFIG.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Data da Resolução02 de Maio de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AA e mulher, BB, instauraram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra CC e mulher, DD, EE, FF e mulher, GG, alegando, em síntese, que: São donos dos prédios que identificam nos artigos 1º e 2º, da petição inicial, onde construíram um edifício para sua habitação, ficando o restante para fins agrícolas, sobre os quais se encontra constituída uma servidão de passagem, a favor do prédio dos réus, descrito no artigo 11º daquele articulado.

No dia 5 de Fevereiro de 2007, por escritura de compra e venda, os réus EE, FF e GG venderam este prédio ao réu CC, casado com a ré DD, pelo preço de dezasseis mil euros, sem lhes terem dado conhecimento.

Na qualidade de proprietários do prédio onerado com servidão de passagem têm direito de preferência na venda daquele prédio, que é o dominante, assistindo-lhes por isso o direito a haverem o mesmo para si pelo referido preço de €: 16.000,00.

Com tais fundamentos, concluíram por pedir: a) o reconhecimento de que são donos e possuidores dos prédios descritos nos artigos 2º e 3º da petição inicial; b) a declaração de que tal prédio, na sua estrema nascente, sentido norte-sul, se encontra onerado com uma servidão de passagem a favor do prédio dos réus, descrito no artigo 11º, da petição inicial; c) o reconhecimento de que têm o direito de preferência na aquisição do prédio em causa (preferido/dominante), vendido pelos segundos réus aos primeiros, e que, em consequência, têm direito a haver para si tal prédio, pelo preço de venda de € 16.000,00, ou, quando se entenda que as despesas integram o preço, pelo valor de €: 16.311,86; d) o cancelamento do registo de aquisição do prédio pelos segundos réus ou de qualquer outro registo que a eles respeitem.

Os Réus contestaram a pugnar pela improcedência da acção, sustentando, em resumo, o seguinte: A servidão de passagem referida pelos autores não lhes confere o direito de preferência, porquanto as servidões constituídas por usucapião não são verdadeiras servidões legais para efeitos de atribuição do direito de preferência aos proprietários dos prédios com elas onerados.

Os réus vendedores deram conhecimento aos autores da venda do prédio, o que sucedeu no Verão de 2006, altura em que os informaram da sua intenção de vender o prédio, pelo preço de €: 21.000,00, o que efectivamente veio a suceder, porquanto o preço que declararam na escritura é inferior ao preço real acordado entre as partes.

Para além do prédio rústico em cuja venda os autores pretendem preferir, os réus compradores adquiram aos réus vendedores um prédio urbano por onde é possível passar para aceder àquele rústico, pelo que o mesmo deixou de estar encravado no momento da escritura, razão pela qual se terá também que concluir que nesse mesmo momento deixou de subsistir o direito de preferência invocado pelos autores.

Os autores replicaram, respondendo às excepções invocadas pelos réus e alteraram o pedido aludido na al. b) para o seguinte: “deve ser declarado que por sobre o logradouro do prédio urbano dos AA, a nascente, no sentido sul/norte, desde a via pública, a sul, se encontra constituída por usucapião, a favor do prédio rústico descrito no art. 11º do presente articulado (prédio preferido), pertença hoje dos 1ºs réus, uma servidão de passagem de pé e objectos agrícolas, com cerca de 2,5 de largura”.

Os réus responderam à dita alteração, reafirmando o alegado na contestação.

Admitida essa alteração, foi proferido despacho saneador, seguido da condensação da matéria de facto, com selecção da já assente e organização da base instrutória.

Realizada a audiência de julgamento, no âmbito da qual os autores procederam à ampliação do pedido formulado em c), de forma a que lhes fosse reconhecido o direito de haverem para si o prédio pelo preço de € 16.000 ou pelo preço que for apurado ou resultar da audiência de julgamento, e dirimida a matéria de facto, sem censura, foi proferida sentença que, depois de admitir a requerida ampliação do pedido, julgou a acção parcialmente procedente e decidiu o seguinte: 1º - Declarar que o autores são donos e possuidores, com exclusão de outrem, do “prédio urbano composto de cave, rés-do-chão e 1° andar, com a área total de 2.130 m2, sito em L...., freguesia de V...., concelho da Figueira da Foz, a confrontar do norte com HH e II, do sul com caminho e JJ, do nascente com HH e KK e do poente com caminho e JJ, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2096, correspondendo ao mesmo a área coberta de 287 m2 e descoberta de 1843 m2, o qual está descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob o nº …, freguesia de V...., e inscrita a sua aquisição a favor de AA e mulher BB, por doação, através da inscrição G – 1, Ap. 11/241198.

  1. - Declarar que sobre o logradouro do referido prédio dos autores, situado na estrema nascente deste prédio, no sentido sul-norte, desde a via pública a sul, se encontra constituída, por usucapião, uma servidão de passagem a pé e com objectos agrícolas, com cerca de 2,5 metros de largura a favor do prédio rústico composto de “terra de cultura, a confrontar do norte com LL, do sul e poente com KK e do nascente com MM, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 614.

  2. - Absolvem-se os réus dos restantes pedidos formulados.

Os Autores apelaram, com êxito, tendo a Relação de Coimbra revogado a sentença da 1ª instância, reconhecendo consequentemente aos Autores o direito de preferência na aquisição do prédio em causa vendido pelos segundos réus aos primeiros e de haverem para si tal prédio, pelo preço de € 16.000, ordenando o cancelamento do registo de aquisição do prédio pelos segundos réus.

Inconformados, os Réus interpuseram recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as seguintes conclusões: 1. O douto acórdão recorrido assenta no facto de considerar que a existência de uma servidão de passagem constituída por usucapião confere na venda o direito de preferência ao dono do prédio onerado com tal servidão.

  1. No entanto, a lei apenas atribui essa preferência no caso de servidões legais de passagem, enumerando taxativamente as formas como podem estas ser constituídas: por negócio jurídico, por decisão judicial ou por decisão administrativa.

  2. Uma servidão de passagem constituída por usucapião não será uma servidão legal para efeitos de atribuição do direito de preferência.

  3. Logo, não tendo cobertura legal o direito de preferência que os recorridos se arrogam nos presentes autos, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra não pode manter-se.

  4. Foram violados, entre outros, os arts. 1547°, 1550° e 1555° e segs. do Código Civil.

    Os Autores ofereceram contra-alegação a pugnar pelo insucesso da revista.

    Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

    II - Fundamentação de facto A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte: 1. Em 3 de Setembro de mil novecentos e noventa e oito, foi celebrada escritura pública de doação, no Primeiro Cartório Notarial da Figueira da Foz, em que foram primeiros outorgantes NN e mulher OO e segundos AA e mulher BB. Pelos primeiros outorgantes foi dito que pela força das suas quotas disponíveis e sem qualquer reserva ou encargo, fazem doação aos segundos outorgantes, seu filho e nora do seguinte: a) prédio rústico composto de terra de cultura com 4 figueiras, a confrontar do norte com HH, do nascente com HH e KK, do sul com caminho e do poente com PP, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 603; b) prédio rústico composto por terra de cultura com uma oliveira, a confrontar do norte e nascente com II, do sul com caminho e do poente com JJ, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 611; c) prédio rústico composto de terra de cultura com...

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